Acórdão nº 673/03.2 TYLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelTERESA PARDAL
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

B… intentou contra A… acção de processo comum alegando, em síntese, que é titular da marca internacional nº614537 “BUDWEISER BUDBRAU”, como consequência de decisão proferida em acórdão da Relação de Lisboa de 28/02/2002, com reivindicação de prioridade relativo a um registo checoslovaco de 15/11/93, concedido em 10/01/94, bem como dos registos das marcas nacionais nº 323986 e 323987 “BUDEJOVICKY BUDVAR”, concedidos em 25/02/2002 pelo INPI, todas destinadas a assinalar cervejas, na classe 32 da Classificação Internacional de Nice, sendo esta cerveja produzida há séculos na cidade de Ceské Budejovice, situada no sul da República Checa, com características que a distinguem de qualquer outra e que resultam nomeadamente da qualidade da água extraída de poços aí existentes, referindo-se a expressão BUDWEISER à qualidade de “BUDWEIS” que é um termo com conteúdo geográfico específico por ser a tradução em inglês e alemão do nome dessa cidade e tendo a ré pedido em 26/01/94 e obtido do INPI em 4/12/97 o registo da marca nacional nº297665 “COLD FILTERED ICE DRAFT BEER FROM BUDWEISER”, também destinada a assinalar cervejas, sem reivindicar o uso exclusivo das palavras “COLD”, “FILTERED”, “ICE”, “DRAFT” e “BEER”, usando em Portugal a expressão “Budweiser” com violação da marca prioritária da autora nº614537, assinala produtos idênticos e tem semelhanças gráficas e fonéticas que determinam um risco de associação e confusão, verificando-se concorrência desleal por parte da ré, tudo causando prejuízos à autora.

Mais alega que a marca da ré nº297665 viola o Acordo Sobre Protecção das Indicações de Proveniência, das Denominações de Origem e de Outras Denominações Geográficas e Similares, aprovado por Decreto de Governo nº7/87, celebrado em 10/01/86 entre Portugal e a República Socialista da Checoslováquia, com um anexo onde consta a lista das indicações de proveniência que, no território português, têm protecção exclusiva, entre as quais a cerveja Ceskobudejovicky Budvar, ou seja BUDWEISER BUDVAR, encontrando-se este acordo em vigor, por nele ter sucedido a República Checa a partir de 1 de Janeiro de 1993, o que foi confirmado pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da República Checa, que, em 21/03/94, trocaram notas nesse sentido e não deixando o mesmo acordo de ser aplicável por via do Regulamento nº2081/92 CEE, que consagrou um sistema de protecção exclusiva a nível comunitário das denominações de origem ou indicações geográficas, por este não constituir um sistema universal e exaustivo, entendimentos estes que já foram aplicados no acórdão do STJ de 23/01/2001, transitado em julgado e publicado no BPI, que recusou à ora ré o registo nacional nº211728 “BUDWEISER” e que têm vindo a ser seguidos pelo INPI, que veio a recusar outros pedidos de registo de marcas da ré com esta palavra.

Concluiu pedindo (a) anulação do registo da marca nacional nº297665 “COLD FILTERED ICE DRAFT BEER FROM BUDWEISER”, (b) a condenação da ré a se abster de comercializar cervejas com marcas constituídas total ou parcialmente pela expressão “BUDWEISER”, retirando do mercado todos esses produtos e destruindo os que ainda possa ter em stock, (c) a condenação da ré a se abster de utilizar marcas constituídas total ou parcialmente pela expressão “BUDWEISER” ou de adoptar quaisquer outras marcas susceptíveis de serem confundidas com as marcas da autora ou de constituírem uma violação das disposições legais mencionadas na p.i., (d) a condenação da ré a pagar à autora uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais já causados, cujo montante deverá ser arbitrado pelo Tribunal, nos termos dos artigo 564º nº2 e 566º nº3 do Código Civil, (e) a condenação da ré a pagar à autora uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos que vierem a ser apurados e pelas despesas com os serviços a quem tem recorrido para fazer valor os seus direitos e legítimos interesse (f) e a condenação da ré numa sanção pecuniária compulsória no valor de 2 000,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida.

A ré contestou alegando, em síntese, que desde 1876 produz cerveja nos Estados Unidos da América com a marca “BUDWEISER”, protegida por registo, designadamente desde 1907, sendo a mesma conhecida em todo o mundo, nomeadamente em Portugal e, como tal, uma marca notória para os efeitos do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS) e da Convenção da União de Paris (CUP), que prevalecem sobre quaisquer tratados bilaterais, como é o caso do Acordo de 10/01/86 invocado pela autora e cuja aplicação errónea permitiu o registo das marcas da autora e a revogação da marca da contestante nº211728, sendo certo que tal Acordo de 1986 caducou com a dissolução da República Socialista da Checoslováquia, não podendo entender-se que o mesmo se mantém em vigor por via da troca de notas entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros dos dois Estados, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, por se tratar de matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, pelo que é legítimo o direito da contestante conferido pelo registo de marca nº297665, cujo exercício tem sido perturbado pela actuação da autora, que pretende impedi-lo, causando prejuízos à ré. Mais alegou que a palavra Budweiser não indica uma localidade geográfica, podendo a cerveja ser fabricada com idêntica qualidade e características em qualquer parte do mundo e, que, de qualquer forma, o Regulamento nº2081/92 (CEE) não permite a aplicação do Acordo de 1986 porque veio estabelecer a Protecção das Indicações Geográficas e das Denominações de Origem dos Produtos Agrícolas e dos Géneros Alimentícios, substituindo os sistemas nacionais de protecção de denominações de origem e indicações geográficas e consagrando um sistema de protecção exclusiva a nível comunitário, mediante o respectivo registo, não tendo o Estado Português comunicado à Comissão, no prazo fixado no referido Regulamento, que desejava proteger as denominações contempladas no Acordo de 1986, que assim deixaram de ficar protegidas, a que acresce a não aplicação do Acordo de 1986 como consequência do alargamento da União Europeia previsto para 1 de Maio de 2004, com a adesão da República Checa, mediante o respectivo tratado de 16/04/2003, por força do qual a protecção das indicações geográficas será efectuado no âmbito dos procedimentos comunitários.

Concluiu pedindo a improcedência da acção e, em reconvenção, pedindo (a) a anulação do registo de marca internacional nº614537 “BUDWEISER BUDBRAU” e dos registos de marca nacional nºs 323986 e 323987 “BUDEJOVICKY BUDVAR”, (b) a condenação da autora a se abster de comercializar cervejas com marcas que incluam a palavra “BUDWEISER”, retirando do mercado todos esses produtos e destruindo os que ainda possa ter em stock, bem como de utilizar marcas que incluam a palavra “BUDWEISER”, (c) a condenação da autora a pagar à ré uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais já causados e de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos que vierem a ser apurados e pelas despesas com, os serviços a que tem recorrido para fazer valer os seus direitos e legítimos interesses (d) a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida, a condenação da autora a pagar um montante de 20 000,00 euros. A autora replicou opondo-se à reconvenção e concluindo com o pedido de condenação da ré como litigante de má fé e com a ampliação do pedido, relativamente ao valor da sanção pecuniária compulsória, pedindo o montante diário de 20 000,00 euros.

Posteriormente, apresentou a autora articulado superveniente, onde alega que, na pendência da presente acção, o INPI lhe concedeu os registos das indicações geográficas nºs 96 “BUWEISER BUDVAR”, 97 “BEER FROM BUDWEIS” e 98 “BUDEJOVICKY BUDVAR”, tendo sido admitido o articulado e não tendo sido deduzida oposição pela ré.

Foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador logo seguido de sentença que conheceu de mérito e julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção, mas, na sequência de recurso interposto pela ré e de anulação da sentença para os autos prosseguirem e ser produzida prova, foi proferido despacho saneador, bem como identificação do objecto do litígio e indicação dos temas de prova, após o que, na ausência de apresentação de prova testemunhal pelas partes, foram os autos facultados para apresentação de alegações escritas pelas partes, não tendo estas usado dessa faculdade.

Foi então proferida sentença que decidiu: a) julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência (i) anular o registo da marca nacional nº297665 “COLD FILTERED ICE DRAFT BEER FROM BUDWEISER”, (ii) condenar a ré a abster-se de comercializar cervejas com marcas constituídas total ou parcialmente pela expressão “BUDWEISER”, retirando do mercado todos esses produtos, (iii) condenar a ré a abster-se de utilizar marcas constituídas total ou parcialmente pela expressão “BUDWEISER”, (iv) condenar a ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 500,00 euros por cada dia de incumprimento das obrigações impostas em i e ii e (v) absolver a ré do demais peticionado pela autora; b) julgar improcedente a reconvenção deduzida pela ré e absolver a autora de todos os pedidos reconvencionais. * Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando conclusões, com as seguintes questões: - A sentença recorrida assenta a sua decisão no acórdão do STJ de 23/01/2001 (BPI nº9/2001 de 30/10), desvalorizando os desenvolvimentos que ocorreram após a prolação deste acórdão e que impunham decisão em sentido contrário.

- Não obstante a propositura da presente acção ser anterior à adesão da República Checa à UE...

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