Acórdão nº 369/17.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução05 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: I. RELATÓRIO A…, LDA, com sede na E…, nº …, …, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de … ação de contencioso pré-contratual, contra - C… H… … CENTRAL, EPE, com sede na R…, em Lisboa. Sendo contrainteressada: - R…, LDA, com sede na E., 249-1, A.. O pedido formulado foi o seguinte: Por referência ao Concurso Público Internacional nº 1 – 1 – 5001/ 2017, (i) anulação do ato de adjudicação do lote 2 à proposta da Roche, contido na deliberação do CA do CHLC de 23.2.2017, e, (ii) inexistindo qualquer outra proposta válida, condenação da entidade demandada a adjudicar o lote 2 do procedimento à proposta apresentada pela autora. Por saneador-sentença de 17-07-2017, o referido tribunal julgou a ação de contencioso pré-contratual improcedente, por não provada, por o ato impugnado de adjudicação, de 23.2.2017, não padecer do vício de violação de lei que a autora lhe imputa e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada e a Contra-interessada do pedido. * Inconformada com tal decisão, a autora interpôs recurso jurisdicional. Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões: 1. O Tribunal “a quo” incorreu num primeiro erro no julgamento da matéria de facto ao considerar que o “limite de quantificação”, a que se refere a Ficha técnica do teste Tracolimus, é uma realidade distinta do requisito da “sensibilidade funcional”, que resulta do Anexo III ao Caderno de Encargos; 2. Com efeito, o Tribunal “a quo” chegou a tal conclusão, afirmando um facto contrário ao alegado pelo Recorrente na sua petição inicial, sem invocar qualquer meio de prova de que tenha servido para chegar a tal conclusão e sem integrar tal facto na matéria de facto considerada como provada; 3. A questão de saber se, como alegado pelo Recorrente, o limite de quantificação de um teste é, do ponto de vista técnico, uma realidade totalmente equivalente à sua sensibilidade funcional, é uma questão factual, que, tendo sido impugnada pela Recorrida, deveria ter sido objeto de produção de prova, uma vez que se trata de um facto que, indiscutivelmente, se afigura relevante para a boa decisão da causa conforme as várias soluções jurídicas plausíveis; 4. A decisão recorrida incorre num segundo equívoco – desta vez, um erro de julgamento de direito – quando conclui que “a ficha técnica não era o único documento apto a comprovar o requisito mínimo para o fornecimento do lote”, uma vez que o “Programa de procedimento estatui que os concorrentes podem apresentar documentação oficial ou outras fontes de prova, desde que aptas a comprovar cada um dos requisitos mínimos indicados no anexo III ao caderno de encargos”, sendo o estudo científico apresentado pela …. uma dessas “outras fontes de prova” admissíveis; 5. Com efeito, a questão suscitada pelo Recorrente – e que importa apreciar para discernir a validade do ato impugnado – não é a de saber quais os meios de prova que podem ser utilizados para demonstrar os requisitos contemplados do Caderno de encargos; é, antes, determinar se, a partir do momento em que um concorrente apresenta a ficha técnica de um determinado reagente e esta atesta que esse reagente não cumpre um determinado requisito técnico, o júri pode simplesmente desconsiderar esse elemento e atender a um outro documento para considerar verificado esse requisito (como fez a Recorrida no caso em apreço); 6. Ora, estando em causa a verificação de uma característica técnica de um dispositivo médico para diagnóstico in vitro, a Recorrida teria necessariamente de atender ao que dispõe a Ficha Técnica desse dispositivo, uma vez que ela representa a pronúncia oficial e vinculante da autoridade administrativa competente para verificar analiticamente e autorizar a distribuição de medicamentos e produtos de saúde em Portugal (o …). 7. Fosse qual fosse o estudo científico ou outro documento que o concorrente apresentasse para além da Ficha Técnica, o Júri nunca lhe poderia dar um valor prevalecente sobre aquele documento oficial, relativizando em absoluto o facto de ele atestar o contrário daquilo que o concorrente pretendia provar – isto é, que a proposta não cumpre o requisito técnico em causa. 8. Ao sustentar posição inversa, admitindo que o Júri do concurso, para comprovar o preenchimento de requisitos técnicos do reagente a adquirir, pode utilizar qualquer meio probatório, mesmo quando a ficha técnica desse reagente ateste que um determinado requisito não é cumprido, o Tribunal “a quo” incorreu num erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Programa de procedimento do concurso em causa. 9. Mesmo se a Entidade Demandada, ora recorrida, pudesse, em tese, utilizar outros elementos probatórios para afastar aquilo que resulta da Ficha Técnica, nunca o poderia fazer no caso concreto, ou seja, nunca poderia para esse efeito atender ao estudo científico apresentado pela …, entre outras razões porque os testes que o sustentam terem sido realizados em equipamentos de leitura distintos daquele que a … se propõe fornecer no âmbito deste concurso (modelo Cobas e601); 10. Para aferir da atendibilidade desse estudo, o júri de concurso, permitiu, de forma ilegal, que o concorrente prestasse esclarecimentos e juntasse novos documentos para demonstrar que o equipamento em que foi efetuado o referido estudo é supostamente idêntico ao equipamento a fornecer; 11. Ora, esta conduta do júri do concurso não é uma conduta discricionária, que implique a formulação de valorações próprias da função administrativa, mas sim uma decisão em que a Administração atua vinculada por normas e princípios jurídicos cujo cumprimento o Tribunal pode e deve sindicar; 12. Ao decidir em sentido inverso, considerando que, neste contexto, a questão de saber se o estudo científico apresentado pela contrainteressada … é um elemento apto à demonstração do requisito da sensibilidade funcional do teste Tacrolimus é uma questão que envolve um juízo exclusivamente discricionário, o Tribunal “a quo” incorreu num manifesto erro de julgamento que enferma a decisão recorrida; 13. Os erros de julgamento cometidos pelo Tribunal “a quo” justificam plenamente a revogação da decisão recorrida; mas este Tribunal não se pode cingir a tal revogação, pois, tendo em conta a forma como o CPTA configura os poderes de cognição do tribunal de recurso (cfr. artigo 149.º), cabe-lhe também substituir a decisão revogada por outra que proceda ao exame de todas as questões que constituem objeto do litígio, conhecendo de facto e de direito; 14. Neste contexto, deve este Tribunal, no exercício da faculdade conferida pelo n.º 4 do artigo 149 do CPTA, proceder às diligências instrutórias necessárias ao esclarecimento da questão factual enunciada na conclusão 3.ª; 15. Feitas tais diligências, que permitirão demonstrar a veracidade do facto alegado pela Recorrente, cabe este Tribunal apreciar todos os fundamentos de invalidade por esta invocados, o que o levará a concluir que o ato de adjudicação impugnado se encontra viciado de ilegalidade na medida em que seleciona uma proposta que deveria ter sido excluída por violar um aspecto da execução do contrato não submetido à concorrência (cfr. artigo 70.º, n.º 2, alínea b) e artigo 146.º, n,º 2, alínea o) do CCP); 16. Com efeito, é indiscutível, em face do alegado na petição inicial, que a proposta da … incumpre o requisito respeitante ao grau de sensibilidade funcional do teste Tacrolimus, que, pelas razões de interesse público acima invocadas, a Entidade Adjudicante estabeleceu que devia ser inferior a 1 nanograma por mililitro (<1,0ng/mL)); 17. Em suma, não tendo a Recorrida, como impunha o ordenamento jurídico, determinado a exclusão da proposta da …, o ato que determina a adjudicação do Lote 2 a essa proposta, contido na deliberação do Conselho de Administração do CHLC de 23 de fevereiro de 2017, é um ato ilegal por vício de violação de lei, impondo-se que este Tribunal determine a sua anulação; 18. Sendo a proposta do Recorrente a única que se afigura como válida relativamente ao Lote 2, estão verificados os pressupostos para que este Tribunal condene a Recorrida a adjudicar o Lote 2 à proposta apresentada pelo Recorrente. * Contra-alegou o Réu, sem que da sua alegação constassem conclusões, sendo possível, ainda assim, sintetizar as seguintes ideias: - o erro de julgamento de facto assacado pela Recorrente à decisão sob recurso é irrelevante para a decisão da questão em causa; - o Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Programa de procedimento; - o júri de concurso não atuou de forma ilegal, ao permitir que a concorrente contra-interessada prestasse esclarecimentos e juntasse novos documentos para demonstrar que o equipamento em que foi efetuado o estudo por si apresentado é idêntico ao equipamento a fornecer; - que, existindo um estudo na proposta da contra-interessada, este não podia ser ignorado pelo júri. * Contra-alegou também a contra-interessada, tendo formulado as seguintes conclusões, excessivamente longas: 1) O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida em 17.07.2017, mediante a qual foi julgada absolutamente improcedente a Acção de Contencioso Pré-Contratual instaurada pela Recorrente. 2) Nas presentes Contra-Alegações de Recurso Jurisdicional, a Recorrida evidenciou que em 17.07.2017, foi proferido Despacho pelo douto Tribunal a quo, a propósito do Requerimento para produção de prova testemunhal requerida pelas Partes, e, acto contínuo, foi proferida Sentença, sendo que a Recorrente ainda que devidamente notificada das duas decisões, veio interpor Recurso Jurisdicional, apenas e tão só, desta última, pelo que o âmbito das Alegações se deve considerar como circunscrito nesses exactos termos. 3) Resulta evidente que a Recorrente veio, tão só, interpor Recurso Jurisdicional da Sentença proferida pelo douto...

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