Acórdão nº 94/13.9TBTBU-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução14 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO Decretada a insolvência de H (…), S.A., por sentença de 17 de Dezembro de 2012, nela foi determinada a abertura do presente incidente de qualificação de insolvência relativamente à insolvente.

O credor S (…), Lda.

, pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa, alegando, em síntese: os administradores da insolvente não diligenciaram, pelo menos judicialmente, para cobrar os créditos que constam nos balanços nos últimos três anos, sendo que um deles pertence a uma sociedade de que é sócio o marido da administradora da insolvente (…) e pai das restantes administradoras; este crédito, sem perspetiva de recuperação, deveria ter sido provisionado de acordo com as boas regras contabilísticas; a insolvente vendeu mercadorias por menos de 50% do respetivo custo; a insolvente não tinha contabilidade organizada, ou, pelo menos, tal contabilidade não parece verosímil já que os elementos da mesma quanto ao passivo não coincidem com os credores relacionados pela insolvente nos termos do art. 24.º do Cire; até ao presente, a requerente não foi notificada dos esclarecimentos dados pela insolvente relativamente ao destino dado aos bens próprios vendidos em 2011, havendo por parte das administradoras uma clara violação dos seus deveres de apresentação e colaboração.

face à diminuição dos capitais próprios da insolvente, quando encerraram a loja que a requerente explorava, as administradoras conheciam a situação da empresa, e deveriam ter-se apresentado à insolvência, tendo o incumprimento deste dever determinado o agravamento da situação de insolvência e impedido os credores de satisfazer pelo menos parcialmente os seus créditos; a insolvente incumpriu o dever de elaborar e entregar as contas a anuais, de as submeter à devida fiscalização e de as depositar na CRC, o que não acontece desde o exercício de 2010.

Conclui, verificarem-se as previsões das alíneas a), c), f), h) e i) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE, e também das alíneas a) e b) do n.º 3 da mesma disposição legal, o que determina a qualificação da insolvência como culposa, devendo ser por ela afetadas as administradoras, (…).

O Administrador da Insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como fortuita.

Referiu para tanto que, apesar de a insolvente ter incumprido o dever de manter a contabilidade organizada, não se pode depreender que esse facto tenha sido determinante para a insolvência da devedora, que não existem elementos que permitam concluir que a insolvente tenha dissipado o seu património, que tenha utilizado as especiais relações com o cliente angolano em prejuízo da insolvente ou dos seus credores, ou que incumpriu o dever de se apresentar à insolvência.

O Ministério Público pronunciou-se pela qualificação da insolvência como culposa.

Salientou, para o efeito, que a insolvente incumpriu o dever de manter a contabilidade organizada e violou o seu dever de colaboração, já que não prestou os esclarecimentos a que se obrigou na Assembleia de Credores quanto ao destino dado ao produto dos bens próprios vendidos em 2011. Para além disso, cessou a sua atividade sem se apresentar à insolvência, o que deveria ter feito porque, já no ano de 2009, apresentava um resultado líquido do período negativo, tendo com isso agravado o seu passivo, desde logo através da acumulação dos juros sobre os montantes em dívida a terceiros.

Defende estarem verificadas as previsões do art. 186.º, n.º 2, al. i), e n.º 3, als. a) e b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Citada a devedora e as requeridas (…) vieram estas deduzir oposição, com os seguintes fundamentos: a administração efetiva da insolvente era exercida em exclusivo pela requerida (…) pelo que na hipótese de a insolvência vir a ser qualificada como culposa tal classificação não deverá afetar as oponentes (…) e (…); as requeridas prestaram toda a colaboração devida ao administrador da insolvência, reunindo com este e prestando informações através do técnico oficial de contas da insolvente; a insolvente optou pela sua dissolução por considerar que não estava em situação de insolvência, já que o seu ativo era superior ao seu passivo, estando a decorrer o prazo da liquidação quando foi requerida a insolvência, não tendo incumprido o dever de se apresentarem à insolvência; mesmo que se entendesse que tinham incumprido esse dever, inexiste nexo causal entre esta eventual violação e a criação ou agravamento da insolvência, tal como sucede com o incumprimento da obrigação de depositar as contas anuais na Conservatória.

Concluíram pela qualificação da insolvência como fortuita.

* Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu: a) Qualificar como culposa a insolvência de H (…), S.A.; b) Julgar afetadas pela qualificação as administradoras (…); c) Declarar (…) inibidas para o exercício do comércio pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, bem como declarar as requeridas inibidas, por igual período, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; d) Determinar a perda de quaisquer direitos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas requeridas (…) e condená-las na restituição de quaisquer bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; e) Condenar as requeridas (…), solidariamente, a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, correspondente ao valor constante da lista de créditos reconhecidos apresentado pelo administrador da insolvência, até às forças dos respetivos patrimónios.

* Não se conformando com a mesma, as requeridas dela interpuseram recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: (…) * O Ministério Público apresentou contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.

Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são unicamente as seguintes: 1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

  1. Se a insolvência deve ser qualificada como culposa.

    III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

    Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

    Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

    Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto: “1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

    2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados...

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