Acórdão nº 920/12.0/TBCTB-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução09 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório “ A..., Lda.” propos a presente acção de impugnação da resolução de negócio jurídico em benefício da massa insolvente, então com forma de processo ordinário, contra a “Massa Insolvente de B..., Lda.

”, pedindo a revogação da resolução constante da escritura pública de “compra e venda e dação em pagamento” outorgada em 15.10.10 no Cartório Notarial da Lic. C...e que teve por objecto o prédio misto, sito em (...), freguesia de (...), concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz cadastral sob os artigos 81 Secção V e 82 Secção V e na matriz predial urbana sob o artigo (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o nº (...) e o estabelecimento comercial de restauração e posto de abastecimento de combustíveis instalado na parte urbana, mantendo-se o direito de propriedade da Autora conforme registo constante na competente Conservatória do Registo Predial.

Alegou, para tanto, que em 15 de Outubro de 2010 foi celebrado no Cartório da Lic. C...um negócio único de compra e venda e dação em cumprimento que teve por objecto o referido prédio misto e o estabelecimento comercial de restauração e posto de abastecimento de combustíveis instalado na parte urbana do referido prédio, pelo preço global de € 160.000,00, ou seja, € 80.000,00 referente ao contrato de compra e venda e € 80.000,00 referente à aquisição do estabelecimento comercial, sendo que no contrato de dação em cumprimento apenas foi pago efectivamente o montante de € 30.012,07 já que o montante de € 49.987,93 foi compensado com a extinção da dívida da sociedade insolvente para com a sociedade A., mais alegando que o restante montante do preço do negócio no valor de € 110.012,07 (€ 80.000,00 da compra e venda do prédio misto e € 30.012,07 da aquisição do estabelecimento comercial) foi efectivamente pago através de cheques.

Alegou ainda que o administrador da insolvência (AI) enviou uma carta de resolução à sociedade A. no dia de 21 de Dezembro de 2012 na qual identificou o negócio a resolver como sendo o negócio de compra e venda do prédio misto pelo preço de € 80.000,00, invocando que o mesmo teve por objectivo o pagamento de uma dívida da sociedade insolvente para com a Autora, olvidando, assim, que o negócio único englobou a aquisição do prédio misto e do estabelecimento comercial implantado na parte urbana pelo preço global de € 160.000,00, que se tratou de um negócio uno e indissociável, não podendo ser resolvido apenas na parte referente à compra e venda, na medida em que não pode a sociedade A. ficar sem o prédio urbano e continuar a explorar nesse prédio a actividade de restauração e posto de abastecimento, como, ao contrário do invocado na carta de resolução, o preço de € 80.000,00 da compra e venda não teve como objectivo a compensação de qualquer dívida da sociedade insolvente para com a A.

Alegou, finalmente, que a resolução não se encontra devidamente fundamentada já que o pagamento real não foi de € 80.000,00 mas sim de € 160.000,00, não constando da carta de resolução qualquer facto que concretize como o negócio de compra e venda frustrou as pretensões dos credores da insolvência e como existiu dissipação de eventuais garantias patrimoniais dos credores, uma vez que houve o pagamento do preço da compra e venda, além de que o AI não justificou em que medida o negócio proporcionou uma distribuição desigual do património da insolvente em favorecimento da A. tendo como referência que o pagamento total foi de € 160.000,00 e não de € 80.000,00, sendo que, por outro lado, a compensação se deu na dação em pagamento e não na compra e venda, ao contrário do que consta da carta de resolução e que agiu de boa fé (tendo adquirido o prédio misto e o estabelecimento comercial implantado na parte urbana pelo valor real do mercado), pelo que a comunicação da resolução foi injustificada e, portanto, é ineficaz.

Citada, a Ré contestou no sentido da validade e eficácia da resolução do negócio consubstanciado na mencionada escritura, pedindo que se determine à A. a restituição a favor da massa insolvente de todos os bens objecto do negócio constante da referida escritura, ou seja, do prédio misto e dos estabelecimentos comerciais instalados na parte urbana.

Houve lugar a réplica onde a A. alegou que os cheques que emitiu para pagamento do negócio constante da escritura de compra e venda e dação em pagamento foram efectivamente descontados e pagos e juntou documentos.

Na audiência prévia foi proferido despacho saneador e fixado o objecto do processo e os temas da prova, nenhuma reclamação tendo sido apresentada.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que concluiu com o seguinte dispositivo: - “Julgo a presente acção procedente e por consequência declaro ineficaz a resolução efectuada por carta datada de 21 de Dezembro de 2012 em benefício da “Massa insolvente de B..., Lda.” relativa ao contrato de compra e venda celebrado a 15 de Outubro de 2012, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial da Dra. C..., a folhas 33 e seguintes do livro 128, e nos termos da qual a sociedade “ A..., Lda.” comprou a “ B..., Lda.” pelo preço de € 80.000,00 o prédio misto sito em (...), na freguesia de (...), concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz cadastral sob os artigos 81 Secção V e 82 Secção V e na matriz predial urbana sob o artigo (...),descrito na Conservatória do registo Predial de Castelo Branco sob o nº (...)”.

Inconformada, recorreu a Ré Massa Insolvente em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: 1) A sentença é nula, porquanto, o tribunal a quo não se pronunciou sobre os temas da prova, fixados em audiência prévia no sentido de dar como provado ou não provado que à data da escritura pública de compra e venda era previsível que a sociedade “ B..., Lda.” viesse a ser declarada insolvente e que a sociedade compradora tinha conhecimento de tal situação.

2) Tal matéria de facto consta também enunciada na carta de comunicação de resolução de negócio enviada pelo Administrador de Insolvência e é importante para se apurar da má fé do terceiro adquirente no negócio resolúvel, o que constitui nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC.

3) A comunicação da resolução de negócio em benefício da massa insolvente contém factos suficientes, quanto à invocação dos requisitos da temporalidade, da prejudicialidade do negócio para os demais credores da insolvência e da má fé do terceiro para fazer operar resolução condicional do negócio prevista no artigo 120º, nº 1, 2, 4 e 5 al, b) do C.I.R.E., normas que a sentença recorrida violou.

4) Conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão proferido no processonº1936/10.6TBVCT-N.G1.S1, 6ª SECÇÃO, de 25-03-2014, em www.dgsi.pt, “ A carta em que o administrador da insolvência resolve o acto celebrado pela insolvente, nos termos dos arts.120º e segs. do CIRE, deve ser fundamentada com a indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, de modo a permitir que a contraparte possa impugnar esses fundamentos, nos termos do art. 125º do mesmo diploma legal” 5) Na resolução condicional regulada no art. 120º do CIRE exige-se que se invoque o acto que se resolve, a causa que leva a considerar o acto como prejudicial, e o circunstancialismo que integre a má fé, se não vigorar a presunção iuris tantum prevista no nº 4 do mesmo artigo.

6) A comunicação da resolução, de acordo com os factos provados 8. a 14., não padece de insuficiência de fundamentação, pois, identifica o ato que se resolve, indica os fundamentos para considerar o acto prejudicial e as circunstâncias que provam a má fé do terceiro, nos termos do artº 120, nº 5, alínea b) do C.I.R.E., que a sentença recorrida violou.

7) Assim, da comunicação de resolução consta a identificação do acto, data, local de realização e seus intervenientes.

8) Quanto à prejudicialidade do negócio para os credores da insolvência, consta: “o negócio descrito, nos termos em que foi realizado, não só frustrou as pretensões dos credores da insolvência, uma vez que dissipou eventuais garantias patrimoniais dos credores da insolvência, como também proporcionou uma distribuição desigual do património da insolvente atento ao favorecimento que conferiu à sociedade A..., Lda., enquanto credora da sociedade B..., Lda.".

9) Quanto à má fé do terceiro consta, para além da referida prejudicialidade do negócio, o seguinte: “à data da realização do negócio a B..., Lda. como era do conhecimento da sociedade A... Lda, não cumpria com as suas obrigações vencidas. Aliás tal resulta do próprio texto da escritura de compra e venda… Como é do conhecimento de V. Exas o incumprimento das obrigações vencidas por parte da Empresa, agora insolvente, deu origem à instauração de múltiplos processos de natureza judicial movidos pelos seus credores, entre os quais: o D...S.A., E..., Lda., F..., Lda., estando V. Exas. cientes que a vendado estabelecimento, único bem de valor relevante conhecido da devedora e...

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