Acórdão nº 191/13.0 TCFUN.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA PARDAL
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: AP… e AB… intentaram contra o Banco…, SA acção declarativa com processo ordinário alegando, em síntese, que em Julho de 2007 constituíram no banco réu um depósito a prazo no valor de 750 000,00 euros com juros convencionados e garantindo o réu a sua segurança e restituição a qualquer momento, mas tendo investido esta quantia na aquisição de títulos do Kaupthing Bank sem o consentimento dos autores, o que só veio ao conhecimento destes quando, em 17 de Dezembro de 2009, o réu lhes enviou uma comunicação escrita instando-os a reclamar os seus créditos junto do referido banco por o mesmo ter entrado em situação de insolvência, perante o que o autor reclamou a restituição do montante depositado e solicitou os documentos suporte das aplicações, o que o réu não foi capaz de satisfazer, embora recusando a restituição do depósito, invocando que a operação foi efectuada ao abrigo das instruções dos autores, o que é falso, pois o réu actuou por sua conta e risco, nada tendo comunicado aos autores, que assim perderam a quantia depositada, o que determinou a impossibilidade de investimentos e causou preocupações e sofrimento. Concluíram pedindo a condenação do réu a pagar-lhes (a) a quantia de 928 875,00 euros, correspondente ao capital de 750 000,00 euros e juros convencionais vencidos desde 7/10/2008, bem como os juros vincendos, (b) a indemnização de 2 000 000,00 euros por prejuízos materiais e (c) a indemnização de 100 000,00 euros por danos não patrimoniais. O réu contestou arguindo a excepção da prescrição por já ter decorrido o respectivo prazo legal de dois anos desde a data em que os autores alegam ter tido conhecimento do investimento, sendo certo que tiveram conhecimento muito antes, mediante o recebimento de extractos bancários que mencionavam a aquisição dos títulos; por impugnação alegou, em síntese, que os autores são clientes do contestante há vários anos, no decurso dos quais se revelaram investidores experientes, com um vasto histórico de realização de investimentos financeiros de risco igual ou superior ao dos títulos em causa, sendo a quantia reclamada o resultado desses investimentos, tendo a mesma sido transferida para a conta dos autores com o objectivo de vir a ser aplicada em investimentos financeiros, para o que os autores constituíram três depósitos a prazo, acordando em prazos curtos para serem libertados os fundos necessários ao investimento de aquisição dos títulos em causa, o que foi executado por instrução dos autores, que sabiam estar a realizado um investimento financeiro e não um depósito a prazo, não exigindo a lei que tal instrução fosse dada por escrito e vindo os autores a perder o investimento devido aos factos imprevisíveis relacionados com a conjuntura financeira que se verificou na altura. Concluiu pedindo a procedência da excepção de prescrição e a improcedência da acção.

Os autores replicaram, opondo-se à excepção de prescrição e mantendo a versão da petição inicial.

Os autos foram saneados, tendo sido remetido para final o conhecimento da prescrição e procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu o réu do pedido. * Inconformados, os autores interpuseram recurso e alegaram, formulando conclusões onde levantam as seguintes questões: –Os pontos C, D, E, G, H, HH, II, JJ, MM, NN, OO, PP, RR e SS devem ser considerados não provados.

–O ponto QQ deve ter um aditamento na sua redacção.

–Os pontos 1 e 6 dos factos não provados devem ser considerados provados.

–Os pontos 2 e 4 dos factos não provados devem ser considerados provados com a redacção que sugere.

–O ponto 3 dos factos não provados está em contradição com o ponto KK, não se podendo dar o mesmo facto simultaneamente como provado e como não provado.

–O ponto 16 deve ser provado, por razões de harmonização com a matéria dos pontos FF e II, resultante da alteração ora pedida.

–Deve considerar-se provado, como resultante da instrução da causa, que o autor teve uma reunião em Maio de 2008 com o funcionário do réu, RB…, chamando a atenção de que se estava a registar no mercado uma desvalorização geral de títulos e que lhe parecia ser aconselhável a venda dos títulos.

–O Tribunal recorrido foi indiferente à violação do sigilo bancário e as consequências de tal violação por parte do réu e das suas testemunhas, valorando prova que é nula, por força da violação do artigo 79º nº1 do RGICSF.

–E constitui também exigência, como dever acessória imposto pela boa fé, artigo 762º do CC (Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª edição, fls 352 e sgts).

–Independentemente da procedência das alterações na matéria de facto ora pedidas, a acção teria de proceder face aos elementos dos autos, nomeadamente a certidão da CMVM de fls 394 a 867 relativa à violação grosseira dos deveres do réu como banco enquanto intermediário financeiro, intervenção que, em sua defesa e na contestação, constituiu a tese sustentada pelo réu.

–Ao acolher tal tese, não pode o Tribunal recorrido, por um lado, contra a prova dos autos, considerar a intervenção do réu como de intermediação na alegada compra de títulos Kaupthing e, ao mesmo tempo, ser indiferente às consequências da sua actuação, com manifesta culpa grave nesse desempenho.

–O Tribunal recorrido julgou improcedente o pedido dos autores, de restituição de 750 000,00 euros depositados no banco réu e respectivos juros, bem como de pagamento de indemnização de danos sofridos, com o fundamento de que os autores não provaram a causa de pedir constituída pelo depósito de 750 000,00 euros.

–Contudo, os autores provaram o depósito de 750 000,00 euros, como decorre dos pontos GG e KK dos factos provados, mesmo entendendo-se que poderão não ter provado o prazo e taxa remuneratória deste capital depositado.

–Têm, pois, os autores o direito à restituição da quantia de 750 000,00 euros e respectivos juros, às taxas fixadas em i e ii do ponto KK dos factos provados.

–Em qualquer caso, se a prova de tal depósito não tivesse sido feita, sempre competiria ao tribunal recorrido proceder à alteração oficiosa da qualificação jurídica dos factos, ou operar a necessária convolação.

–O banco réu não provou que tenha sido dada ordem de liquidação dos depósitos referidos e muito menos que tivessem sido dadas instruções para utilizar tais valores na aquisição de títulos Kaupthing.

–Acolhendo a tese de que existe intermediação financeira, não poderia o tribunal recorrido deixar de ter em conta a inexistência de quaisquer documentos a consubstanciar a ordem de liquidação dos depósitos e a formalizar a ordem de compra dos títulos Kaupthing, para além da preterição grosseira dos artigos 289º, 290º, 291º, 295º, 307º-B e 312º-B do CVM.

–O réu invocou a tese da intermediação financeira, sabendo que não cumpriu as mais elementares obrigações e deveres impostos pelo CVM, com a intenção, que sempre constituiria abuso de direito de conhecimento oficioso, de que beneficiaria do prazo de prescrição do nº2 do artigo 324º do CVM, como veio a invocar e teve acolhimento supletivo na sentença recorrida.

–Na questão da prescrição haverá que ter presente a exigências de boa fé e, nesse contexto, regista-se que, em representação do autor, enquanto reclamante, a CMVM recebeu do réu a carta de 30-08-2014, junta a fls 442, em que refere a abertura para um entendimento, assim reconhecendo o direito que os autores vieram exercer com a presente acção, o que equivale a uma interrupção da prescrição, ou renúncia á mesma, se esta já tivesse ocorrido.

–Todavia, perante as violações grosseiras dos deveres do intermediário financeiro, sempre estaríamos perante uma situação de culpa grave, ou mesmo de dolo, pelo que o prazo de prescrição é o prazo geral do artigo 309º do CC, que a sentença recorrida violou.

–Cabia também ao tribunal recorrido, no âmbito das consequências a retirar da violação da regras da intermediação financeira, aplicar a presunção de culpa do réu, nos termos do artigo 799º do CC, que não foi ilidida.

–Acresce que, para além do enquadramento da responsabilidade do réu por via da presunção de culpa não ilidida, sempre este seria responsável a título de risco pela restituição aos autos da quantia reclamada na acção.

–Deveria ainda o tribunal ter em consideração que, apesar de a compra dos títulos Kaupthing correr por conta e risco do réu, o facto de o autor, quando se apercebeu da desvalorização de títulos no mercado financeiro, se ter deslocado às instalações do réu e alertado o funcionário deste, aconselhando a venda dos títulos, tendo-lhe sido dito que não se preocupasse e que fosse para casa descansado, actuação que torna ainda mais evidente a culpa grave do réu.

–Mais acresce que o banco réu responde pelas acções e omissões dos seus funcionários.

–A sentença recorrida incorreu numa interpretação inconstitucional dos artigos 312º e 312º-B do CVM e o artigo 591º do CC, por violação dos artigos 37º (direito à informação) e 62º (direito de propriedade), ambos da CRP.

–A sentença recorrida violou, para além de todas as disposições legais já citadas, os artigos 35º e 62º da CRP, 591º, 762º nº2, 796º, 798º, 799º e 800º do CC, 7º nº1, 289º, 290º, 291º, 295º, 304º nº1, 307º-B, 312º nº2, 312º-B, 314º nºs 1 e 2, 335º nº1ª 5 do CVM, 73º a 78º do RGICSF, 407º do C. Comercial e 8º da Lei 24/96 de 31/7. –Deverá o recurso proceder e ser revogada a sentença recorrida, julgando-se procedente a acção. * O réu ofereceu contra-alegações pugnando pela não admissão da impugnação da matéria de facto e pela improcedência do recurso. * Foi proferido despacho que admitiu o recurso como apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo.

* As questões a decidir são: I)–Impugnação da matéria de facto, valoração de prova arguida nula pelos apelantes e prova da ordem de investimento face à inexistência do seu registo.

II)–Responsabilidade do réu pela restituição da quantia de 750 000,00 euros e respectivos...

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