Acórdão nº 338/13.7TBOFR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução17 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

No processo especial de revitalização, em que é requerente e devedor ‘S…, Lda.’, que corre termos no Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou no dia 18 de Junho de 2014, o plano de revitalização.

O plano – que num universo de créditos no valor de € 2.837034, 86, foi votado por credores detentores de créditos no valor de € 2.215.367,66, tendo obtido votos favoráveis e desfavoráveis correspondentes a € 1.623.984,44, de créditos comuns e garantidos, e a € 591.383,22 respectivamente – prevê, no tocante aos credores…, o pamento integral, em prestações, do capital em dívida, e, relativamente aos demais credores comuns, o pagamento de 10% da dívida de capital.

Os credores … opuseram-se à homologação do plano.

Então, a Sra. Juíza de Direito, proferiu, no dia 4 de Julho de 2014, esta decisão: (…) O plano em causa contempla um pagamento integral do capital em dívida em prestações, com perdão de juros vencidos e vincendos no que respeita aos credores ... No que respeita aos restantes credores comuns (fornecedores), o plano em causa comtempla o perdão total de juros vencidos e vincendos e o pagamento parcial de 10% do montante em dívida em prestações.

Ora, é manifesta a desigualdade de tratamento do plano em apreço relativamente aos credores de natureza comum, pelo que se impõe analisar os fundamentos que subjazem a esta desigualdade e aferir se os mesmos se integram em diferenciações justificadas por razões de ordem objectiva, tal como permite a lei.

Seguindo o plano em causa, temos que a justificação para a notória desigualdade é, em suma, a seguinte: - a credora N… é considerada vital para o desenvolvimento da actividade da requerente, pois é um dos seus principais fornecedores, tendo garantido a continuidade dos fornecimentos sem alteração de condições, para além de que tem proporcionado à devedora oportunidades de negócio que lhe garantem a sustentabilidade.

- As credoras … são fundamentais para a prossecução da actividade da Requerente, tendo desempenhado papel fundamental quando outros credores se recusaram a fornecer a devedora, aproveitando-se da sua frágil situação económica para promoverem alterações nas condições e preços de fornecimento, numa clara estratégia de aproveitamento da instabilidade daquela. Mais refere que face ao limitado número de fornecedores têm um papel essencial.

- As credoras … são também estratégicos na medida em que os seus serviços são essenciais à continuidade da empresa, pois garantem a continuidade dos seus fornecimentos e encontram-se dispostos a apoiar a empresa nesta fase de recuperação.

- A credora … é essencial porquanto a Devedora necessita da mesma para prosseguir a sua actividade.

Analisados os fundamentos invocados entendemos que os mesmos não consubstanciam razões objectivas susceptíveis de justificar a enorme diferenciação de tratamento existente entre os credores comuns, a qual se afigura manifestamente desproporcionada.

Da alegação contida para justificar a diferenciação, retira-se que os critérios que se encontram subjacentes à mesma assentam, ainda que em parte, no facto de alguns credores terem manifestado disponibilidade para apoiar a Requerente nesta fase de recuperação e outros terem alterado os preços e as condições de fornecimentos.

Ora, a diferenciação dos credores no âmbito do plano de recuperação não pode ser utilizada para premiar os credores que aceitaram as condições impostas pela Devedora em detrimento daqueles que as não aceitaram.

Não são invocados no plano em causa factos objectivos dos quais se possa concluir que efectivamente esses credores comuns mais beneficiados são essenciais para a Requerente, não bastando, a nosso ver, alegar sem qualquer concretização que os mesmos garantem a continuação dos seus fornecimentos sem alteração de condições. Ademais, o alegado número limitado de fornecedores não confere essa essencialidade, pois como a própria requerente admite, existem mais fornecedores.

Os fundamentos invocados pela Requerente para a diferenciação de pagamento aos credores comuns, assentou, a nosso entender em critérios subjectivos e relacionados com o apoio e disponibilidade que alguns credores manifestaram relativamente à situação da devedora.

O pagamento da totalidade da dívida a alguns credores de natureza comum, por confronto com o pagamento de apenas 10% da dívida a outros credores, também de natureza comum, é manifestamente desproporcional e desrazoável.

Para além disso, a desproporção em causa não se encontra justificado por razões objectivas que a sustente. Acresce que, esse tratamento mais desfavorável, não foi consentido pelos credores afectados, os quais, de resto, votaram contra o plano de recuperação em causa, e se manifestaram expressamente contra a sua homologação.

O plano de recuperação apresentado viola o princípio da igualdade previsto no art.º 194º do CIRE, aplicável ao presente processo de revitalização por força do disposto no n.º 5 do art.º 17.º - F do CIRE, o que configura violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação em apreciação nos presentes autos de revitalização, que impõe a recusa da sua homologação (…).

Em face dos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no artº 17º-F, nº 5, 194º, nº 1 e 215º do CIRE, o Tribunal recusa, pela presente sentença, o plano de recuperação”.

É, precisamente esta sentença, que a devedora revitalizanda, impugna no recurso ordinário de apelação – no qual pede a sua alteração por outra que homologue o plano de recuperação – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: ...

Apenas a credora I…, SL, Sucursal de Portugal, respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    Os factos que relevam para o conhecimento do objecto do recurso – relativos, na sua essência, ao conteúdo do plano – são os que o relatório, em síntese apertada, documenta.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso Como o âmbito objectivo do recurso é recortado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, pelo requerimento de interposição pelas conclusões e pelas conclusões que o impugnante extrai da sua alegação, a questão controversa que esta Relação é chamada a resolver – tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação do recorrente - é a de saber se a decisão que homologou o plano de recuperação dos devedores deve ser revogada e, consequentemente, se deve recusar-se a homologação desse mesmo plano (artºs 635 nºs 2, 1ª parte, 3 e 4 do NCPC).

    A decisão impugnada é constituída pela sentença, que, no contexto do processo especial de revitalização, com fundamento na violação do princípio da igualdade dos credores, recusou a homologação do plano de recuperação aprovado pelas maiorias exigíveis. A devedora, acha, porém, que as distinções que o plano opera entre os credores comuns são objectivamente fundamentadas e, por isso, aquele não viola o princípio estruturante da igualdade.

    Nestas condições, considerando os parâmetros da competência decisória desta Relação, representados pelo conteúdo da decisão impugnada alegação da recorrente, é só uma a questão concreta controversa que importa resolver: a de saber se a decisão de recusa de homologação do plano de recuperação deve ser revogada e logo substituída por outra que o homologue.

    A resolução deste problema vincula, naturalmente, ao exame, ainda que leve, do princípio da igualdade dos credores.

    3.2.

    Princípio da igualdade dos credores.

    O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal (artº 1 nº 1 do CIRE).

    Na acção executiva promove-se, em geral, a realização coactiva de uma única prestação contra um...

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