Acórdão nº 418/13.9TVLSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados.

Relatório: O Fundo de Garantia Automóvel intentou em 05/03/2013, a presente acção contra A, B-Lda, e Companhia de Seguros SA, pedindo que a seguradora seja condenada a pagar-lhe a 318.077,95€ (indemnizações) + 102,44€ (despesas de tradução) e correspondentes juros legais vencidos, no valor de 38.460,60€, e vincendos; ou, subsidiariamente, que sejam os 1º e 2º réus, solidariamente, condenados a fazê-lo.

Alegou, em síntese, que ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes um veículo conduzido pelo 1º réu e propriedade da 2ª ré, e um veículo propriedade de e conduzido por um terceiro; a culpa do acidente foi do 1º réu, tendo o condutor do outro veículo sofrido ferimentos graves; a indemnização arbitrada a este foi suportada pelo FGA em virtude de a 3ª ré ter declinado qualquer responsabilidade alegando a nulidade do contrato de seguro que a 2ª ré celebrara com ela e cobria o sinistro dos autos; com a presente acção pretende ser reembolsado das quantias que pagou (a última das quais em 25/02/2010).

A seguradora, citada entre 20 e 22/03/2013, contestou a 16/04/2013, entre o mais excepcionando a nulidade do contrato de seguro e a prescrição do direito do FGA – por haverem decorrido mais de três anos sobre o pagamento feito pelo FGA ao lesado ou às entidades que prestaram assistência aquele: o último pagamento foi efectuado em 25/02/2010 e ela foi citada em 06/2013 - e impugnando os factos alegados por este.

A 24/04/2013, o FGA veio, ao abrigo do disposto no art. 273/2 do CPC, requerer a ampliação do pedido, dizendo que, de acordo com o alegado nos artigos 16 e 26 da petição inicial, as lesões do sinistrado ainda não se encontravam consolidadas, pelo que ainda careciam de acerto nas indemnizações pagas; apurados tais danos, o lesado reclamou o seu pagamento ao Bureau Central Français (Gabinete Francês) o qual regularizou o sinistro, tendo reclamado o reembolso da indemnização paga, junto do GPCV, o que este satisfez, após ter sido efectuada a necessária conversão monetária, de acordo com o câmbio praticado, liquidando 87.391,27€ e depois reclamou junto do FGA o montante pago (doc. nº. 1) gastando 2482,14€ com a tradução dos documentos juntos com a pi (doc. nº. 2); tendo pois despendido o total de 408.053,80€. O FGA notificou esta ampliação directamente à seguradora.

O 1º réu, citado a 03/06/2013, também contestou excepcionando a prescrição do direito do FGA e impugnando os factos alegados por este.

Entretanto FGA desistiu da instância quanto à 2ª ré (falida e em liquidação), desistência que foi homologada, e depois replicou impugnando a matéria das excepções: o seu direito de sub-rogação foi adquirido apenas com o cumprimento da obrigação e esta só ocorreu em 27/03/2013 quando o autor efectuou o último pagamento (doc.1 apresentado com a ampliação do pedido); tendo a acção sido intentada em 05/03/2013, antes do último pagamento, o seu direito não prescreveu, pois que o prazo de prescrição do direito que a lei reconhece ao FGA deve contar-se a partir do cumprimento da obrigação, conforme o art.498/2 do CC.

O 1º réu e a 3ª ré opuseram-se à ampliação do pedido e impugnaram os respectivos factos e documento; o 1.º réu acrescentou que: estes autos são a repetição de outra acção, processo 4281/07.0TVLSB da 8º Vara de Lisboa, 2ª Secção, julgada improcedente, por se verificar a ineptidão da petição inicial, incluindo o FGA outras verbas a fim de ilidir o efeito verificado da prescrição; e o FGA não interpôs esta outra petição inicial nos 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância (cfr. arts. 288 e 289, n.ºs 2 e 4 do CPC).

A ampliação foi admitida.

A 11/05/2015, o FGA veio requerer – notificando directamente os réus - nova ampliação do pedido, dizendo que de acordo com alegado nos arts 19 e 20 da petição inicial, o lesado reclamou o ressarcimento dos seus danos junto do BCF (Gabinete Francês), o qual regularizou o sinistro, tendo reclamado o reembolso da indemnização paga, junto do GPCV, que o reembolsou; depois, o GPCV veio reclamou junto do FGA a quantia de 75.037,77€, quanto a indemnizações e despesas processuais pagas; em obediência com a lei em vigor, o FGA procedeu ao pagamento da quantia reclamada, conforme documentos nºs 1 (33.617,08€ - 17/02/2010) e 2 (41.420,69€ - factura emitida a 17/12/2013); o montante despendido pelo autor referido nos arts 24 e 26 da p.i., passa a ser de 393.218,16€.

O 1º réu opôs-se à ampliação do pedido e impugnou os respectivos factos e documentos.

A ampliação foi admitida.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção da prescrição.

Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença condenando a seguradora a pagar ao autor 483.091,57€ acrescidos de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos.

A seguradora recorre quer do saneador-sentença quanto à prescrição quer da sentença de condenação - para que sejam substituídos por decisão que, alterando os factos, reconheça a prescrição ou, pelo menos, a invalidade e ineficácia do contrato de seguro, sempre com a consequência da absolvição do pedido - impugnando o decidido em (ee) dos factos provados e, por isso, o decidido quanto à prescrição e, também, o decidido quanto à nulidade do contrato de seguro.

O FGA contra-alegou defendendo a improcedência do recurso, quanto a tudo isto, reconhecendo embora uma parcial duplicação de valores.

* Questões que importa decidir: se o saneador ainda não podia ter decidido a excepção da prescrição; se deve ser alterada a decisão da matéria de facto quanto à alínea (ee) dos factos provados; se se verifica a prescrição; e se o contrato de seguro é inválido.

* Do saneador-sentença quanto à prescrição A fundamentação da decisão da não prescrição foi a seguinte: Preceitua o art. 25 do DL 522/85 que “Satisfeita a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado …” A sub-rogação pode ser definida como a transmissão do crédito em favor daquele que, substituindo-se ao devedor, cumpre a obrigação a que este se encontrava adstrito – art. 589 do CC. Supõe sempre um pagamento feito por terceiro ao originário credor, ingressando esse terceiro na posição jurídica que o primitivo credor ocupava na relação obrigacional.

Ou seja, a sub-rogação é uma forma de transmissão do crédito.

A sub-rogação do FGA nos direitos do lesado é a legal, operando--se a investidura do solvens na posição até então ocupada pelo credor ope legis (artigo 592/1 do CC).

O fulcro da sub-rogação e medida dos direitos do sub-rogado é o cumprimento. Sendo a sub-rogação uma transmissão do crédito, fonte desta transmissão é, em todos os casos, o facto jurídico do cumprimento (Galvão Telles, Direito das obrigações, 3ª ed., p. 230). Mas então, se a sub-rogação supõe o pagamento, não pode deixar de entender-se que antes do pagamento não há sub-rogação.

O terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento e enquanto não o fizer não é sub-rogado e não pode exercer os direitos do credor.

Aliás, e como refere o autor, não pode razoavelmente aceitar-se que um prazo de prescrição comece a correr ainda antes de o direito se subjectivar, antes ainda de o respectivo titular o poder exercer.

Antes de satisfazer, por imperativo legal, a indemnização ao lesado, o autor não é titular de qualquer direito de crédito que possa exercer em substituição do lesado e apenas com o pagamento nasce o direito do autor, direito que só indirectamente tem como fundamento o acidente passando antes a basear-se no direito a ser reembolsado do que pagou.

Do que se deixa dito, conclui-se que o prazo de prescrição do direito que a lei reconhece ao autor se deve contar a partir do cumprimento, conforme prescreve o artigo 498/2 do CC.

Outra questão é saber como se faz a contagem do prazo de prescrição quando o pagamento não ocorreu numa única prestação.

Em nosso entender o prazo de prescrição do direito do autor apenas se inicia no momento em que estiver cumprida a obrigação ainda que o núcleo indemnizatório tenha originado pagamentos faseados ao longo do tempo – ver neste sentido e aí devidamente explicitado, o acórdão do STJ de 07/04/2011.

Assim se entendendo e tendo ocorrido o último pagamento em 27/03/2013, quando a acção já se encontrava proposta, o direito do autor não está prescrito, nem mesmo considerando a data de citação do 1.º réu face ao que preceitua o art. 323/2 do CC.

A segurada diz contra isto o seguinte, em síntese: O tribunal a quo ao conhecer da excepção invocada pela seguradora, em sede de saneador, fê-lo erradamente, porquanto, a concreta aferição da prescrição ou não do direito do FGA estaria sempre dependente da concreta e efectiva prova da existência de pagamentos posteriores àqueles que já vinham peticionados aquando da propositura da acção e susceptíveis de serem reputados como incluídos no mesmo núcleo indemnizatório.

Não bastaria ao FGA invocar posteriormente à entrada da acção (como fez ao requerer a 1ª ampliação do pedido em 24/04/2013), realização de outros pagamentos posteriores para que tal fosse suficiente para, sem mais, considerar como improcedente a mencionada excepção.

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