Acórdão nº 1581/13.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCH
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Aurora …………..

propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, IP., acção administrativa comum, na qual peticionou a condenação do R. ao pagamento da quantia de EUR 766.000,00, acrescida de juros vincendos, a título de indemnização por responsabilidade civil com fundamento na violação das legis artis médicas e que levaram à sua cegueira na sequência de intervenção cirúrgica efectuada nos serviços do R. (transplante da córnea ao olho esquerdo).

Por sentença de 29.06.2016 a acção foi julgada totalmente improcedente e o R, absolvido do pedido.

Nas alegações do recurso interposto a A., ora Recorrente, conclui do seguinte modo (conclusões após aperfeiçoamento, na sequência de despacho do relator): 1. A sentença nas suas páginas 12 e 13 refere que “a A. imputa ao R. conduta ilícita na realização do transplante de córnea ao olho esquerdo ocorrida no dia 21.2.2007, nas instalações e com médicos do quadro do R. Contudo, acerca de tal ilicitude, a A. alega um único artigo concretamente, o artº 8º da p.i." 2. Discorda-se desta análise, uma vez que foi dado como provado que a Ré foi operada (transplante da córnea ao olho esquerdo no dia 21.2.2007, nas instalações e com médicos do quadro da Ré).

  1. Sendo falsa tal asserção.

  2. A ilicitude do Réu decorre do fato do artigo 8º da p.i., conjugado com os factos dos artigos 13º, 15º, 16º, 17º e 18º também da p.i.

  3. O Réu fez crer a Autora que tudo estaria bem, artigo 13º da p.i..

  4. Como decorrência da intervenção cirúrgica do Réu, a Autora viu nascer uma úlcera dentro do seu olho esquerdo (artigo 15º da p.i.).

  5. Úlcera que veio a rebentar (artigo 16º da p.i.).

  6. Viu nascer um abecesso dentro do olho (artigo 17º da p.i.).

  7. Como consequência de tudo isto a Autora veio a cegar do olho esquerdo (artigo 18'2 da p.i.).

  8. Não obstante estes factos, a sentença na sua página 13, conclui "É quanto nos basta concluir que a A não alegou qualquer facto constitutivo da ilicitude da conduta imputada ao R., ocorrida em 21.2.2007".

  9. Temos opinião contrária a esta conclusão.

  10. No sentido de aferir a culpa do Réu vejamos: a intervenção cirúrgica efetuada pelo Réu realiza-se à 21.2.2007.

  11. No ponto 13 dos factos provados: aí se diz que "o diagnóstico constante do boletim no Período constante de 21.2.2007 a 2.3.2007 refere a rejeição do enxerto da córnea".

  12. Ponto 29, factos provados, em 26.3.2007 recorreu à urgência do Hospital de S.João por hipernia.

  13. Ponto 33, factos provados, "Em 12.4.2007 recorreu à Urgência do Hospital de São João por queratite intersticial infecciosa e veio a ser transferida no mesmo dia para os serviços do R. onde foi internada e medicada, recuperando da situação querática." 16. Pontos 34 e 35, factos provados "foi observado que apresentava abecesso na córnea dadora." 17. Nos registos clínicos enviados pelo Hospital S. João do Porto, que deram entrada no tribunal a 13 de Dezembro de 2013, com o registo 361967, vem referido: "Recorreu ao SU em 12 de Abr 2007 por dores no OE desde ontem. Tem antecedentes de transplante de córnea efectuado em Inst. Gama Pinto em 21 Fev. 07. Tem dores oculares com úlcera de córnea no OE. A doente não tem visão útil no ol.d.. Tem edema de córnea. Não se conseguiu medir tensão ocular por irregularidades das miras. Interna-se para fazer protocolo de úlceras de córnea. Foi-lhe explicado da gravidade da situação não voltou".

  14. Do exposto resulta o dano ocasionado a Autora pela deficiente intervenção cirúrgica realizada pelo, Réu. Sobre o assunto refere a jurisprudência, "II- Age com culpa, violando o dever objetivo de cuidado, o médico cujo procedimento clínico fica aquém do standard técnico/científico da actuação exigível ao profissional médio, nas circunstâncias do caso concreto." In Acórdão de 13-03-2012 do S.T.A., do Juiz Conselheiro Políbio Henriques.

  15. No sentido de aferir a culpa do Réu vejamos: No ponto 68, factos provados," No dia 16.2.20011 na consulta de oftalmologia 20. No ponto 13 dos factos provados, aí se diz que "o diagnóstico constante do boletim no período de 21.2.2007 a 2.3 .2007 refere a rejeição do enxerto da córnea".

  16. Ponto 29, factos provados, em 26.3.2007 recorreu à urgência do Hospital de São João por hipernia.

  17. Ponto 33, factos provados, "Em 12.4.2007 recorreu à Urgência do Hospital São João por Queratíte intersticial infecciosa e veio a ser transferida no mesmo dia para os serviços do R. onde foi internada e medicada, recuperando da situação querátíca." 23. No ponto 68, factos provados, "No dia 16.2.2011 na consulta de oftalmologia do Hospital Egas Moniz, a A. referiu que o OE era o único do qual tinha qualquer visão, tendo perdido a visão AV em dezembro p.p. (rebentou todo, uma úlcera e uma bolha) cf.dos autos .

  18. Ao apreciar deficientemente os factos supra referidos, a sentença viola o artigo 615º,nº 1, d) do C.P.C..

  19. Factos que contrariamente ao expendido na sentença, demonstram a ilicitude imputada ao R., ocorrida em 21.2.2007.

  20. Reúne a presente ação todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual, ou seja: 1º O facto voluntário do Réu (intervenção cirúrgica efetuada por este).

    1. O facto do agente é ilícito (intervenção cirúrgica, transplante da córnea que não é de risco elevado).

    2. O dano (no caso concreto traduzido na cegueira da Autora) .

    3. O nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo Réu e o dano sofrido pela Autora.

  21. A Ré juntou aos autos a 29 Nov 2013 a tradução de um documento, sobre o transplante da córnea, que diz que a mesma não é uma intervenção cirúrgica de grande risco.

  22. Não se pronuncia pela não junção pela Ré da ressonância magnética e a ecografia pélvica efetuada a Autora pelo Réu, viola também o artigo 615º,nº 1, d) do C.P.C.

  23. Não se pronuncia pela não junção pela Ré da ressonância magnética e a ecografia pélvica efetuada a Autora pelo Réu, violando também o artigo 615º,nº 1, d) do C.P.C.

  24. A Mmª Juíza não realiza o depoimento de parte, embora a Autora tenha justificado as suas faltas ao mesmo, com atestados médicos onde invoca razões de saúde.

  25. Em nossa modesta opinião a Meritíssima devia ter lançado mão, a comunicação direta do tribunal com o depoente.

  26. Não o fazendo privou a Autora de se pronunciar sobre os relatórios que o Réu juntou e aqueles que não juntou.

  27. Tornando nulo todo o processado desde a notificação de parte até a sentença, incluindo esta, violando o disposto no artigo 195, nº 1 do C.P.C..

  28. A este propósito refere o Acórdão de 04-02-2016, 1ª Secção do S.T.A., Juíza Conselheira Ana Paula Portela: "I- Resulta do princípio do contraditório que o Juiz não deve decidir qualquer questão, de facto ou de direito, mesmo que conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ele se pronunciarem, para que se possa assegurar a sua participação efetiva no desenvolvimento do litígio.

    II- (…) a audição de partes, é suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, pelo que constitui nulidade processual secundária (art. 195º,nº 1 do C.P.C.).

  29. De tudo isto resulta que a cegueira da Autora não resulta, como o Réu invoca, das repetidas intervenções fora das instalações deste.

  30. Infecção essa que decorre da deficiente assistência que lhe foi prestada, e do fato de não lhe ter sido ministrada a medicação adequada.

    O Recorrido, Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

    O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA.

    • Após vistos legais, importa apreciar e decidir.

    • I. 1.

    Questões a apreciar e decidir: Apesar do deficiente cumprimento do determinado quanto ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso – a função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação abreviada dos fundamentos ou razões jurídicas, já desenvolvidas nas alegações -, é possível identificar as razões de discordância da Recorrente relativamente ao decidido, o que se traduzirá em apreciar: - Se a sentença do Tribunal a quo é nula por omissão de pronúncia acerca da junção de documentos efectuada pelo R.; - Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual ao não realizar o depoimento de parte requerido; e - Se o Tribunal a quo errou ao considerar não existir fundamento para responsabilidade civil, por falecimento do pressuposto da ilicitude.

    • II.

    Fundamentação II.1.

    De facto Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: 1- A A. reside no ……….., ……, Morreira, ….. B……., cf. doc. de fls 169, 256 e fls 407 dos autos em suporte de papel; 2- A A. indicou na p.i. a seguinte residência “E……..– . ., Largo do Rato 1250-999 Lisboa; 3- A A. foi observada pela primeira vez nos serviços do R. em março de 2000, altura em que foi observado que: “Enxerto de córnea transparente OD e OE. O enxerto do OD está levemente descentrado e verifica-se ter sido submetida a cirurgia refractiva de astigmatismo do OE. Astigmatismo irregular.

    Apresentava na altura acuidade visual de

    Texto no original

    76– A A. foi seguida na consulta da Córnea no Hospital de Santo António, Porto, desde 1993 por...

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