Acórdão nº 3382/11.5TBVFX-A.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução10 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO MARIA C. intentou, em 14 de maio de 2015, ao abrigo do artigo 210.º da Organização Tutelar de Menores, então vigente, processo tutelar comum[1], contra ANA e HUGO, pais dos menores Joana e João, seus netos maternos, requerendo que lhe seja reconhecido o direito de estar com os netos, fixando-se o respetivo regime de convívio, sem necessidade da presença dos requeridos, como estes pretendem.

Alegou para fundamentar a sua pretensão, em suma, que sempre manteve um contato próximo com os mesmos, até ao dia em que, sem motivo que o justificasse, os progenitores das crianças passaram o evitar os convívios, impedindo-a de aceder aos netos e de conviver regularmente com eles e impondo, como condição para os contactos, que sejam tidos apenas sob a sua vigilância.

Citados, os requeridos sustentaram, entre o mais, que a requerente é desequilibrada, obsessiva e sufocante para com as crianças, com o que contribui para a instabilidade emocional das mesmas.

Em conformidade, pugnaram, a final, pelo indeferimento integral do pedido, por manifestamente infundado e pela proibição da requerente estabelecer quaisquer contatos com os menores, pelo menos até que receba o devido tratamento clínico.

Foram realizadas várias diligências com vista a solucionar o litígio de forma consensual, designadamente, audição da requerente e requeridos (fls. 69-71), tomada de declarações aos menores na presença de técnica especializada da ISS (fls. 265-266), suspensão da instância para audição técnica especializada (fls. 269), que se realizou como consta de fls. 287-292, conferência com a requerente e requerido (fls. 309-310), mas sem resultado positivo.

Foi realizada uma perícia à requerente com vista a «aferir se sofre de alguma patologia e, na positiva, se a mesma interfere negativamente no relacionamento com os netos e em que medida», cujo Relatório Pericial Psicológico se encontra a fls. 132-144.

Requerente e requeridos foram notificados para apresentarem alegações e arrolaram prova ao abrigo do artigo 39.º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), que, entretanto, entrou em vigor.

A requerente apresentou o requerimento de fls. 321-355, onde juntou vários documentos, entre eles, um Relatório de Avaliação Psicológica realizada a seu pedido, em março de 2014, que consta de fls. 340-344.

Os requeridos apresentaram o requerimento de fls. 360-372.

Foi realizado julgamento, em várias sessões, onde requerente e requeridos prestaram declarações de parte (fls. 390-391), foram ouvidos os menores (fls. 392), ouvidas várias testemunhas arroladas pela requerente (fls. 395-398, 402, 404) e pelos requeridos (fls. 405).

Em 08/01/2018 (Ref.ª 135857890- fls. 407-436) foi proferida sentença, que julgou a ação procedente e fixou um regime de convívio entre a avó/requerente e os netos, abrangendo fins-de-semana, férias de Natal e da Pascoa e férias de Verão, sendo o mesmo acompanhado, nos dois primeiros meses, pela bisavó materna ou, na impossibilidade desta, por um familiar (primo), Paulo Daniel Marques.

Mais decretou uma sanção pecuniária compulsória de €100,00 por cada dia, após a notificação da sentença, que os requeridos deixem de facultar à requerente a companhia dos netos, revertendo a mesma exclusivamente a favor do Estado.

Encontra-se documentado nos autos a fls. 437-439, 451-459, 454-455, 460-466, 470-473, 475-478, vários requerimentos da requerente e dos requeridos e um do Sr. Paulo M., que evidenciam que não foi possível dar cumprimento ao ordenado na sentença.

Em 09/02/2018 (fls. 421-501) os requeridos interpuseram recurso da sentença, pedindo a sua revogação.

Respondeu a requerente (fls. 506-515), em sentido oposto.

Também o Ministério Público respondeu às alegações dos recorrentes (fls. 517-520), pugnando pela manutenção do decidido.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 521, como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Os autos foram remetidos a esta Relação de Lisboa.

Por despacho da Relatora proferido em 23/03/2018, foi atribuída urgência aos autos durante as férias da Páscoa do corrente ano.

Foram colhidos os vistos.

Conclusões da apelação: O Tribunal a quo ao ter decidido o regime de visitas forçando os menores a visitar a Avó não teve em consideração: I. O superior interesse dos menores não dando relevância à opinião destes; II. Os critérios subjacentes à aplicação da sanção pecuniária compulsória, nomeadamente a moralidade e a eficácia da mesma, uma vez que a prestação de facto (entrega das crianças) não se encontra ao alcance dos Recorrentes como acima foi referido; III. O relatório do INML que afirma, entre outras coisas, que a Avó materna é manipuladora e obsessiva; IV. O relatório da Audição Técnica Especializada, que vincou a falta de autocrítica da Recorrida, imputando nos outros a obrigação de mudança; V. O regime de responsabilidades actualmente estabelecido, ficando a avó com iguais ou mais direitos que a mãe; VI. A legislação ordinária, extraordinária, constitucional e convenções internacionais que obrigam o Estado Português relativamente aos menores; VII. Nomeadamente, foram violados os artigos 69º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 1878.º nº 2 do Código Civil.

II- FUNDAMENTAÇÃO A- Objeto do Recurso Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar: - Do erro de julgamento quanto à prova produzida; - Da não atendibilidade do superior interesse dos menores em causa nos autos e da violação dos normativos citados pelos apelantes; - Da falta de critérios e eficácia da aplicação da sanção pecuniária compulsória.

B- De Facto A 1.ª instância fundamentou a decisão com base na seguinte matéria de facto: FACTOS PROVADOS 1. Joana nasceu em …/2004, é filha dos Requeridos e neta materna da Requerente - doc.

de fls.

18 dos autos principais.

  1. João nasceu em …/2006, é filho dos Requeridos e neto materno da Requerente - doe.

    de fls.

    21 dos autos principais.

  2. Durante a infância da Joana e do João, em período não concretamente apurado mas quando estes tinham cerca de 2 e 3 anos (no período de 2007 a 2009), a Requerente ajudou a tomar conta dos netos, na casa dos Requeridos - fls.

    160 e 390.

  3. O que aconteceu pelo menos 2 vezes por semana, em períodos de 2 a 3 horas.

  4. Para o efeito, o Requerido ia buscar a Requerente ao local de trabalho desta, que saía na hora do almoço e ia para casa dos Requeridos - onde tratava da casa e dos netos.

  5. A Requerente opinava amiudadamente sobre a vida do casal e a educação dos netos, o que motivou frequentes discussões entre os Requeridos.

  6. Desde tenra idade, ambas as crianças passaram fins-de-semana e férias na casa da Requerente - em Lisboa e na casa de praia que esta tem em Sesimbra.

  7. O João dizia à Requerente que na casa da avó dormia sonos "grandes e gordos" - fls. 390.

  8. O marido do Requerente, que conhece as crianças desde que nasceram, tratava a Joana e o João por netos e eles tratavam-no por avô, sendo também carinhosamente tratado pelo João por "ovelha Choné" (figura da banda desenhada).

  9. Os Requeridos separaram-se em 2010 e voltaram o residir juntos em Setembro de 2012 - fls.

    371 dos autos principais.

  10. Durante a separação, as crianças alternaram a residência com ambos os progenitores, tendo a progenitora ficado a residir na segunda casa do casal, em Alvalade.

  11. Em 2010/2011, as crianças frequentaram uma escola em Alvalade.

  12. Na qual a Requerente ficou inscrita como Encarregada de Educação de ambos.

  13. Durante o período inicial da separação, e até Maio de 2011, nas semanas em que os netos ficavam com a mãe, a Requerente prestava todo o apoio necessário à filha e aos netos - fls.

    371 e 388 dos autos principais.

  14. Preparava os pequenos almoços dos netos, ajudava-os o vestir, levava-os à escola, ia buscá-los à escola e cuidava deles até à hora de deitar - fls.

    371 e 387 dos autos principais.

  15. As crianças mostravam-se felizes quando estavam com a avó.

  16. Como os netos passavam muito tempo consigo, a Requerente adaptou a sua casa e criou um quarto exclusivamente para eles e uma zona de brinquedos próprios par as suas idades - fls.

    387 dos autos principais.

  17. Em Maio de 2011, a Requerente deixou de poder contactar os netos na escola e de dali sair com eles.

  18. Então, passou a ficar na grade da escola, à espera dos intervalos para os ver e estar com eles.

  19. Os funcionários tinham pena e tiravam fotografias aos menores, que lhe entregavam para ela ver, e levavam-lhes os lanches que a avó lhes trazia.

  20. As crianças faziam desenhos com dedicatórias à avó, que os funcionários da escola não mostravam inteiramente a esta para evitarem aumentar o seu sofrimento.

  21. A Requerente e a Requerida tiveram, quase sempre, uma convivência difícil, marcado por um historial de discussões.

  22. Actualmente, não se falam - fls...

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