Acórdão nº 6/11.4TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2015
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 17 de Março de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. F (…) apresentou-se à insolvência, aduzindo os factos correspondentes e requerendo, além do mais, a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto nos art.ºs 235º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas/CIRE[1] (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3).
Em 31.5.2011, o tribunal recorrido admitiu liminarmente o incidente de exoneração do passivo restante, uma vez observadas as condições previstas no art.º 239º, e declarou que durante os cinco anos seguintes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível do devedor considera-se cedido à fiduciária.
Declarado o encerramento do processo, com a menção de que “os autos não podem ser remetidos para o arquivo antes de findo o período da cessão”, verificou-se, depois, que, na decisão que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, não fora fixado o montante a excluir do rendimento disponível do devedor, nos termos do art. 239º, n.º 3.
No âmbito das diligências visando o suprimento de tal omissão, a Administradora da Insolvência entendeu dever ser excluído do rendimento disponível o equivalente a 2,75 x SMN; os credores pugnaram pela fixação de montante não superior a dois salários mínimos nacionais; e o insolvente veio pugnar pela exclusão de três salários mínimos nacionais, para além dos montantes recebidos a título de isenção de horário e subsídio de férias.
O Tribunal a quo, por decisão de 27.3.2014, para efeitos do disposto no art.º 239º, n.º 3, alínea b), determinou as seguintes exclusões no rendimento do insolvente a ceder ao fiduciário: a) o equivalente mensal a dois salários mínimos nacionais; b) metade das despesas médicas e medicamentosas comprovadamente suportadas com a filha menor do insolvente.
Inconformado, pugnando pelo integral deferimento do pedido, o insolvente interpôs o presente recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: 1ª - Ao sustentar a decisão sobre o rendimento indisponível na capacidade de ganho da companheira do recorrente para afastar, parcialmente, as despesas que este tem com a sua filha menor, o Mmo. Tribunal a quo decidiu mal, com violação do disposto nos art.ºs 1º e 239º, n.º 3, do CIRE, 2º, 3º e 4º, do CPC e 13º, 20º, 202º e 2º, da CRP.
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- Consequentemente, ao determinar o montante com o qual o recorrente fica disponível para, entre outras, pagar as despesas com alimentos devidos à sua filha, com recurso não à efectiva capacidade financeira da sua companheira, coobrigada nos alimentos mas sim com recurso à sua putativa capacidade potencial de ganho, violou, entre outros, os art.ºs 36º, n.º 5, 68º, 69º, 73º, 74º e 78º, da CRP.
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- A sentença recorrida vai ferida de nulidade, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, na medida em que um dos fundamentos da decisão, a 'capacidade financeira de pagar os encargos presumidos com o patrocínio forense', a ser verdadeiro, só ocorreria após a definição do rendimento indisponível, o qual foi definido com recurso a este fundamento - há um manifesto erro de raciocínio, na medida em que a conclusão é simultaneamente o facto do qual ela se extrai.
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- Aceitar a valoração em prejuízo do recorrente do facto de ter advogado constituído, aceitando em alternativa (ou ainda) a conclusão que se deve impedir o patrocínio forense através da apreensão de rendimentos que o permitam pagar, forçando o patrocinado a optar pela sua alimentação e pagamento de outras necessidades essenciais ou pagar a um advogado é manifestamente ofensivo dos art.ºs 40º e ss CPC, e art.ºs 2º, 208º e 20º, da CRP.
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- Deverá expressamente excluir-se a compensação por isenção de horário de trabalho do rendimento disponível, uma vez que não se trata de verdadeiro rendimento, outrossim de uma compensação de natureza pecuniária, cujo objectivo é permitir ao trabalhador atenuar os efeitos na vida pessoal e familiar decorrentes da obrigação de estar permanentemente disponível e em contacto, incluindo nas férias e épocas festivas.
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- O direito a férias pagas é um direito com assento constitucional, cf. art.º 59º, n.º 1, al. d), da CRP, pelo que a cessão de créditos que ofenda o seu gozo, por cinco anos, será sempre inconstitucional por violar esta norma! Não foi apresentada resposta à alegação de recurso.
Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso), coloca-se, sobretudo, a questão de saber se o Tribunal recorrido fixou adequadamente o “rendimento disponível” e se o fez respeitando o quadro normativo vigente.
* II. 1. Para a decisão do recurso releva o que decorre do precedente “relatório” e a seguinte factualidade:
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O Tribunal recorrido considerou “relevantes os seguintes factos”: a) O insolvente vive com uma companheira e a filha comum de ambos, ainda bebé, numa casa arrendada, mediante pagamento de uma renda mensal de € 300.
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A companheira do insolvente trabalha a tempo parcial, auferindo o vencimento mensal ilíquido de € 250.
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O agregado do insolvente paga € 128 mensais pela frequência da filha na creche.
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Suporta mensalmente despesas com água canalizada, electricidade, gás, num total mensal que ronda os € 130.
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E ainda as despesas de condomínio, no montante de € 20 mensais, bem como despesas em alimentação, higiene, medicamentos, vestuário e calçado.
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O insolvente aufere o vencimento mensal ilíquido de € 960, a que acresce o valor de € 240 de isenção de horário.
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O insolvente suporta ainda despesas de combustível para se deslocar entre o seu local de trabalho e casa, em montante não concretamente apurado mas não superior a € 160 mensais.
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Importa atentar ainda na seguinte factualidade[2] a) Em 03.01.2011, o requerente/insolvente, nascido a 23.02.1979, instaurou o presente processo e requereu a declaração do seu estado de insolvência.
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Foi declarado insolvente por sentença proferida em 02.02.2011.
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Foi apreendida...
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