Acórdão nº 11324/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 03 de Novembro de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I- RELATÓRIO O Ministério Público intentou no TAF de Loulé, em defesa da legalidade do urbanismo e ordenamento do território (artigos 51º do ETAF e 9º, nº2, 46º, nº1, 50º, nº1 e 51º, nº1 do CPTA), acção administrativa especial contra o Município de Silves, pedindo a declaração de nulidade dos despachos da Srª Presidente da C.M. de Silves de 13.02.2002, que deferiu o pedido de licença de construção, de17.11.2009, que deferiu o pedido de licença de obras de alteração do projecto inicialmente licenciado e de 01.02.2010, que deferiu o pedido de licença de utilização da moradia entretanto construída e identificada no artigo 1º da petição inicial.
Indicou como contra-interessada Jacqueline ……………, residente em Albufeira.
Por sentença de 30.11.2012, a Mmª Juiz do TAF de Loulé julgou a acção improcedente.
Recorre o Ministério Público, enunciando nas suas alegações as conclusões seguintes: “1. O projeto de licenciamento, inicialmente descrito, a que se refere os presentes autos, fica situado num terreno rústico, classificado como espaço agrícola, segundo PDM.
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Quer o PDM, quer o PROT Algarve, proíbem quaisquer obras em zona de espaço agrícola, salvo casos excecionais, verificados os respetivos pressupostos.
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O licenciamento das referidas obras, foram justificadas porque o requerente inicial, JOAQUIM ………, alegou que “coabita com familiares numa habitação sita no Foral sem que a mesma reúna condições de habitabilidade pretende construir habitação condigna para o seu agregado familiar” (cf doc. 11 apresentado com a petição)”.
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Foi sobre este requerimento (de natureza puramente pessoal e familiar), que a Sra Presidente da Câmara, por deliberação de 10 de outubro de 2001 decidir aprovar o projeto de arquitetura “tendo em conta a exposição apresentada pelo requerente”.
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A 29 de agosto de 2005, porém, o requerente JOAQUIM .................. e sua mulher, venderam o prédio a que se refere o licenciamento a JACQUELINE ……………., que não é sua família.
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- Todavia, o requerente (JOAQUIM ..................) omitiu este facto, e continuou a apresentar-se e a fazer requerimentos, como se o prédio e projeto continuasse em seu nome . Inclusive, o mesmo a 17 de março de 2009, apresenta novo projeto de alteração ao projeto de arquitetura, em seu nome, para legalização das alterações que introduziu.
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- A 28 agosto 2009 a Sra presidente concede licença de construção, sempre em nome do referido JOAQUIM .................., apesar deste já não era dono há muito tempo (doc. 2 com pi).
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- A 27 janeiro de 2010 o mesmo requerente JOAQUIM .................. requer a licença de utilização da moradia, como se fosse sua (doc 16), que lhe é concedida por despacho de 1 de fevereiro de 2010 (doc 3 com a pi).
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- O referido licenciamento apresenta, assim, uma dupla nulidade: - Por um lado, o licenciamento foi autorizado e deferido em puro motivo de ordem pessoal e subjetivo, sem qualquer conexão com a realidade objetiva; - Por outro lado, o processo, desde 2005, esteve, sempre, baseado em requerimento falsos, uma vez que o requerente não era o proprietário, e sempre se apresentou como se o fosse (o que constitui clara violação do principio da boa fé – art 6º A CPA, e são nulos os atos que falte um requisito essencial, como a legitimidade – art. 133º 1 e 2 c) CPA).
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- A transmissão da propriedade fez-se com o contrato de venda. O Registo Predial não é transmissivo da titularidade, apenas releva para efeitos de publicitação perante terceiros.
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- A titularidade, neste caso, era requisito essencial para a concessão da licença, já que o fundamento para atribuir o licenciamento foi subjetivo (de que necessita habitação por viver em situação inabitáveis).
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Trata-se, a nosso ver, uma clara violação da letra e espírito da lei, que permite, apenas, a título excecional, que se possa construir, existindo “razões ponderosas” (a venda comprova que as razões subjetivas não correspondiam à realidade).
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A apresentação de requerimentos que não correspondem à realidade (falsos) viola claramente o princípio da boa fé (art 6º A CPA), entre os particulares e a Administração.
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Faltava neste caso a legitimidade, requisito essencial, sendo nulos os atos que falte um requisito essencial – art. 133º 1 CPA) 15. Por este motivo, tais licenciamentos e despachos impugnados violaram, de modo claro e direto, as disposições relativas aos pontos 17º nº 1 e 2 e 30º nº 2 PDM de Silves e o art. 26º 2 do PROT-ALGARVE.
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No relatório PROT Algarve, é expressamente mencionado que “o Algarve é considerado, a nível nacional, como uma zona com grande risco de degradação irreversível do solo” (ver, neste sentido, Anexo D, PROTAL ALGARVE, já citado).
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Nesse relatório, podemos ver que o Concelho de Silves, representa, suscetibilidade de desertificação com mais de 60% segundo o PANCD (Programa de Ação Nacional ao Combate à Desertificação).
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E entre esses riscos, é indicada, com o primeiro fator, a “ocupação excessiva do solo” e a “pressão urbanística” (mesmo ponto 7.1 anexo D, PROTAL).
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Por esse motivo, nos termos do PROT Algarve, determinava que as razões ponderosas, que excecionalmente admite construção, dizem respeito à organização de explorações agrícolas (cf, art. 26º 2 do Dec Reg 11/91).
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Todavia, no caso concreto, o Município baseou-se em motivos exclusivamente subjetivos, relacionados com a pessoa ou familiares do interessado.
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Por este motivo, tais licenciamentos e despachos violaram, de modo claro e direto, as disposições relativas aos pontos 17º nº 1 e 2 e 30º nº 2 PDM de Silves e o art. 26º 2 do PROT-ALGARVE, conj com o art. 68º a) DL 555/99.
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Além do mais, como acima dissemos, esse pressupostos subjetivo s até são falsos, porque o requerente tinha vendido e sempre se apresentou como sendo o verdadeiro proprietário.
Por tudo o acima exposto, o douto acórdão recorrido, violou o art. 17º nº 1 e 2 e 30º nº 2 PDM de Silves e o art. 26º 1 e 2 do PROT-Algarve. Além da violação do principio da boa fé, e 6º A CPA (violação da boa fé, por falta de requisito essencial, sendo nulo nos termos do art. 133º 1 e 2 c) CPA), deverá o acórdão ser anulado e substituída por outra que declare a nulidade, dos despachos de 13de fevereiro de 2002, 17 novembro 2009 e 1 fevereiro 2010, da Sra Presidente da Câmara Municipal de Silves que deferiram o licenciamento de uma moradia, situada num terreno rústico (identificada na ação), classificado como espaço agrícola, segundo PDM.
Contudo V. Excelências farão a costumada Justiça.” O Município de Silves contra-alegou, concluindo do modo que se segue: 1 .ª O prédio destes autos encontra-se situado em zona classificada como “espaço agrícola não prioritário”.
2 .ª Por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, podem ser autorizadas edificações isoladas em solos classificados nas cartas de ordenamento e condicionantes do PDM de Silves como espaços agrícolas.
3 .ª O interessado alegou e demonstrou nomeadamente não possuir habitação própria; não ter prédios rústicos ou urbanos inscritos em seu nome no concelho de Silves; coabitar com familiares numa habitação sem condições de habitabilidade para o agregado familiar; que o seu agregado familiar é composto por si, pela sua mulher que se encontrava grávida e por uma filha menor; desempenhar funções num lar de terceira idade no concelho de Silves; que a sua mulher se encontrava desempregada (vide matéria de facto constante da sentença confirmada pelo acórdão recorrido).
4 .ª Ora, o legislador, ao ter optado pelo conceito razões ponderosas, não quis restringir tal conceito ao uso e trabalho agrícola ou com ele relacionado.
5 .ª Caso o legislador tivesse a intenção de restringir o referido conceito ao uso e trabalho agrícola ou com ele relacionado não teria utilizado a locução “designadamente”.
6 .ª A referida locução demonstra claramente que a referência a organização das explorações agrícolas é um exemplo utilizado pelo legislador que poderá ser empregue no conceito “razões ponderosas”.
7 .ª O legislador não teve a intenção de excluir razões de outra natureza, designadamente as de carácter pessoal ou subjectivo, bem pelo contrário.
8 .ª O legislador optou, neste caso, por utilizar um conceito vago e indeterminado.
9 .ª Cabe à Entidade Administrativa, no exercício de poderes discricionários, definir os pressupostos de facto que se devem subsumir ao referido conceito de razões ponderosas.
10 .ª Cabe também à Entidade Administrativa ajuizar da verificação (ou não) da existência dos pressupostos de facto em cada caso concreto.
11 .ª A Câmara Municipal de Silves desconhecia, sem culpa, a transmissão do direito de propriedade do prédio destes autos.
12 .ª A Câmara Municipal de Silves agiu de boa fé em todo o procedimento.
13 .ª Em 10/10/2001, a Câmara Municipal de Silves deliberou aprovar o projecto de arquitectura e, em 13/02/2002, a Presidente da Câmara Municipal deferiu a emissão da licença de construção da moradia destes autos.
14 .ª O casal, constituído por Joaquim ……................ e sua mulher, Aldina ……………., era o proprietário do prédio destes autos, por isso, face aos princípios constitucionais vigentes, designadamente do direito a uma habitação condigna, da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa fé, consagrados, respectivamente, nos artigos 65.º, 67.º e 266.º, da Constituição da República Portuguesa, a Câmara Municipal de Silves não poderia ter tomado outra decisão que não a de conceder ao requerente Joaquim da .................. a licença para a construção da moradia unifamiliar destes 15 .ª Os actos administrativos impugnados são legais, não padecendo das nulidades que lhes são assacadas pelo Recorrente.
16 .ª A douta sentença, a cuja fundamentação de facto e de Direito o ora Recorrido expressamente adere, sentença esta confirmada pelo acórdão recorrido, decidiu bem a presente causa, motivo pelo qual se deve manter na íntegra, rejeitando-se o...
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