Acórdão nº 13325/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO · AFONSO …………….., divorciado, aposentado, NIF ……………, residente na Rua ……………, nº 5, 11º, Lisboa, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra ação administrativa comum de condenação, emergente de responsabilidade civil extracontratual, contra · MUNICIPIO DE ……… e · N………… – Comunicação ………………, Lda.

Pediu o seguinte: - Condenação dos RR a lhe pagarem a quantia de 48.655,50€, acrescida de juros demora à taxa legal anual de 4%, a contar desde a citação e até integral pagamento.

Por decisão de 12-11-2015, o referido tribunal decidiu absolver os réus do pedido.

* Inconformado com tal decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1) A matéria de facto deve ser alterada nos termos supra expostos (1), após reexame da prova gravada e após devida valoração da prova por declarações de parte.

2) Em função da alteração requerida à matéria de facto, existe o dever de os Recorridos indemnizarem o Recorrente, com base no DL n.º 48051, pois verificam-se os quatro pressupostos geradores do dever de indemnizar: O facto ilícito – a produção de lesão muito considerável na saúde do Recorrente; A culpa – violação do dever de cuidado e culpa in vigilando; O prejuízo – danos patrimoniais e não patrimoniais; E o nexo de causalidade – existe nexo entre a pancada que gerou a lesão e todos os danos sofridos.

3) Provado que sejam os factos ora em apreço, é manifesto que os Recorridos, na conceção e execução do espetáculo, bem sabendo que haveria bailarinos a dançar por entre o público, em dois corredores, com adereços nas mãos, não acautelaram que o pudessem fazer sem produzir danos físicos em terceiros.

4) Violaram um dever geral de cuidado previsto no art.º 483.º/CC, e o dever de indemnizar emerge daí, nos termos gerais, e nos termos consagrado no art. 6.º/DL 48051, incorrendo ainda em culpa in vigilando.

5) A violação do dever geral de cuidado foi causa adequada a que, no exercício da coreografia, um dos bailarinos tivesse atingido o Recorrente – os danos, incluindo os da saúde psicológica já foram dados como provados na douta sentença.

6) Todos estes danos, incluindo os não patrimoniais, merecem a tutela do direito nos termos quantificados na p.i. e no pedido.

7) Fere a consciência jurídica de cada um que se possa assistir a um espetáculo, que um bailarino – não um terceiro, como um membro do público por exemplo – atinja com gravidade um espectador e não exista – no demais contexto fáctico dos autos – o dever de indemnizar. Não só fere, como repugna.

8) Normas violadas:

  1. Artigos 483.º, 491.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º, todos do Código Civil.

  2. Artigo 6.º/DL 48051 de 21/NOV/1967; c) Artigo 466.º/CPC.

    * O recorrido município contra-alegou.

    * O M.P., através do seu digno representante junto deste tribunal, foi notificado para o seguinte fim legal: pronunciar-se em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

    * Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

    Para decidir, este tribunal (órgão de que é titular um juiz ou um colégio de juizes que, a requerimento de outrem e através de um procedimento equitativo, imparcial e independente, decide, com força obrigatória para os interessados, os factos integradores dos respetivos direitos e obrigações, aplicando-lhes o direito pertinente) tem omnipresente a nossa Constituição estatal, como síntese da ideia-valor de Direito vigente, cujo modelo político é de natureza ético-humanista e cujo modelo económico é o da economia social de mercado, amparado no Direito.

    Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático - por referência à ação humana e ao dever-ser inspirador das leis -, quais sejam, (i) a dimensão factual social - que influencia muito e continuamente o direito legislado através das janelas de um sistema jurídico uno e real, (ii) a dimensão ética e seus princípios práticos - que influenciam continuamente o direito também através das janelas do sistema jurídico - e, a jusante, (iii) a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos.

    * Cabe, ainda introdutoriamente, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

    * As questões a resolver neste recurso são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS PROVADOS segundo o Tribunal Administrativo de Círculo Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual: 1) O Autor [A], Afonso ……………., reside na Rua …………….., nº 5, 11º, Lisboa.

    2) O Réu, Município de Oeiras, tem sede no Largo Marquês de Pombal, Oeiras.

    3) A Ré, N………-Comunicação …….., Ld.ª [NCI-Ld.ª], tem sede na Rua ……………………, nº 37, Lisboa.

    4) No dia 08/09/2000, o Município de Oeiras organizou um espetáculo intitulado «Os Descobrimentos», nos jardins do Palácio Marquês de Pombal, em Oeiras, cuja produção coube à Ré, N……, Lda.

    5) Este espetáculo era de acesso gratuito ao público.

    6) Este espetáculo foi apresentado e promovido pelo Município de Oeiras – cfr Agenda Cultural da CMO, de setembro/2000 – que o encomendou e adjudicou à Ré, N……-Ld.ª – doc 1, PI.

    7) E que foi exibido no âmbito do plano de atividades culturais da edilidade.

    8) Desse espetáculo, representando a chegada dos portugueses aos vários continentes através de 4 quadros da viajem de uma caravela, configurada pelos bailarinos, constava uma coreografia numa parte dedicada a África – doc fls 69-71 do Processo Inquérito criminal nº 208/00.9PFOER.

    9) O espetáculo foi coreografado e coordenado pelo coreógrafo José …………..

    10) A Ré, N……….-Ld.ª, foi intermediária, para a realização do espetáculo, entre o Município de Oeiras e o coreógrafo José ……….., que, por sua vez, contratara o grupo de bailarinos.

    11) Durante a coreografia do espetáculo, um dos bailarinos africanos manuseava uma espécie de espada ou catana simulada, não metálica e sem lâmina cortante.

    12) A funcionária técnica do Réu, Maria ………….., com vista à realização do espetáculo, visitou, com o coreógrafo, os jardins do Palácio Marquês de Pombal, para adaptar a disposição das cadeiras do público, que eram de plástico, no espaço dos referidos jardins.

    13) O Autor assistiu ao referido espetáculo.

    14) No dia 08/09/2000, durante a realização do espetáculo, o A sofreu uma lesão no olho esquerdo, melhor descrita nos exames periciais e relatórios médicos adiante referidos.

    15) No dia 08/09/2000, pelas 23h16, o Autor deu entrada no serviço de Urgência do Hospital Egas Moniz, pelas 23h16, transportado por funcionária do MO e no próprio automóvel desta -doc 2 PI.

    16) Em 08/09/2000, o A despendeu 4,99€ em consulta de urgência realizada no Hospital Egas Moniz -doc 5 PI.

    17) No dia 09/09/2000, pelas 2h44, o Autor foi admitido no Serviço de Urgência do Hospital de S. Francisco Xavier, tendo tido alta pelas 13h36, tendo despendido 5.750$00 [26,68€] - doc 2 PI.

    18) O Autor foi sendo assistido em momento ulterior por oftalmologistas do Hospital da Ordem Terceira -doc 4 PI.

    19) Em 11/09/2000, o A despendeu 2,99€ em consulta externa realizada no Hospital Egas Moniz -doc 5 PI.

    20) Em 02/10/2000, o A despendeu 2,99€ em consulta externa realizada no Hospital Egas Moniz -doc 5 PI.

    21) Em 09/10/2000, o A despendeu 2,99€ em consulta externa realizada no Hospital Egas Moniz -doc 5 PI.

    22) Em 07/03/2001, o A despendeu 2,99€ em consulta externa realizada no Hospital Egas Moniz -doc 5 PI.

    23) No dia 08/09/2000, no referido serviço de urgência oftalmológica do Hospital Egas Moniz, durante o exame ocular o A sofreu uma “crise vagal”, com perda de sentidos.

    24) No dia 09/09/2000, em consequência da crise vagal, o Autor foi enviado para a urgência oftalmológica do Hospital de São Francisco Xavier, onde deu entrada pelas 2h44m -doc 2 e fls 332/ss do Processo Crime 207/00.9; e doc 3.

    25) No dia 09/09/2000, pelas 6H40m, o A manifestou quadro hipotensivo com sudurese, mas sem sinais de isquémia.

    26) No dia 09/09/2000, pelas 13h40m, o A teve alta hospitalar -doc 2 e 3, PI; fls 332 do Processo Crime 207/00.9.

    27) No dia 09/10/2000, o A efetuou tratamento com raios laser, para fixação da retina, na Secção de Retina do Hospital de Egas Moniz -DOCs. 2 e 3.

    28) Em 17/04/2002, o A foi observado no Hospital de Egas Moniz, apresentando acuidades visuais e tensões oculares praticamente simétricas.

    29) Ao exame no biomicroscópio os segmentos anteriores não apresentavam lacerações.

    30) A fundoscopia revelou no fundo ocular do olho esquerdo um disco ótico de bordos nítidos e cor rosada, com retina aplicada -DOCs. 2 e 3.

    31) O A foi acompanhado em consultas externas quer de Oftalmologia quer de Neurologia do Hospital de Egas Moniz.

    32) O A foi acompanhado pela consulta de oftalmologista do Hospital da Ordem Terceira.

    33) Simultaneamente com os tratamentos e acompanhamento pelo Hospital de Egas Moniz, o A foi sendo também acompanhado junto de oftalmologistas do Hospital da Ordem Terceira - DOCs. 4 e 5, PI.

    34) No dia 13/09/2000, o A apresentou queixa-crime na PSP de Oeiras, contra «um indivíduo de etnia Africana, cuja identificação se desconhece, sabendo apenas indicar que fazia parte dum grupo de dança, do tema DESCOBRIMENTOS, de coreografia de José …………. NCI, que atuava num palco nos Jardins do Palácio Marquês de Pombal, nesta Vila de Oeiras, acusando também a organização de tal espetáculo, a cargo da Câmara Municipal de Oeiras », tendo essa queixa dado origem ao Processo Inquérito criminal nº...

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