Acórdão nº 194/15.0BEALM-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCH
Data da Resolução16 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório 1. O Ministério Público, em representação do Estado Português (Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional do despacho da Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, no âmbito da acção administrativa comum proposta contra o Estado Português por S................ Unipessoal, Lda. (Recorrida), admitiu, ao abrigo do disposto no art. 526.º, n.º 1, do CPC, a inquirição de seis testemunhas requerida pela Autora em sede de audiência de julgamento.

2.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: 1) A prova testemunhal deve ser apresentada no final da petição inicial, podendo o rol de testemunhas ser aditado ou alterado na audiência prévia ou até 20 dias antes da data da realização da audiência de julgamento (artigos 522, n.º 2, e 598.º, n.º 2, ambos do CPC, aplicável por força do disposto nos artigos 1.º a 42.º do CPTA, na versão da Lei n.º 15/2002, de 22.02).

2) Após o decurso desse prazo, as partes podem substituir as testemunhas em consequência do seu não comparecimento, nos termos previstos no artigo 508° do CPC.

3) Ultrapassados os prazos para a apresentação do rol de testemunhas, a parte perde o direito de praticar esse acto (artigo 1 39°, n° 3 do CPC).

4) Notificada do despacho saneador e para, querendo, apresentar/alterar o requerimento probatório, a Autora nenhuma outra prova requereu para além de juntar os documentos que já tinha protestado juntar na petição inicial, pelo que, passado esse momento, já não lhe é permitido apresentar qualquer outro requerimento probatório.

5) Na sequência da realização da audiência de julgamento, a Autora veio requerer que o Tribunal diligenciasse pela inquirição de seis testemunhas, que não tinha arrolado no momento processualmente próprio, sem que, para o efeito, tenha apresentado qualquer justificação, sendo certo que sempre teve possibilidade de as identificar a todas, caso assim o tivesse querido fazer.

6) O Réu pronunciou-se no sentido do indeferimento da inquirição por iniciativa do Tribunal por inexistência de fundamento legal.

7) A fundamentação do despacho judicial que admitiu a inquirição dessas testemunhas apenas refere que “quanto à audição das testemunhas ora requerida, cuja identificação foi efectuada na sequência de despacho proferido para o efeito, há que deferir a sua audição”, seguido da transcrição dos artigos 526° e 607° do CPC.

8) O “despacho proferido para o efeito” é o despacho proferido na audiência de julgamento, cuja transcrição consta do despacho ora impugnado, sendo certo que nele apenas se mostra justificada a utilidade e necessidade da junção aos autos do Auto de Notícia do inquérito com o NUIPC 107/12.IPCSTB e do Termo de Entrega do veículo.

9) A decisão de inquirição oficiosa de testemunhas pelo Tribunal deve ser devidamente justificada e fundamentada com indicação da utilidade e necessidade da realização das diligência e menção dos factos que se pretende ver esclarecidos e que provavelmente as testemunhas a inquirir terão conhecimento, por tal decorrer de outros meios probatórios já carreados para os autos.

10) No douto despacho ora impugnado não consta qualquer fundamentação que permita concluir pela necessidade e utilidade potencial da inquirição de cada uma das testemunhas requerida pela Autora.

11) Pelo que o douto despacho impugnado não se mostra devidamente fundamentado, conforme impõe as disposições conjugadas dos artigos 154°, 613°, n° 3 e 615°, n° 1, al. b) e n° 4), todos do CPC.

12) A previsão contida no artigo 526° do C.P.C. configura uma manifestação do princípio do inquisitório previsto no artigo 411° do CPC e impõe ao juiz o poder- dever de ordenar a notificação oficiosa de pessoas, não oferecidas como testemunhas, quando se mostre relevante para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.

13) O princípio do inquisitório e a possibilidade conferida pelo artigo 526°do CPC não afastam a responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem os meios de prova nos momentos processualmente previstos.

14) O poder conferido ao juiz pelo artigo 526° do CPC não é um poder discricionário, uma vez que só poderá fazer uso mesmo quando tal se justifique, sendo certo que um uso injustificado desse poder pode subverter as regras da produção da prova testemunhal.

15) Com efeito, a disposição conjugada das normas que fixam prazos e fases para a apresentação da prova e que estabelecem preclusões se ultrapassados esses prazos aponta para um uso prudente dos poderes oficiosos atribuídos ao juiz pelo artigo 526°, n° 1 do CPC.

16) O juiz não se encontra obrigado a proceder à inquirição oficiosa de testemunhas apenas porque a parte, que não as apresentou tempestivamente, o vem requerer e alegar que será necessário para o apuramento da verdade material.

17) A não ser assim, perdia todo o sentido a obrigação de apresentação da prova em momentos processuais determinados, pois a parte poderia sempre invocar os poderes conferidos ao juiz pelo artigo 526°, n° 1 do CPC, sendo certo que as partes não podem encontrar nesses poderes atribuídos uma escapatória para a sua actuação descuidada em sede de iniciativa probatória.

18) O uso dos poderes conferidos pelo artigo 526° do CPC está dependente da necessidade da realização da diligência para o apuramento da verdade material e para a boa decisão da causa.

19) Na presente acção, o Auto de Notícia junto aos autos por determinação do Tribunal e de onde consta a identificação de duas das testemunhas podia, e devia, ter sido apresentado pela Autora logo com a petição inicial (como, aliás, fez com os doc. 1 e doc. 2 juntos com essa peça processual), pois não se tratava de algo desconhecido para si, já que a Autora é a ofendida nesse inquérito criminal.

20) Desde ainda antes da propositura da presente acção administrativa que a Autora tem conhecimento da existência do Auto de No1icia que deu origem ao inquérito n° 107/12.1PCSTB, no qual intervém a qualidade de ofendida, bem como que a viatura utilizada para a prática do crime de furto fora entregue ao respectivo proprietário.

21) A Autora podia, como lhe competia, ter indicado tempestivamente como testemunhas os agentes identificados nesse Auto de Notícia e no Termo de Entrega do veículo, caso assim o tivesse entendido, assim como podia, e devia, ter desde logo diligenciado pela identificação das restantes testemunhas cuja inquirição veio requerer.

22) Caso entendesse pertinente a indicação como testemunhas dos agentes da PSP intervenientes, deveria, desde logo, ter diligenciado nesse sentido.

23) Não o tendo feito, não pode agora a Autora pretender que seja o Tribunal a suprir as eventuais deficiências da prova que apresentou. Com efeito, não pode a Autora, depois de produzida toda a prova que indicou, e apenas porque entende que com a mesma não logrou atingir os resultados que pretendia, vir alegar que a inquirição daquelas testemunhas será necessário para um correcto apuramento da verdade material, sendo certo que não invocou qualquer motivo pelo qual não as ofereceu no momento processualmente oportuno.

24) Sendo actualmente manifesta a opção do legislador no sentido da prevalência do fundo sobre a forma, isso não significa, no entanto, o desrespeito de todas e quaisquer exigências de ordem formal.

25) A inquirição por iniciativa do Tribunal é meramente complementar e não pode funcionar como forma de suprimento oficioso de omissões e descuidos das partes em sede de indicação cuidada e tempestiva dos meios de prova.

26) Na decisão admissão de inquirição de testemunhas requerida pelas partes, o juiz está subordinado aos requisitos previstos nos artigos...

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