Acórdão nº 17/08.7IDLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelOLGA MAUR
Data da Resolução21 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos foi o arguido A...

condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, do art. 105º, nº 1, 2, 4, 5 e 7 do RGIT, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por 3 anos, sob a condição de, até ao termo do prazo de suspensão, pagar as quantias de IVA retidas, no valor de 227.371,12 €, e acréscimos legais.

A arguida B...

, Ldª, foi condenada pela prática do mesmo crime na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 10 €.

  1. Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «I. Foi o recorrente condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal pela falta de entrega de IVA referente aos períodos de Janeiro, Março, Agosto, Setembro e Dezembro de 2006 e Fevereiro, Março e Maio de 2007.

    lI. Tendo sido apurado IVA a pagar no montante de € 235.415,15, sendo o montante que constitui ilícito criminal de € 227.371,12, por ter sido este considerado efectivamente recebido pela sociedade arguida.

    IlI. Do mesmo resulta que o IVA foi oficiosamente apurado pelos Serviços de Inspecção Tributária pelo facto de não ter sido, pela sociedade originária, apresentadas as respectivas declarações periódicas de IVA nos períodos de 0601 a 0707, que, como ficou demonstrado pelo depoimento das testemunhas lida C...e D..., se deveu ao facto de a referida Técnica Oficial de Contas ter renunciado àquelas funções, obrigando, a sociedade devedora originária, a reorganizar-se - cfr. notas n.ºs 1 e 2.

    1. O montante do IVA a pagar, de acordo com o Relatório de Inspecção junto aos autos, foi apurado tendo em conta a contabilidade da sociedade arguida, sendo que o efectivo recebimento do IVA alegadamente devido foi confirmado através dos recibos constantes na contabilidade, conforme resultou do depoimento da testemunha ouvida em sede de audiência de julgamento, E..., parcialmente transcrito nas notas de rodapé n.º 3 e 5.

    2. Sucede, porém, que facturas houve cujo recebimento não se verificou, o que facilmente poderia - e deveria - ter sido verificado pelos serviços de inspecção tributária, conforme resulta da prova feita em sede de audiência de julgamento, através do depoimento da testemunha D... - cfr. nota de rodapé n.º 4.

    3. Com efeito, do depoimento da testemunha resultou que houve, pelo menos, duas facturas, de elevada monta, que não foram efectivamente pagas à sociedade arguida.

    4. Uma delas, respeitante a negócios assumidos entre a sociedade arguida e uma outra empresa do grupo, a B... lI - Promoções Imobiliárias, Lda., no montante de € 71.616,94 - cujos recibos resultam dos presentes autos a fls. 135, 137 e 154 - por traduzirem operações que não existiram na realidade.

    5. E a outra, referente ao período de Janeiro de 2006, emitida à sociedade J..., Lda., cujo montante por receber foi de € 119.239,05, a que corresponde um valor de IVA de € 19.038,17 - conforme resulta do extracto de conta a fls. 114 dos presentes autos - cujo recibo foi emitido na expectativa de o pagamento ser efectuado através de um terreno propriedade da sociedade devedora, que veio mais tarde a frustrar-se por força de um arresto de que foi o referido terreno objecto.

    6. Donde resulta não ter sido o IVA referente àquelas facturas recebido pela sociedade arguida, sendo certo que, como resultou do depoimento, tal recebimento não foi verificado pela Administração Tributária - cfr. depoimento parcialmente transcrito na nota de rodapé n.º 5.

    7. E nem se diga que tal verificação não lhe estava acometida, porquanto o critério de fiscalização, seja a favor, seja contra a Administração Tributária, terá que ser o mesmo, em estrito cumprimento do princípio da legalidade e igualdade tributária.

    8. E sendo certo que o crime que foi o aqui recorrente condenado se consuma com a apropriação do montante efectivamente recebido a título de IVA e não entregue nos cofres do Estado, tal verificação impunha-se, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material, por forma a demonstrar tal apropriação, que, nos presentes autos, não foi, confessadamente, demonstrada.

    9. Não podendo, como tal, comprovar-se o efectivo recebimento do IVA cuja entrega foi o recorrente acusado de não efectuar, através de um mero recibo que pode não traduzir - de resto, tal como tantas vezes defendido pela Administração Tributária noutros processos crime de natureza tributária - o recebimento efectivo.

    10. É de notar que a testemunha E... diz, no seu depoimento, "... o recibo é um documento de quitação. A partir do momento em que a empresa emite o recibo, parte-se do princípio que a empresa recebeu ..." - cfr. nota de rodapé n.º 3 - donde resulta que o efectivo recebimento do IVA que é dado como provado nos autos está alicerçado numa mera presunção.

    11. Ora, in casu, se a testemunha D..., consultor da sociedade arguida, afirma, com toda a convicção e credibilidade, que os montantes acima referidos, entre outros, não foram efectivamente recebidos - cfr. depoimento parcialmente transcrito na nota de rodapé n.º 4 - e se a testemunha E... afirma, também convictamente, que não verificou o efectivo recebimento, apenas dando como bons os recibos existentes na contabilidade da sociedade arguida - cfr. notas de rodapé n.ºs 3 e 5 - não poderia, pelo tribunal a quo, ter sido dado como provado o seu efectivo recebimento.

    12. Acresce que, os resultados apurados no Relatório de Inspecção, dados como provados nos presentes autos, não poderiam ter merecido qualquer credibilidade pelo tribunal a quo, senão vejamos: XVI. Resulta do Relatório de Inspecção que a Administração Tributária apurou, do IVA contabilizado, o montante de € 20.323,13 de IVA que não foi efectivamente recebido pela sociedade arguida.

    13. Ora, ainda que seja considerado que os recibos juntos aos autos reflectem o efectivo recebimento das facturas a que correspondem, certo é que da contabilidade da sociedade arguida - a que a Administração Tributária deu toda a credibilidade - resultam facturas não pagas, nos períodos em crise, no montante de € 289.740,20 - cfr. extracto de contas insertos a fls. 115, 116, 117, 119, 120, 125, 127, 128, 129, 130 e 134 - como segue no quadro infra: Cliente Fls. dos autos Facturas não pagas IVA liquidado e não recebido M... Fls. 105 e 93 10.378,03 € 1.657,00 € N... Fls. 103 e 108 35.500,00 € 5.668,07 € O... Fls. 97 10.726,50 € 1.712,63 € P... Fls. 94 e 106 33.880,00 € 5.409,41 € Q... Fls. 112 48.264,04 € 7.706,02 € L... Fls. 107 78.427,50 € 12.522,04 € R... Fls. 98 72.564,13 € 11.585,87 € TOTAL 289.740,20 € 46.261,04 € XVIII. Em relação às quais foi liquidado IVA no montante de € 46.261,04, e que não foi recebido, sendo que, inexplicavelmente, do relatório de inspecção cuja matéria foi dada como provada pelo tribunal a quo resulta um montante de IVA não recebido de apenas € 20.323,13 - cfr. pág. 3 do relatório de inspecção inserto nos autos a fls. 3.

    14. Mas mais grave ainda: facturas existem cujo IVA foi liquidado e recebido, não pela sociedade arguida, mas pela própria Administração Tributária.

    15. O que se deixou XXI. Com efeito, a factura identificada no extracto de conta a fls. 134, foi paga em 20 de Novembro de 2007, através de uma penhora de créditos efectuada ao abrigo do processo de execução fiscal n.º 1348200701007114, cujo IVA, claro está, no montante de € 3.121,80, foi recebido directamente nos cofres do Estado - cfr. doc. n.º 1.

    16. Da mesma forma, o montante de € 6.501,81, respeitante ao pagamento parcial da factura n.º 262 - cfr. extracto de conta a fls. 129 - foi pago, pela sociedade L..., Lda. directamente à Administração Tributária, no âmbito de uma penhora de créditos e aplicada no processo de execução fiscal n.º 1348200601010220 e apensos - cfr. doc. n.º 2, cujo IVA, no montante de € 1.038,10, foi recebido pela Administração Tributária e não pela sociedade arguida ou pelo aqui recorrente.

    17. Também a factura n.º 252 de 20 de Setembro de 2006 - cfr. extracto de conta a fls 120 - emitida à sociedade Construmansos, Lda., no valor de € 72.564,13 foi, na sua totalidade, paga através de penhora de créditos no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, em 18 de Julho de 2007 - cfr. doc. n.º 3 - à qual correspondeu um IVA liquidado e pago nos cofres do Estado de € 11.585,87.

    18. Ora, respeitando aquela factura ao período de Setembro de 2006, deveria a Administração Tributária, em concreto, os serviços de inspecção tributária, ter apurado IVA liquidado e não recebido pela sociedade arguida, pelo menos, no montante correspondente ao referido IVA de € 11.585,87; contudo, como resulta do quadro presente na página 3 do relatório de inspecção, daquele período resulta apenas, a título de IVA liquidado e não recebido, o montante de € 6.851,74.

    19. Pelo que dúvidas não podem existir quanto ao facto de a Administração Tributária ter considerado o referido montante de IVA como tendo sido recebido pela sociedade arguida, imputando-lhe a ela e aos demais arguidos, a responsabilização penal por se terem aqueles apropriado de um montante de IVA, por não o terem entregue nos cofres do Estado, o mesmo IVA que a Administração Tributária recebeu nos seus cofres directamente, o que constituiu acto ilegítimo, ilegal e imoral.

    20. Ora, o tribunal não só não relevou a prova, quer testemunhal, quer documental, produzida nos presentes autos quanto a esta matéria, como nem sequer da mesma fez qualquer tipo de apreciação relativamente à mesma, como resulta da sentença recorrida.

    21. Acresce que, no âmbito do referido procedimento inspectivo, foi também apurado um montante de IVA a recuperar de € 119.620,02, isto é, um crédito de IVA.

    22. Que, de acordo com a prova documental produzida nos presentes autos - rectius, relatório de inspecção - e com a prova testemunhal (cfr. nota de rodapé n.º 8), não pôde ser considerado porquanto, alegadamente a sociedade arguida teria perdido o direito ao referido crédito por força do incumprimento das suas obrigações declarativas.

    23. Sem prejuízo de se deixar a nota, deixada...

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