Acórdão nº 12797/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | PEDRO MARCH |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A T…….- televisão ……………, s.a.
instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra providência cautelar contra a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, com vista a obter a suspensão de eficácia da deliberação 127/2015 tomada pelo Conselho Regulador da ERC, em 01.07.2015 bem como da Decisão Individualizada 2/2015 determinada na sequência da referida deliberação.
A Entidade Requerida apresentou oposição defendendo por excepção e por impugnação. Por excepção invocou a impugnabilidade dos pontos 3 e 8 da deliberação suspendenda, já que a abertura do processo contra-ordenacional não é um acto dotado de lesividade nem o envio da deliberação à Entidade Reguladora de Saúde produz qualquer feito na esfera jurídica da requerente, e a incompetência da jurisdição administrativa para apreciar o acto que determinou a abertura do processo contra-ordenacional pugnando, no mais, pelo indeferimento da pretensão cautelar O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a excepção da impugnabilidade invocada pela Entidade Requerida e procedente o pedido cautelar requerido.
Inconformada com o assim decidido, apela a ora Recorrente, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (sintetizadas após convite): A - A sentença recorrida padece de omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n°l do artigo 615° do CPC, aplicável ex vi do artigo 1° do CPTA, ao não apreciar a exceção de incompetência absoluta deduzida nos artigos 26° a 30° da Oposição deduzida (a qual, aliás, é de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado e sempre poderia ser deduzida, apenas, no presente recurso); B - Um ato que determina a abertura de um processo contraordenacional não é suscetível de ser impugnado (ou objeto de pedido de suspensão de eficácia) junto dos tribunais administrativos e fiscais, nos termos conjugados do artigo 4° do ETAF, artigos 55° e 61.° do Decreto-Lei n°433/82, de 27 de Outubro e com a Lei de Organização do Sistema Judiciário, reservando a competência para o conhecimento de tal matéria aos tribunais comuns (vide, acórdão do TCANorte proferido em 20-01-2011, no âmbito d processo n 02160/10.3BEPRT); C - O tribunal a quo comete um grave equívoco, consubstanciado em erro de julgamento, ao concluir que se a deliberação for ilegal, não haverá fundamento para determinar a abertura de qualquer processo contraordenacional; D - Os vícios que, eventualmente, afetem o teor de um ato administrativo nada têm que ver com a validade ou eficácia do ato que determina a abertura do processo contra-ordenacional (pense-se, por exemplo, na preterição de audiência prévia); E - Pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da exceção de incompetência absoluta e a absolvição da Recorrida da instância nesta parte; F - Mas mesmo que fosse impugnável junto dos tribunais administrativos e fiscais, a verdade é que o ato que determina a abertura de um processo contraordenacional não tem eficácia externa.
G - De tal ato decorre, unicamente, a obrigação de se efetuar uma instrução, nos termos do artigo 54° do Decreto-Lei n°433/82, de 27 de Outubro, e não uma coima (ou sequer uma acusação), podendo redundar num arquivamento; H - Termos em que o ato que determina a abertura de um processo contraordenacional, para além de não poder ser conhecido pela jurisdição administrativa e fiscal, também padece de falta de eficácia externa; I - Pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que não padeça deste erro de aplicação do direito; J - O ato que determina o envio da deliberação à Entidade Reguladora da Saúde também não é judicialmente impugnável porquanto não apresenta qualquer lesividade; L - A Entidade Reguladora da Saúde não tem competências que lhe permitam sancionar a Recorrida pelos factos aqui em apreço, mas apenas a clínica "……………..", que não é parte dos presentes autos nem sequer impugnou o teor da deliberação em causa; M - Termos em que, por não ser dotado de qualquer lesividade, deveria o tribunal a quo haver concluído no sentido da inimpugnabilidade do ponto 8 da deliberação e, em consequência, haver determinado a absolvição parcial da Recorrente da Instância.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exa., Venerando Senhor Juiz Desembargador Relator, mui doutamente suprirá, deve ser dado como integralmente cumprido o ordenado pelo despacho de fls. dos autos, consequentemente se conhecendo e decidindo o recurso jurisdicional apresentado.
Com todas as consequências legais.
A Recorrida, T……….- televisão …………e, s.a.., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto e pela manutenção da decisão recorrida, nos termos do seguinte quadro conclusivo:
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A ERC apresenta recurso da Sentença do TAF de Sintra de 18 de setembro de 2015 quanto à parte que decidiu julgar improcedentes as exceções que arguiu na sua oposição, e que suspendeu os pontos 3, 4 e 8 da deliberação em crise, paralisando os efeitos da determinação de abertura de processos contraordenacionais e do envio da deliberação à Entidade Reguladora da Saúde.
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Recorrendo a ERC apenas na parte que respeita ao julgamento feito das suas exceções, a Sentença transita em julgado relativamente à procedência do pedido de suspensão dos pontos 1 2, 5 e 6.
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A Recorrente enuncia dois vícios: omissão de pronúncia quanto à exceção de incompetência dos tribunais administrativos e o não reconhecimento do caráter não lesivo, por não terem eficácia externa, das decisões contidas nos pontos 3, 4 e 8 da deliberação suspendenda - no entanto, nenhum deles se verifica.
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Relativamente à matéria da omissão de pronúncia, é eloquente o despacho do tribunal a quo de 21 de outubro de 2015, que responde de forma cabal ao pretenso vício deduzido pela Recorrente e que aqui se dá por reproduzido.
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O tribunal seguiu o esquema de análise usado pela ERC na oposição, onde na secção II- Do meio Processual utilizado, do pedido formulado e das suas consequências, aprecia os pontos 3. 4 (e também 8) da deliberação suspendenda, quando determinam a abertura de um processo contraordenacional contra a TVI.
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Não fosse este motivo, a ERC não teria deliberado, como consequência, a abertura de processo contraordenacional por inobservância do disposto na 1ª parte do n°4 do artigo 27° da Lei da Televisão e por inobservância do disposto no artigo 41°-A do mesmo diploma legal.
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O que significa que o pedido de suspensão de eficácia da deliberação de l.7.2015 visa pôr em causa a leitura que a ERC fez das transmissões do programa «Você na TV», nos dias 12, 13 e 15.3.2015, logo, sendo a deliberação ilegal, não há fundamento pára existirem os processos de contraordenação.
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Pelo que compete ao tribunal conhecer da deliberação suspendenda, mesmo na parte em que determina a abertura de processo contraordenacional.
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A deliberação em causa não pode ser desagregada em vários atos administrativos independentes entre si: todos os pontos da conclusão da deliberação dependem uns dos outros, pelo que a anulação de um tem que anular os efeitos dos restantes.
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Não se trata aqui de apreciação pelo tribunal administrativo de matéria própria de processo contraordenacional mas somente de retirar todos os efeitos que resultam da sentença: a suspensão de efeitos dos pontos 1 e 2 acarreta de forma automática a suspensão dos pontos 3. 4 e 8, sem que o tribunal tenha que se pronunciar sobre questões que competiriam aos tribunais judiciais.
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Ainda que assim não fosse, a verdade é que não existe a incompetência dos tribunais administrativos para a apreciação de um ato desta natureza, pois o ato de abertura de um processo contraordenacional praticado por um órgão administrativo no exercício da sua função administrativa corresponde a um ato administrativo, sendo um ato jurídico que é fonte de uma relação jurídico-administrativa entre a Administração e um particular.
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No caso do artigo 55° do regime que instituí o ilícito de mera ordenação social ("Recurso das medidas das autoridades administrativas"), estabelece-se que: "1 - As decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo são susceptíveis de impugnação judicial por parte do arguido ou da pessoa contra as quais se dirigem. (...) 3 - E competente para decidir cio recurso o tribunal previsto no artigo 61.º que decidirá em última instância".
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Ora, O elemento literal não deixa margem para equívocos: apesar de estarmos perante atos praticados por autoridades administrativas, o legislador determinou a título excecional, que apenas “as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo" são impugnadas nos tribunais judiciais.
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A Recorrida apresentou requerimento inicial tendente à suspensão de eficácia de um ato que em momento algum ou em alguma parte do seu conteúdo constitui medida ou despacho proferido durante um processo contraordenacional.
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Por outro lado, a ERC alega no seu recurso, que os pontos 3, 4 e 8 da Deliberação, ao contrário do que foi entendimento da sentença recorrida, não têm qualquer eficácia externa.
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Também neste aspeto o recurso não pode deixar de ser julgado improcedente, dado que o legislador dispõe expressamente no artigo 51°, n° l, do CPTA, que "(...) são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos".
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Com efeito, partir da entrada em vigor do CPTA, não só a definitividade, mas também a lesividade do ato, deixaram de constituir atributo da sua impugnabilidade.
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Um ato administrativo é suscetível de ser impugnado contenciosamente caso possa afetar a ordem jurídica exterior, em especial no âmbito das relações entre a Administração e os particulares, inclusive quanto...
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