Acórdão nº 1596/16.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução04 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO · O MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 9.º e segs. da Lei nº 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade), na redação introduzida pela Lei nº 2/2006, de 17 de abril, e artigos 56º e segs. do Decreto-Lei nº 237º-A/2006, de 14 de dezembro, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa contra · IVAN …………………….., cidadão indiano.

Por sentença de 03-02-2017, o referido tribunal veio a prolatar decisão, onde julgou a ação improcedente, sem se referir diretamente ao pedido.

* Inconformado com tal decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1) Atendendo a que a redação dos nºs 1 e 2 do art. 3º da Lei nº 37/8 1. foi mantido pela Lei 2/2006, de 17 de abril, continua o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português. a poder adquirir, em determinadas circunstâncias, a nacionalidade 0ortuguesa.

2) No entanto, enquanto o art. 9°, na redação anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designada mente, a "não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional"; 3) Na redação atual refere-se que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente a "inexistência de ligação efetiva á comunidade nacional".

4) Da leitura e análise dos arts 56° nº 2 e 57°, n.º e 7 do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL nº 237-A/2006, de 14 de dezembro retira-se que deixou o legislador de exigir que o interessado comprove a sua ligação efetiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a "não comprovação" dessa ligação efetiva.

5) Ou seja, na atual lei não se faz menção a essa "não comprovação”, mas tão só à inexistência de ligação à comunidade nacional, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição.

6) É que o interessado passou a ter necessidade de "pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional", crendo-se que será a partir dessa pronúncia que o conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-lo ao Ministério Público para instauração da ação de oposição.

7) Em suma, no que tange à falta de ligação efetiva à comunidade nacional deverá o interessado, que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direto, pronunciar-se sobre a existência daquela ligação.

8) Mas, constatando-se, face à. explicações apresentadas com vista à alegada ligação à comunidade nocional. que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir por essa ligação, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição.

9) De resto. o artigo 9, al. a) da Lei da Nacionalidade estabelece um fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade, sendo que, a ação destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa deve ser qualificada como uma ação de simples apreciação negativa: art. 10, nº 3, al. a) do NCPC.

10) Esta ação destinada à demonstração da inexistência da ligação à comunidade nacional é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa.

11) Na instrução deste procedimento administrativo exige-se que o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, "pronúncia" sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional, não podendo indiciar a falta dessa ligação, sob pena de recair sobre o Conservador dos Registos Centrais o dever de participar tal facto ao Ministério Público e sobre este o dever de intentar ação de oposição à aquisição de nacionalidade (n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 57º do Regulamento da Nacionalidade).

12) Face à matéria factual e documental carreada aos autos, o tribunal a quo errou na análise que realizou dos factos que se mostram provados, na consideração de que " O Requerido tem ligação à comunidade portuguesa, pelos laços familiares suficientemente duradouros resultantes do casamento. O EMMP não requereu a produção de prova qualquer facto impeditivo da ligação efetiva a Portugal. Considera-se, pois, que não se mostra provado o fundamento de oposição deduzida.

13) Pois não é suficiente para instruir e deferir o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, a vontade manifestada pelo Requerido, por ter celebrado casamento com cidadã portuguesa, já que o "casamento”, sendo um dos pressupostos legais, não tem por efeito " automático" a pretendida aquisição da nacionalidade portuguesa.

14) E da matéria factual apurada resulta apenas que o R. nasceu na Índia, reside no Qatar, sendo casado com uma cidadã de nacionalidade portuguesa desde 1997.

15) Ou seja, os factos provados não evidenciam a existência de persistentes elos que possam corporizar um sentimento de pertença perene à comunidade nacional, de modo a poder afirmar-se que o R. é psicológica e sociologicamente português, nada demonstrando que o seu trajeto de vida tenha abrangido, de forma relevante, a realidade portuguesa, uma vez que nunca residiu ou sequer trabalhou em Portugal.

16) Sendo claro e objetivo, ante tais factos, que não existe qualquer integração ou ligação efetiva, C" 1 material e continuada, deste cidadão estrangeiro à comunidade nacional portuguesa, sendo manifesta a omissão de prova, pelo Requerido, e de que não comprovou, de modo suficiente e convincente, ter preenchido o requisito da inserção na comunidade nacional.

17) Pelo que, face à matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal a quo, considerar que o R. não tinha ligação efetiva à comunidade portuguesa e, em consequência, declarar procedente a ação.

18) Ao não o fazer, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts 9, al. a) da Lei da Nacionalidade, 56° nº 2, al a), 57°, nº 1, ambos do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL nº 237-A/2006.

19) Pelo que a sentença recorrida, deve ser revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente ação.

* O réu recorrido contra-alegou, concluindo assim: 1) Não podendo o recorrente afrontar diretamente a Lei e o Acórdão de uniformização de jurisprudência nº 3/2016 sobre o ónus da prova da ligação efetiva à comunidade nacional, sustentou que cabia ao interessado demonstrar no processo administrativo a existência de ligação efetiva à comunidade nacional. A referida tese não tem o menor cabimento legal, nem tampouco doutrinário.

2) Tendo o legislador de 2006 eliminado expressamente os requisitos da prova da ligação efetiva à comunidade através de prova documental e por depoimento do interessado, é forçoso concluir que tal deixou de ser obrigatório.

3) Assim, ao contrário do que sustentou o recorrente, após a reforma de 2006, o interessado não passou a ter de fazer prova da ligação efetiva à comunidade nacional perante o conservador do registo civil.

4) Na verdade, a reforma de 2006 veio precisamente eliminar tal ónus e requisitos até então a cargo do interessado, transferindo-os para o Ministério Público.

5) Ao contrário do que sustentou o Ministério Público, é pacífico na jurisprudência que a oposição à...

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