Acórdão nº 13594/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Data da Resolução | 22 de Setembro de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Muhammasd………….. (Recorrente), cidadão nacional do Paquistão, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa especial urgente (pedido de asilo) por si proposta contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e manteve o despacho de 25.01.2016 da Directora Nacional daquele Serviço que considerou o pedido de protecção internacional formulado infundado.
As alegações de recurso que apresentou culminam com a seguinte conclusão: Deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a D. sentença revogada em conformidade, conhecendo-se o vicio de falta de fundamentação do despacho proferido pela Exma. Senhora Diretora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, impugnado nos presentes autos, com todas as legais consequências.
• O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
• Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.
• Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
• I. 1.
Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao não ter concluído pela admissibilidade do pedido de protecção internacional por aquele formulado, pelo que julgou a acção improcedente com a manutenção do Despacho da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras impugnado.
• II.
Fundamentação II.1.
De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: Com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos que integram o Processo Administrativo apenso aos autos, ficaram provados os seguintes factos: A) Em 11 de Dezembro de 2015, o Autor, Muhammad …………, nacional do Paquistão, apresentou pedido de protecção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Lisboa (cf. fls. 6, do Processo Administrativo apenso aos autos – Processo n.º 944/15).
B) No dia 11 de Janeiro 2016, foi ouvido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, quanto aos fundamentos do pedido, tendo prestado as declarações constantes do “Auto de declarações” de fls. 17 a 21, do Processo Administrativo, que aqui se reproduz: «Aos 11 de Janeiro de 2016, pelas 09H30, no Gabinete de Asilo e Refugiados/SEF, sito em Rua ……………, 40 em Lisboa perante mim, José ……….. Inspector, e do intérprete de língua Urdu, de nome Aziz ………, língua que compreende e através da qual comunica claramente, compareceu o cidadão MUHAMMAD ………., melhor identificado nos autos, que respondeu, da seguinte forma às questões que lhe foram colocadas relativas ao pedido de protecção efectuado: Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Urdu e um pouco de Inglês.
-
Em que língua pretende efectuar esta entrevista? R. Em Urdu.
P: Qual é o seu estado civil? Tem filhos? R. Casado. Tenho quatro raparigas, Semra de 23 anos; Aiman de 21 anos; Zarmeen de 19 anos e Del Awes de 17 anos.
-
Qual é a sua escolaridade? R. Estudei durante cinco anos.
-
Professa alguma religião? R. Muçulmano.
-
Pertence a algum grupo étnico? R. Gujar.
-
Em que local residia no Paquistão? Desde quando e até quando residiu nessa morada? E com quem morava? R. Vivia em Kootla. Vivi também cerca de cinco meses em Jehlum, vivia com a minha mulher e as minhas quatro filhas.
-
Qual é a sua profissão? Até quando trabalhou? Qual o horário e o local de trabalho? R. Agricultor.
-
Tem familiares a residir actualmente no Paquistão? Em que local? Tem contacto com eles? R. Só tenho a minha mulher e as minhas quatro filhas, não tenho contacto com elas desde que saí do Paquistão, mas quando saí elas ficaram em Jehlum.
-
É, ou alguma vez foi, membro de organização política, religiosa, militar, étnica ou social no Paquistão? R. Não.
-
Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional? R. Eu tinha um irmão que chamava Muhammad S.......... que era militar no Paquistão, e em 2014, não sei precisar a altura, o meu irmão foi para o Wana para lutar contra os Talibans, foi preso pelos Talibans e ficou um mês e meio preso, depois os militares ligaram para minha casa a dizer que o meu irmão tinha sido morto e no dia 10/02/2015, os militares enviaram o corpo para minha casa.
Em Abril de 2015 os Talibans ligaram para minha casa, provavelmente o meu irmão enquanto esteve preso, deve ter dito o meu nome e o meu contacto, e disseram que tinham informação sobre mim e a minha família, sabiam quantas filhas tinha e a minha morada, e que o meu irmão tinha matado Talibans e que depois o tinham morto e que me iam matar a mim.
Depois passados quinze a vinte dias dos Talibans me terem ligado, deixei a minha casa com a minha mulher e as minhas quatro filhas e fui para a cidade de Jehlum que fica mais ou menos a 10 Km de Kootla e fiquei na casa de um amigo, depois o meu amigo dono da casa onde eu estava falou com outro amigo dele que arranjou um passador que se chamava Khan, depois em 06/09/2015 saí de Jehhum, paguei 350.000 Rupias ao passador.
-
Antes desta situação, tinha algum problema com os Talibans? R. Não.
-
Para além desse telefonema que recebeu, em Jehlum foi ameaçado pelos Talibans ou por qualquer outra pessoa? R. Não.
-
Teve mais alguma situação em que se sentisse ameaçado no Paquistão? R. Não.
-
Alguma vez colaborou com a polícia, ou desenvolveu alguma actividade de resistência ou militância contra os Talibans? R. Não.
-
Alguma vez manifestou publicamente opinião sobre os Talibans? R. Eu dizia na minha aldeia em Kootla, às pessoas, que os talibans eram más pessoas porque não deixavam as meninas irem à escola, havia pessoas que eram contra mim e diziam para eu não falar assim porque os Talibans matam as pessoas, mas não sei se eram Talibans.
-
Foi ameaçado pelos Talibans em Abril de 2015 e só passados quinze dias decidiu deixar a sua casa. Porque não deixou logo a sua casa assim que foi ameaçado? R. Naquele momento não tinha dinheiro nem sítio onde ficar, recebi dinheiro de uma pessoa da minha aldeia que ficou a ocupar a minha casa.
-
Quando é que foi tratar do passaporte no Paquistão? R. Fui tratar do passaporte em Junho de 2015.
-
Apresentou queixa (onde, quem, o que fez e resultados)? Ou porque não apresentou queixa? R. Apresentei uma queixa na esquadra de Saddar em Jehlum, um mês depois do telefonema dos Talibans, a polícia escreveu o que eu lhes disse, mas disseram que não podia fazer nada.
-
Tentou obter ajuda de alguma organização? Mas poderia obter ajuda da polícia ou autoridades ou de alguma organização ou entidade? Porque não poderiam ajudá-lo? R. Não, Porque ninguém ajuda, todos têm medo dos Talibans.
-
Tem alguma prova ou documentos ou dos factos que alega? Tem possibilidade de arranjar essas provas? São originais ou cópias? Onde arranjou e porque arranjou? R. Comigo não tenho nada, mas posso tentar arranjar fotografias do meu irmão com o uniforme e tentar arranjar uma cópia da queixa que fiz na polícia, através do meu amigo Mamadu Hussain que vive em Rawel Pendi, mas vai demorar mais ou menos dois a três meses.
-
E receia voltar então a que país ou países? O que poderia acontecer se regressasse? Porque aconteceria isso? R. Receio voltar ao Paquistão. Não consigo esconder-me, um dia os Talibans vão-me descobrir, porque o meu irmão matou Talibans e por isso eles querem- me matar a mim.
-
Tem receio de quem? R. Dos Talibans.
-
Ponderou mudar-se para outra zona do país, para fugir a esses problemas? Porque não? Existiam alternativas razoáveis e relevantes? R. Os Talibans estão em todos os sítios a explodir bombas, em qualquer sítio do Paquistão eles podem-me apanhar, mesmo que seja dez dias depois de eu lá estar.
-
Refere ser nacional do Paquistão. Tem algum documento que comprove a sua nacionalidade e/ ou identidade? Se sim, pode apresentar alguma prova? São originais ou cópias? Onde arranjou, como arranjou e porque arranjou? R. Tenho o meu passaporte, fui pedir o passaporte em Jehlum no Passaporte Office, tive de entregar o meu bilhete de identidade e paguei 3.500 Rupias, para poder sair do Paquistão.
-
Quando é que saiu do seu país? R. Saí do Paquistão em 06/09/2015.
-
Qual o percurso e o meio de transporte utilizado em cada etapa desse percurso e quanto tempo ficou em cada país e o que fez? Evitou o controlo fronteiriço? R. Sai de carro Jehlum para Baloochistan onde fiquei dois dias; depois fui de autocarro para o Irão, para Kartas não sei como se escreve, onde fiquei duas semanas; depois fui de autocarro para a Turquia não sei onde, fiquei três semanas; depois fui num barco de passageiros para Itália para Milão onde fiquei um Mês; depois fui de comboio para França não sei o sítio, onde fiquei uma semana; depois fui de autocarro para S. Sebastian em Espanha onde fiquei dois dias; depois fui de autocarro para Lisboa, onde cheguei no dia 11-122015. Fui sempre acompanhado por passadores até Itália, depois viajei sozinho.
-
Tem alguns comprovativos, bilhetes dessas viagens que efectuou.
-
Não.
-
Porque é que não solicitou protecção internacional nos países onde esteve antes de vir para Portugal? R. Quando estava no Paquistão perguntei a várias pessoas em Jehlum que moraram em França, Espanha, Itália, para onde é que poderia ir, qual era o país mais seguro e disseram-me que Portugal era um país seguro, as pessoas são boas e deixam as pessoas viver lá.
-
Mas em Jehlum, falou com alguém que já tivesse vivido em Portugal? R. Não.
-
Porque não viajou logo para Portugal no dia dos factos? R. Não sei ler nem escrever, nem como pedir visto.
-
Qual era o seu destino final? R. Era vir...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO