Acórdão nº 1888/17.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 31 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução31 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório Lumbuenadio ……….. recorreu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 10 de Outubro de 2017, que julgou improcedente acção de impugnação de despacho proferido pela Directora Nacional do SEF, em 31 de Maio de 2017, que considerou infundados os pedidos de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, formulados pelo recorrente.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões: “I - O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal "a quo" em 10 de Outubro de 2017, a qual julgou improcedente a acção interposta pelo aqui Recorrente.

II - A douta sentença que se recorre não fez um correto enquadramento jurídico dos factos alegados pelo ora Recorrente, tendo até, de uma forma algo simplista, não se pronunciado sobre todos os factos alegados e as questões colocadas na petição inicial, não as enquadrando como factos provados/não provados.

III - Limitando-se simplesmente a dar como provados os factos alegados em sede do Processo Administrativo (P.A.), que serviram de base ao Despacho proferido pela Directora Nacional do SEF.

IV- Deste modo, a douta sentença recorrida enferma de vício, atendendo à manifesta falta de fundamentação e análise da matéria de facto invocada pelo Recorrente por não apresentar as razões determinantes para a decisão proferida, nomeadamente ao nível da matéria de facto dada como provada.

V - Com efeito o Tribunal "a quo" não apreciou nem sindicou devidamente, factos que se demonstrariam como fundamentais para a boa decisão da causa e apuramento da verdade material dos factos.

VI - Não fazendo qualquer juízo apreciativo dos factos aduzidos pelo Recorrente na Petição Inicial, limitando-se a dar como provado toda a factualidade aduzida no P.A..

VII - Desde logo, o douto Tribunal "a quo" ignora, os factos relativos à séria realidade do país originário do Recorrente, mormente a realidade política e antidemocrática que se vive na República Democrática do Congo.

VIII - Foi totalmente ignorado o facto do Recorrente ter sido barbaramente agredido pelo facto de se opor ao Governo vigente na República Democrática do Congo, uma vez que segundo o Tribunal "a quo" o mesmo teria que apresentar factos mais concretos e detalhados, baseados em prova documental, de forma a provar o alegado.

IX - Não foi igualmente tido em conta que o Recorrente faz parte de um partido político de oposição, sendo apenas referido que pode até não ocupar algum cargo de relevância que faça com que o mesmo seja efectivamente perseguido, mais uma vez descarando o douto Tribunal "a quo" a realidade política na República Democrática do Congo.

X - Desde que faça parte da oposição política o mesmo é considerado como inimigo do Governo e automaticamente perseguido na sociedade e principalmente pelos entes policiais.

XI - Sendo que o Tribunal "a quo" apenas se fundamentou nas supostas contradições existentes nas declarações do Recorrente perante o SEF.

XII - Não resulta provado que o mesmo não tenha a idade que alega.

XIII - Em resultado de tais participações políticas, nos anos de 2015 e 2016, o aqui Recorrente foi referenciado pelas autoridades congolesas, tendo sido detido pelas mesmas e, até mesmo agredido, com tanta violência que o Recorrente teve de ser internado no hospital local durantes vários dias, visando a cura dos graves ferimentos.

XIV - O que é prática regular na República Democrática do Congo, ao contrário da acepção do Tribunal "a quo" que infundadamente vem referir que o Recorrente não faz prova do cargo político que ocupa e que caso seja de menor importância a deslocação para outro local do país seria suficiente.

XV - Tal demonstra um total desconhecimento da realidade política presente na República Democrática do Congo pelo Tribunal "a quo", uma vez que independentemente do cargo que ocupem, todos os associados ou simpatizantes da oposição, após serem referenciados são perseguidos em todo o território.

XVI - E mesmo que assim não fosse, o Tribunal "a quo" refere como solução a mudança de região ou até de país para Angola, o que é uma clara violação do direito à liberdade do aqui Recorrente.

XVII - O Recorrente deveria ter o direito a habitar livremente onde quisesse na República Democrática do Congo e se por motivos políticos não pode viver na cidade que pretende por ser perseguido, nada garante que em outra cidade do mesmo país esteja seguro, nem o Tribunal "a quo" pode garantir a segurança do Recorrente com a simples mudança de cidade.

XVIII - Não sendo a situação do aqui Recorrente, caso único, visto que, desde o ano de 2015 e até à presente data, vários têm sido os relatos de situações de violência, confrontos e até mesmo de mortes na República Democrática do Congo contra os opositores do actual regime político.

XIX - Constituindo tais situações, factos públicos e notórios, uma vez que são acontecimentos noticiados tanto a nível nacional como internacional.

XX - Atento, sobretudo, às dificuldades financeiras do ora Recorrente, o mesmo viu-se obrigado a recorrer a uma rede clandestina de migração, visando a sua saída da República Democrática do Congo de forma segura e sem que as autoridades detectassem e impedissem a fuga de um opositor, neste contexto, o Recorrente permaneceu em Angola por tempo indeterminado, até lhe ter sido facultado um passaporte angolano, visto que, sendo cidadão congolês, nunca conseguiria obter, em Angola, um qualquer tipo de visto de saída daquele país, uma vez que os mesmos são obrigatoriamente requeridos no país de origem, factos estes que o Recorrente nunca escondeu nas suas declarações perante as mais diversas entidades.

XXI - Assim, de Angola, uma vez mais por não se encontrar em segurança, o Recorrente, com o auxílio e por indicação de uma pessoa cuja identidade detalhada desconhece mas pertencente à mencionada rede, e com um passaporte por ela fornecido, foi conduzido à Embaixada de Portugal em Luanda, onde lhe foi concedido um visto de curta duração de entrada em Portugal.

XXII - Deste modo, o aqui Recorrente viajou para Portugal no dia 27 de Setembro de 2016, tendo, neste mesmo dia, viajado para a Bélgica, país onde solicitou, a 04 de Outubro de 2016, protecção internacional, desde logo pelo facto de ter familiares a viver naquele país, por não existir qualquer barreira linguística significante e, não menos importante, pela ligação histórica entre os dois países.

XXIII - Neste sentido, foi o aqui Recorrente notificado para prestar declarações perante o Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (GAR), o que fez a 19 de abril de 2017.

XXIV - De acordo com a referida proposta, o pedido de protecção internacional do aqui Recorrente foi considerado "infundado, por se enquadrar nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 27/08 de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05 de maio, pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3° da Lei citada.", acepção que o Tribunal "a quo" aceitou infundadamente.

XXV - Decisão essa ao qual o Tribunal "a quo" assumiu a sua total concordância na douta sentença que ora se recorre.

XXVI - Assim, dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 19°, que "O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de protecção." XXVII - Ora salvo o devido respeito, tal fundamentação não nos parece viável uma vez que das declarações prestadas pelo ora Recorrente, não se pode concluir que as mesmas sejam "incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis", visto que o aqui Recorrente respondeu a tudo o que lhe foi solicitado, com a verdade que conhece.

XXVIII - Assim, atento ao teor das declarações prestadas pelo Recorrente em resultado das questões colocadas pelo examinador, não se poderá concluir que as mesmas se mostram contraditórias ou, até mesmo, inverosímeis.

XIXX - Bem como a natureza dos factos impede que o Recorrente comprove e detalhe com maior precisão os mesmos, ao contrário da exigência do Tribunal "a quo".

XXX - Mais cabendo evidenciar que, ainda que quanto às questões relacionadas com o passaporte angolano e com a pessoa que acompanhou o Recorrente na viagem para Portugal se possa, hipoteticamente, perceber a dificuldade de o Estado Português em confirmar a veracidade de tais factos, mas que nada importam para a decisão da presente demanda.

XXXI - No que respeita à identidade e à idade do aqui Recorrente, tal já não se compreende nem se considera aceitável, uma vez que, tendo em consideração a especificidade da presente situação e a especialidade da matéria aqui tratada e, visto que o Recorrente se fazia acompanhar de um documento denominado "Attestation de Perte de Piéces d l'dentite", sempre se deveria ter diligenciado junto das Entidades competentes, nomeadamente a Embaixada da República Democrática do Congo em Portugal, a verificação da fidúcia do valor documental.

XXXII - Neste sentido, mais cumpre referir que, tendo o Recorrente perdido os originais dos seus documentos de identificação, não lhe poderia ser exigido, a obtenção dos mesmos pelas vias disponíveis para o efeito, uma vez que, atendendo à sua situação precária, o mesmo não os conseguiria obter quer no país quer junto de qualquer instituição ligada à República Democrática do Congo, sujeitando-se a ser de imediato detido, agredido ou, até mesmo morto como, infelizmente, muitos o são.

XXXIII - Não se percebe que, no ponto 7 da decisão emitida pela Directora Nacional do SEF, intitulado "Da apreciação da admissibilidade do pedido de asilo", se refira que o aqui Recorrente, declarou "ter viajado para a Europa com o propósito de vir jogar futebol...

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