Acórdão nº 05059/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade comercial «B. – C. DE C., LDA.», contra a liquidação adicional de IRC, derrama e Juros Compensatórios, do exercício de 2000, no montante global de € 1.001.274,49, dela recorre para este Tribunal pedindo a sua revogação “com as consequências legais”.

A recorrente nas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: «I – O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da impugnação deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRC e Juros Compensatórios n.º 2….., relativa ao exercício de 2000, no montante total de €1.001.274,49, correspondendo a €844.311,23 a imposto e derrama e €156.936,26 a Juros Compensatórios.

A sentença recorrida determina em síntese que “A não observância do direito de audição constitui preterição de formalidade legal, conducente à anulação do acto impugnado, por vicio de forma (cfr. art.35º do CPA ex vi art.2º al. c) da LGT)”.

II – O aresto viola assim o dever de fundamentação das decisões proferidas pelos tribunais porque, não discrimina todos os factos probatórios levados aos autos e que implicitamente foram dados como não provados o que, por falta de apreciação crítica dessa prova, a faz padecer de nulidade nos termos legais dos artigos 158º e 659º do CPC, aplicáveis subsidiariamente por via do artigo 2.º do CPPT.

III – Efectivamente, não nos podemos conformar ter-se muito parcamente dado como provado que a impugnante exerceu dentro do prazo fixado pela Administração Fiscal o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório, após todo o nosso relato dos factos subjacentes a essa notificação que, apenas implicitamente foram abordados pela decisão em causa.

IV- E mesmo que assim não se considere decidindo-se pela omissão de contraditório, face aos elementos e argumentos apresentados pela impugnante com base no exercício extemporâneo desse direito, não poderá essa omissão constituir vício invalidante do consequente acto tributário, pois como refere o já citado acórdão do Tribunal Constitucional que nos elucida neste aspecto: “o nº3 [do artigo 60º da lei geral tributária], …dispensa a audição antes da liquidação quando o interessado já tenha sido ouvido no procedimento e não sejam invocados factos novos sobre os quais ele ainda não se tenha pronunciado.

Esta solução restringe ainda mais o direito de audição que aquela alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do CPA, uma vez que ao não dispensar o direito de audiência apenas quando forem invocados, pela administração tributária, factos novos sobre os quais o contribuinte ainda não se tenha pronunciado, dispensa-o quando forem suscitados pela administração tributária novas questões de direito e quando forem realizadas diligências que demonstrem factos novos, que não sejam invocados pela administração tributária, mas que poderiam ser invocados pelo interessado em abono da sua pretensão. (negrito nosso) Com este alcance, parece que este n.º 3 elimina em grande parte a essência do direito de audiência, pois este não pode deixar de consubstanciar-se em possibilidade de pronúncia pelo interessado sobre todas as questões, de facto ou de direito, que possam relevar para a decisão.” V – Mas, ainda que por mera hipótese se considerasse a preterição de formalidade legal, a liquidação apenas estaria parcialmente inquinada e no que respeita à determinação da matéria colectável através de correcções meramente aritméticas, pois o acto de liquidação é um acto divisível tal como tem vindo a ser jurisprudencialmente aceite, entendimento de que é exemplo o referido acórdão do STA, proferido no processo 21/11 de 04/05/2011, também por nós citado.

VI – Deste modo, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no art.60º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão em crise ser revogada, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.» A recorrida contra-alegou, aduzindo com as seguintes conclusões: «

  1. Vem a Recorrente Fazenda Pública pleitear a revogação da sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC e Juros Compensatórios, relativa ao exercício de 2000, anulando o acto tributário de liquidação, por vício de forma do procedimento tributário, por preterição indevida do direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção tributária.

  2. Bem decidiu a douta sentença em recurso, revelando uma correcta valoração da matéria de facto com interesse para a decisão e uma correspondente subsunção da mesma na matéria de direito aplicável, devendo, por conseguinte, ser integralmente mantida na ordem jurídica. Porquanto, C) Falece, na íntegra, razão à Recorrente Fazenda Pública, que nas suas alegações de recurso, para além de vir reforçar o vício de que enferma a liquidação impugnada, demonstra total desrespeito pelos princípios da legalidade, da imparcialidade, da participação e do contraditório, princípios fundamentais do procedimento tributário e estruturantes de um Estado de Direito Democrático.

  3. Sendo o direito de audição prévia, um corolário do direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes respeitem, é o seu exercício prévio e indispensável antes da liquidação, para que seja alcançado o escopo da participação procedimental e tenha o contribuinte a oportunidade de fazer a defesa dos seus interesses e a valoração dos factos tributáveis de acordo com o princípio da verdade material, perante a iminência de uma decisão a ser tomada pela administração tributária que lhe será adversa.

  4. In casu, não cuidou a Administração Fiscal de salvaguardar a letra e ratio das disposições legais e constitucionais consagradoras do direito de participação da Recorrida (artigos 267.º n.º 5 da CRP e 60.º da LGT).

  5. A preterição indevida do direito de audição prévia constitui um vício de forma, por preterição de formalidade legal essencial do procedimento tributário, determinante da invalidade do acto correspondente à decisão final desse mesmo procedimento.

  6. Esta ilegalidade não se sana com a audição em sede de decisão de aplicação de métodos indirectos, conforme pretende a Recorrente Fazenda Pública fazer crer, constituindo vício invalidante da totalidade do acto de liquidação.

  7. Falece, assim, por completo, a razão à Recorrente Fazenda Pública ao argumentar que a Recorrida teve ocasião de exercer o direito de audição prévia, uma vez que o fez relativamente à parte da liquidação com recurso a métodos indirectos. Tal argumentação é falaciosa e manipuladora, pois, não reconhecendo que desconsiderou ilegalmente a audição tempestivamente entregue pelo contribuinte, pretende providenciar um pretenso fundamento que legitime, ainda assim, a liquidação, o que é inaceitável! I) A audição prévia relativa à decisão de aplicação de métodos indirectos tem objectivos específicos, refere-se apenas à verificação dos pressupostos de aplicação daqueles métodos, sendo apreciada pelo Director de Finanças. A Recorrida não foi chamada a pronunciar-se sobre nenhuma correcção técnica nem mesmo sobre qualquer correcção apurada através de métodos indirectos, pelo que não se pronunciou. A Recorrida foi apenas chamada a pronunciar-se sobre se estavam ou não, do seu ponto de vista, e de acordo com os pressupostos definidos por lei, reunidos os requisitos para a Administração Fiscal efectuar correcções através de métodos indirectos. Nos termos da lei, a audição em relação ao projecto de relatório é apreciada pelo Director de Serviços da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária. Evidentemente, uma não se substitui à outra e a falta de uma não pode ser sanada pela outra. São distintas, o seu objecto é distinto, e a entidade que as aprecia é distinta. Não se confundem, nem se excluem ou dispensam.

  8. Um dos pressupostos do recurso a métodos indirectos é o de a Administração Fiscal não ter elementos suficientes na informação trazida pelo contribuinte previamente à tomada de decisão. Ora, o contribuinte, conforme ficou devidamente provado, apresentou em tempo os seus argumentos previamente à tomada de decisão, tendo estes sido desconsiderados. Porém, é de admitir que caso os mesmos tivessem sido tidos em conta se dissipassem os alegados pressupostos para recorrer a métodos indirectos. Tal sequência comprova, à evidência, a importância da consideração da audição prévia do contribuinte antes do relatório final da inspecção, tal como refere o acima citado Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “é duvidoso que haja fundamento seguro para formular tal presunção, pois o conhecimento do projecto de decisão e respectiva fundamentação, contrária à posição defendida pelo interessado em anterior tomada de posição, pode permitir-lhe apresentar nova argumentação em contradição com a da projectada decisão.” K) É obrigatório concluir que é muito provável que caso o direito de audição da Recorrida tivesse sido considerado, a Administração Fiscal, além de não ter prosseguido com as correcções através de métodos directos, poderia ter concluído por não recorrer a métodos indirectos (com base no artigo 80.º do CIVA) e, por conseguinte, nem se colocar a questão de apreciar a justeza do recurso à sua aplicação.

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