Acórdão nº 496/13.0TBCLC.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução27 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A... , viúva, residente na Rua 1.º de Maio, n.º 28 – 2.º B, no lugar da Tornada, veio, por si e na qualidade de representante legal de seu filho menor B...

    , consigo residente, instaurar contra a Companhia de Seguros C..., SA, com sede na Rua Andrade Corvo, n.º 32, em Lisboa, ACÇÃO DECLARATIVA de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), sendo €30.000,00€ a cada um dos AA, a título de indemnização por todos os não patrimoniais sofridos em consequência da morte do seu marido e pai D...

    , quantias sobre as quais peticionou ainda juros contados à taxa legal desde a citação.

    Em fundamento alegou, em síntese útil, que no dia 19 de Outubro do ano de 2011, pelas 13,20 horas, o veículo articulado composto por um tractor da marca Scania, modelo 440A, com a matrícula JT..., e o semi-reboque da marca Krone, com a matrícula CW ...era conduzido por D..., marido da autora A... e pai do autor B....

    O mencionado conjunto era pertença da sociedade “F...

    , Lda.”, entidade patronal do identificado condutor, em cujo interesse o conduzia naquele dia e hora pela auto-estrada AP-8, em Espanha, em direcção a Behodia.

    Ao quilómetro 71,300, local onde a via desenha uma ligeira curva para a esquerda, sobre o viaduto que atravessa o Bairro Azitain, da localidade de Eibar (Gipuzkoa), o tractor JT... virou-se de repente sobre o eixo vertical e deslocou-se para a esquerda, onde colidiu com a barra de protecção. Enquanto isso, o reboque arrastou-se, mantendo a trajectória e produzindo o chamado “efeito tesoura”. De seguida, o JT... voltou para o lado direito da estrada, colidindo com a barra de protecção daquele lado, que se partiu com o embate, acabando por cair de uma altura de 29 metros, numa vala próxima do Rio Ego.

    O descrito acidente, de que resultou a morte do condutor, ficou a dever-se ao estado da via, concretamente à existência de um buraco numa das juntas de dilatação da plataforma do viaduto por onde circulava o veículo, e ainda à chuva que caía no momento do acidente e que reduziu a aderência dos pneus à estrada.

    O falecido D..., que contava apenas 30 anos de idade, faleceu no estado de casado com a A. A... e era pai do A. B..., formando com eles uma família unida e feliz, tendo a sua morte causado em ambos profundo desgosto, privando-os do pilar da vida familiar.

    O acidente de viação descrito, sendo igualmente de caracterizar como acidente de trabalho, deu origem a processo para fixação de indemnização que correu seus termos no Tribunal do Trabalho da comarca de Caldas da Rainha sob o n.º 363/11.2TTCLD sem que aí tenham sido indemnizados os danos de natureza patrimonial sofridos pelos AA e cujo ressarcimento agora reclamam.

    Apelando à jurisprudência, que disse ser pacífica, dos Tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, quanto ao facto da exclusão antes prevista no art.º 7.º do DL 522/85 de 31/12 e actualmente consagrada no artigo 14.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, que veio revogar aquele Decreto-Lei, não excluir os danos próprios de natureza não patrimonial sofridos pelo cônjuge e filhos do condutor do veículo decorrentes da sua morte, assentou juridicamente a sua pretensão nos art.ºs 496.º n.º 3 e 499.º do Código Civil e n.º 1 do art.º 14.º do DL 291/2007, de 21 de Agosto.

    * Regularmente citada, a ré contestou por excepção, tendo alegado em fundamento que o contrato celebrado com a proprietária do veículo articulado interveniente no acidente de viação não garantia quaisquer indemnizações por danos corporais ou materiais sofridos pelos seus ocupantes, incluindo o condutor, mas tão-somente a responsabilidade civil emergente da sua circulação, nos termos do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

    Deste modo, atenta a descrição do acidente constante da petição inicial, o mesmo ocorreu sem que qualquer responsabilidade possa ser assacada ao condutor do veículo, marido e pai dos AA, sendo de imputar em exclusivo a culpa pela sua ocorrência ao dono e/ou ao concessionário da referida auto-estrada.

    Nestes termos, sendo a culpa de terceiro, e sem necessidade de entrar na discussão da destrinça entre danos corporais e danos materiais e de quem pode ser considerado terceiro para efeitos de aplicação das regras relativas ao seguro obrigatório automóvel, concluiu não recair sobre si qualquer obrigação de indemnizar os AA.

    Acrescentou que ainda que viesse a entender-se que o acidente nos autos era de imputar a conduta culposa do condutor do veículo segurado, teria igualmente de se entender encontrar-se excluída a sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização dos danos de natureza não patrimonial, atento o disposto no art.º 14.º, n.º 1 do DL 291/2007, de 21 de Agosto.

    Mais impugnou cautelarmente, por desconhecida, a factualidade alegada pelos AA no que concerne aos danos sofridos, pugnando a final pela sua absolvição.

    * A autora replicou, defendendo a improcedência da denominada excepção.

    * Dispensada a realização da audiência preliminar e fixado o valor da causa, prosseguiram os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a ré: “a) a pagar à Autora A... a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento; b) a pagar ao Autor B... a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais; acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento”.

    Inconformada, apelou a ré seguradora e, tendo apresentado as necessárias alegações, formulou a final as seguintes proposições conclusivas: “1.ª Como resulta da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, o acidente de que resultou a morte de D... é exclusivamente imputável à pessoa ou entidade responsável pela construção e/ou manutenção da plataforma do viaduto por onde circulava o veículo seguro na ora apelante, pelo que será essa pessoa ou entidade que terá a obrigação, de acordo com o disposto no art.º 483.º, n.º 1 do Código Civil, de indemnizar os danos emergentes desse acidente de viação, incluindo os peticionados pelos ora recorridos.

    1. Assim, não tendo tido o condutor do veículo seguro na ora apelante qualquer responsabilidade na eclosão do acidente, nunca poderia esta ser obrigada a indemnizar quem quer que pudesse ter sofrido danos em consequência desse acidente, uma vez que o contrato de seguro obrigatório automóvel celebrado apenas transferiu para esta a obrigação de indemnizar de quem, por força da circulação do veículo automóvel JT... e seu semi-reboque CW-7323, fosse civilmente responsável pela reparação de danos, corporais ou materiais, causados a terceiros.

    2. Ao decidir de forma diversa, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art.º 483.º, n.º 1 do Código Civil e nos art.ºs 4.º-1 e 11.º do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, bem como AUJ n.º 12/2014, publicado no DR, I série, n.º 129, de 8 de Julho de 2014, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente e, em consequência, absolva a ré e ora apelante, dos pedidos formulados.

    3. - Caso se entenda não estarem provados factos suficientes para atribuir a responsabilidade exclusiva a terceiros (construtor e/ou...

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