Acórdão nº 744/14.0TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução15 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A..., S.A., com sede na (...), Lisboa, intentou a presente acção contra B... , residente na (...), Viseu, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 21.307,38€, acrescida de juros de mora desde 10/01/2014 até pagamento.

Alega, para o efeito, que, no dia 15/01/2012, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente um veículo conduzido pela Ré, acidente que ocorreu por culpa da Ré dada a velocidade excessiva a que circulava e a taxa de álcool de 1,34g/l que apresentava. Alega que, ao abrigo do contrato de seguro que havia celebrado relativamente a esse veículo, despendeu a quantia global de 21.307,38€ com a reparação dos danos causados e com despesas diversas, assistindo-lhe agora o direito de regresso contra a Ré em virtude de a mesma circular com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida.

A Ré contestou, impugnando alguns dos factos vertidos na petição inicial e alegando, em suma, que não existe qualquer nexo de causalidade entre o acidente e a taxa de alcoolemia que apresentava, razão pela qual não assiste à Autora qualquer direito de regresso. Alega que não circulava com excesso de velocidade e que, considerando o estado do piso, o mau tempo (chuvoso) que se fazia sentir, a estação do ano em que se encontrava à data do acidente (Janeiro, época de muito gelo em Viseu), a intervenção de um veículo terceiro que imprudentemente não sinalizou a sua marcha, e os atentos reflexos da R. para não embater nesse veículo terceiro, justificam que o acidente poderia ter ocorrido, tivesse ou não a R. consumido bebidas alcoólicas. Mais alega que o embate apenas causou lesões ao passageiro C... , porque este estava ébrio e porque não havia colocado o cinto de segurança como era de sua obrigação e conforme lhe foi insistentemente pedido por todos os passageiros da viatura.

Assim e impugnando ainda o valor dos danos e as quantias peticionadas, conclui pedindo a sua absolvição do pedido.

Foi realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e foi fixado o objectivo do litígio, com delimitação dos factos já admitidos por acordo e dos factos que seriam objecto de prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 21.307,38€, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 10/01/2014 até integral pagamento.

Inconformada com essa decisão, a Ré veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. Nos artigos 17º a 27º da petição inicial, a A. articulou os factos que constituem a causa de pedir na ação.

  1. Discorda a recorrente da Douta Sentença “a quo”, quer quanto à matéria de facto que foi dada como provada, quer quanto à matéria de facto que foi dada como não provada, a qual é susceptível de ser modificada por ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados e constarem dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto, conforme estipula o art. 662º nº 1 alínea do CPC.

  2. Temos pois que, constitui objecto do litígio, saber se se mostram verificados os pressupostos de que depende o accionamento do direito de regresso e em caso afirmativo em que medida.

  3. Assim, a recorrente impugna: (i) a matéria de facto considerada provada nos pontos 20, 21, 22 e 23 da Douta Sentença, por entender estar incorrectamente julgada, devendo ser dada como não provada; e (ii) toda a matéria de facto considerada não provada.

  4. Em audiência de julgamento não foi feita prova dos factos considerados provados e quanto aos factos considerados como não provados não foi efectuada uma ponderosa e prudente análise crítica da prova produzida.

  5. O Tribunal “a quo” fundamentou a procedência da acção no facto de a ré não ter logrado provar que os ferimentos causados no passageiro C... apenas ocorreram por incúria deste, uma vez que não estava munido do cinto de segurança e apresentava um TAS de 2,66 g/l, que o mantinha praticamente inerte.

  6. Contudo, desconsiderou totalmente, o facto de nenhum dos outros passageiros ter sofrido qualquer lesão ou ferimento ainda que leve, o que só se deveu à circunstância de cumprirem integralmente, as regras de segurança.

  7. Ao dar por provado que o passageiro C... não levava cinto, o que foi confirmado pela testemunha Agente D... , E... e F... , e que apresentava uma TAS de 2,66 g/l, a Mmª Juiz “a quo” reconhece as causas que acabariam por conduzir o passageiro às lesões e, consequentemente, ao embate da viatura.

  8. Atentos os depoimentos das testemunhas que presenciaram a ocorrência, não resulta entendível que o Tribunal “a quo” não tenha valorado os seus depoimentos no sentido de dar por assente o estado do piso e as condições climatéricas que terão estado na origem do acidente, e contribuíram para a derrapagem da viatura.

  9. A imediata reacção da recorrente ao travar de modo a evitar a colisão no veículo que se atravessou no seu caminho, é demonstrativo da “pureza” dos seus reflexos.

  10. De resto, é a A. ora recorrida, que reconhece na sua p.i. (art. 9º) a existência de um veículo não identificado.

  11. Claro que o estado do piso gelado e o orvalho típico da hora, mês/estação do ano em que ocorreu o acidente, contribuiriam para um deslizamento da viatura e embate no muro.

  12. E embora não tivesse ficado provado que o condutor do veículo terceiro não sinalizou a sua marcha, também não resultou provada qual a extensão de visibilidade da estrada onde ocorreu o acidente, pelo que fortes dúvidas se colocam quanto à culpa da recorrente no acidente, e mesmo quanto à questão de saber se foi a lentidão da capacidade de reacção da recorrente devido ao grau de alcoolemia de que era portadora, que levou a que não conseguisse evitar a colisão.

  13. Entende-se pois, que face à prova apurada, dúvidas se suscitam quanto à demonstração da culpa da recorrente na eclosão do acidente, para além de que, apresentando aquela, uma taxa de alcoolemia superior ao limite mínimo legal, sempre haveria que analisar o conjunto dos factos demonstrados para se poder concluir, subsequentemente, pela verificação do nexo de adequação entre a condução sob a influência do álcool e o acidente em questão.

  14. Do mesmo modo, não ficou demonstrada a extensão de visibilidade da estrada onde ocorreu o acidente, o que redundará inevitavelmente, na falta de demonstração da culpa da recorrente na eclosão do acidente, bem assim, se foi a lentidão da capacidade de reacção da recorrente devido ao grau de alcoolemia de que era portadora, que fez com que não conseguisse evitar o embate.

  15. Para estabelecer a causalidade pela qual o Tribunal “a quo” acabou por concluir não basta, em abstracto, que a influência alcoólica da condutora seja adequada a desencadear o facto danoso, sendo necessária a demonstração por parte da A. dos malefícios da condução sob os efeitos do álcool, não dos que assentam a qualquer condutor, mas antes factos relativos ao concreto condutor não obstante a existência do princípio da livre convicção do juiz.

  16. Tendo em consideração que no momento do acidente havia nevoeiro; que o piso estava húmido, que um veículo se atravessou se aproximou do veículo conduzido pela recorrente o que a terá assustado e feito com que travasse, e o carro se despistasse por forma a evitar a colisão nesse veículo; que o passageiro C... vinha com uma TAS de 2,66 g/l, inconsciente e sem cinto, são, contrariamente ao decidido, causas justificativas do que verdadeiramente causou o acidente 18. E estes são elementos preponderantes e essenciais, que resultaram dos depoimentos das testemunhas que confirmaram o acidente no local, e que mal interpretados e mesmo desconsiderados, consubstanciaram na sentença de que aqui se recorre.

    Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida nos termos supra referidos.

    A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: 1. Entende a ora Recorrida que a sentença ora objecto de recurso não padece de qualquer vício, concordando integralmente com os factos dados como provados e não provados e a aplicação do Direito ao caso em apreço.

  17. O meritíssimo juiz do tribunal a quo dos factos dados como provados, não podia extrair conclusão/decisão diversa daquela que se repercutiu na douta sentença, atenta a matéria dada como provada.

  18. De facto as doutas alegações da Recorrente não colhem qualquer fundamentação legal uma vez que não existe qualquer contradição entre a matéria dada como provada e a decisão.

  19. Da conjugação da prova produzida em audiência de julgamento, resulta de forma inequívoca o Recorrente circulava com uma taxa de álcool de pelo menos 1,03 g/l, tendo os seus reflexos diminuídos.

  20. Facilmente se alcança que se estabeleceu e foi provado o nexo causal entre a condução sob o efeito de uma elevada taxa de alcoolemia, e a produção do acidente.

  21. No entanto, e mesmo que assim não se entenda, é entendimento consensual por parte da jurisprudência, que não é necessária a prova do nexo causal entre a condução sob o efeito de uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e a responsabilidade pela culpabilidade do sinistro.

  22. Com efeito, o tribunal a quo explicitou de forma clara e inequívoca a decisão, ao referir, expressamente o seu douto entendimento no que concerne ao direito de regresso invocado pela Recorrida e aos pressupostos inerentes aos mesmos, os quais resultaram como provados.

  23. Assim, concluiu e bem o tribunal a quo: “ Face à exposição que antecede, duvidas não restam de que a ré conduzia aquando do embate com a taxa superior à legalmente permitida, designadamente com a taxa de pelo menos 1,03 g/l, tendo os seus reflexos diminuídos, conduzindo com falta de cuidado e zelo sem que conseguisse controlar o veículo e evitar o embate.” Com estes fundamentos, conclui pela improcedência do recurso.

    ///// II.

    Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as...

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