Acórdão nº 2441/15.OBELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelCATARINA JARMELA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

* I - RELATÓRIOR............ SGPS, SA, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo condenação deste no pagamento da quantia de € 40 000 - a título de indemnização por danos não patrimoniais, fundada em responsabilidade civil extracontratual por violação do direito a uma decisão em prazo razoável -, acrescida de juros de mora à taxa legal anual, ora de 4%, desde a data da citação e até efectivo pagamento.

Por sentença proferida em 31 de Março de 2017 pelo referido tribunal foi julgada improcedente a presente acção e, em consequência, absolvido o réu do pedido.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: «1.° R............-SGPS, S.A., ora Recorrente, instaurou uma acção administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, uma quantia não inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.

  1. Na referida acção de condenação, invocou a ora Recorrente, enquanto Autora, a violação, pelo Réu Estado Português, a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.°, n°4, da CRP, e artigo 6° da CEDH).

  2. Por douta sentença proferida em 31 de Março de 2017, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a acção apresentada pela Recorrente, totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o então Réu do pedido, fixou à causa o valor de 40.000,00€ e condenou a Recorrente nas custas.

  3. O Tribunal a quo fundamentou a Sentença recorrida defendendo que "a Autora não alega, portanto, facto algum susceptível de ser reconduzido à classificação categorial de dano", considerando que "para nós, o juízo que conclui pela criação de um dano psicológico e moral comum na esfera de todos aqueles que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo é um juízo de experiência, chave do funcionamento de uma presunção judicial, a qual, ainda que baseada no senso comum, não se confunde com o instituto do facto notório", e, ainda, que "(...) a Autora não cumpriu o ónus, que era seu, de alegar factos susceptíveis de ser qualificados como dano; o ónus de substanciação da causa de pedir, o que importa a procedência do seu pedido".

  4. Desta decisão interpõe a ora Recorrente o presente Recurso, circunscrito à matéria de Direito.

  5. O instituto da responsabilidade civil extracontratual pressupõe a existência de um facto ilícito, de um dano, da verificação do nexo de causalidade entre aquele facto e o dano, e da culpa do agente (artigo 483°, n°1, CC, e Lei n°67/2007, de 31 de Dezembro), contudo, o douto Tribunal a quo, sem sequer se debruçar sobre a existência de um facto ilícito, invoca, desde logo, a suposta não alegação da existência de danos, por parte da ora Recorrente, então Autora, encerrando, assim, o litígio.

  6. Sucede que a verificação de danos decorrentes da violação do direito fundamental à decisão judicial num prazo razoável depende intrinsecamente da existência de tal violação.

  7. Decidiu o douto Tribunal a quo em clara contradição com o entendimento do STA, de acordo com o qual "a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, constitui, sem dúvida, violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva, nos termos dos já citados artº 20, nº 4 da CRP e artº 6, nº 1 da CEDH, mas, em primeiro lugar há que demonstrar essa violação e, portanto, o facto ilícito e culposo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado aqui em causa, o que incumbe aos AA, nos termos do art°487°, n°1 do CC. Só depois de objectivamente provada essa violação, é que funciona a presunção natural ou judicial de dano moral, de que dessa violação resulta um dano moral para o interessado naquela decisão judicial, presunção que, todavia, pode ser ilidida por mera contra- prova" (Ac. STA de 9 de Outubro de 2008, disponível em www.dgsi.pt).

  8. Termos em que, conclui a Recorrente, o Tribunal a quo deveria, necessariamente, ter aferido da existência de um facto ilícito, antes de analisar os danos enquanto pressuposto da responsabilidade civil.

  9. Verificando-se, no caso sub judice, uma verdadeira omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo, que desde já se invoca, e que determina a nulidade da douta Sentença recorrida, nos termos do artigo 615°, n°1, al. d), CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.

  10. Por outro lado, a jurisprudência do TEDH admite uma verdadeira presunção de dano não patrimonial a favor do administrado que decorre de uma justiça morosa, considerando que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar, sendo tal dano uma "consequência normal da violação do direito a uma decisão em prazo razoável”.

  11. A Recorrente, enquanto Autora, pediu, precisamente, que o Recorrido, então Réu, fosse condenado a indemnizá-la por aquele dano geral, conforme resulta expressamente dos artigos 52° e 53° da Petição Inicial, não sendo, por isso, verdadeira a afirmação do Tribunal a quo segundo a qual a Recorrente, enquanto Autora, não alegou danos não patrimoniais.

  12. Ainda que assim não fosse, contrariamente à posição assumida na Sentença recorrida, os danos decorrentes da violação do direito fundamental a uma decisão judicial em prazo razoável devem ser considerados como um facto notório, o que dispensa o ónus de alegação, conforme decorre da jurisprudência nacional e do TEDH.

  13. Estando em causa a violação de um direito fundamental constitucionalmente consagrado e internacionalmente reconhecido, a mera violação daquele deve ser entendida como um dano per si.

  14. Sem prejuízo, importa chamar, ainda, à colação o disposto no artigo 350°, n°1, do Código Civil (adiante abreviadamente "CC"), nos termos do qual: "quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz", sendo que, na medida em que "o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem" (cfr. artigo 22° da CRP), conclui, a Recorrente, que a lei presume que acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício geram sempre e necessariamente responsabilidade civil, e, por isso, um dano.

  15. Não obstante, a sentença recorrida não conhece da verificação do dano não patrimonial transversal a todas as pessoas (singulares ou colectivas) que vêem violado o seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20°, n°4, e artigo 22°, ambos da CRP).

  16. Mais vem o Tribunal a quo defender, que os danos não patrimoniais imputáveis a uma pessoa colectiva estarão relacionados com a reputação da empresa, a incerteza no planeamento da decisão, a perturbação na gestão da empresa e o inconveniente causado aos membros das equipas de gestão, e que, em suma, tais danos devem ser alegados e provados.

  17. Não assiste, contudo, e salvo o devido respeito, razão ao Tribunal a quo nesta matéria, na medida em que, de acordo com o princípio da universalidade, "as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza", nos termos do artigo 12°, n°2, da CRP, sendo que, nos termos do artigo 18°, n°1 da CRP, "os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas".

    Daqui resulta que o direito a uma decisão judicial em prazo razoável é um direito que assiste, não só às pessoas singulares, como também às pessoas colectivas (públicas ou privadas).

  18. Assim, entende a Recorrente, na senda da doutrina e jurisprudência nacionais e do TEDH, também o dano não patrimonial específico decorrente da violação do direito fundamental em apreço pode ser imputado a pessoas singulares ou colectivas.

  19. Termos em que, entende a Recorrente, a sentença recorrida viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 12°, n°2, e 18°, n°1, ambos da CRP.

    Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento do Venerando Tribunal ad quem, Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, a douta sentença recorrida ser revogada e a acção ser julgada totalmente procedente, com o que se fará JUSTIÇA» O Ministério Público - em representação do Estado Português -, notificado, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

    Em 3.7.2017 foi proferido pelo TAC de Lisboa despacho de sustentação da sentença recorrida.

    II - FUNDAMENTAÇÃO Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos: «1.

    No dia 7 de maio de 2007, foi distribuído, sob o número de processo 13504/07.5YYLSB, na 2ª Secção do 1° Juízo de Execução de Lisboa, requerimento executivo apresentado pela aqui Autora contra a sociedade D……….-Entreposto…………, Lda.

    [artigo (s) 1 da p.i. e 12 da contestação].

    1. O referido requerimento executivo foi formulado com fundamento em sentença condenatória [artigo(s) 1 da p.i. e 12 da contestação].

    2. No referido requerimento a Autora pede a cobrança da quantia global de 78.605,08€ [artigo(s) 1 da p.i. e 12 da contestação], 4.

      No dia 22 de Maio de 2007, foi aceite por solicitador de execução a nomeação como Agente de Execução no processo 13504/07.5YYLSB [artigo(s) 2 da p.i. e 12 da contestação].

    3. No dia 5 de Junho de 2007, o Agente de Execução realizou a consulta do Registo Informático de Execuções [artigo(s) 3 da p.i. e 12 da contestação].

    4. Por notificação de 6 de Junho...

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