Acórdão nº 2604/15.8T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução22 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: C(…) CRL., Exequente nos autos à margem referenciados e neles melhor identificada, tendo sido notificado do despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo apresentado e com ele não se conformando, veio dele interpor recurso de Apelação, alegando e concluindo que (…) ** II. Os Fundamentos: Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir: São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos Autos; destacando, em particular, que: 1 - No exercício da sua actividade creditícia, a Exequente ora apelante, concedeu aos executados um empréstimo no montante de 17.000,00€ (dezassete mil euros), destinado a financiar a actividade dos Executados.

2 - O empréstimo encontra-se titulado por contrato de mútuo com fiança, celebrado no dia 3 de Setembro de 2012, em Tabuaço - conforme Doc. 1 junto e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

3 - Para garantia do bom e integral pagamento do capital mutuado, juros, impostos, comissões, encargos e despesas, a Executada (…) constituiu-se como garante pessoal na qualidade de fiadora, assumindo solidariamente com os Executados e como principal pagadora todos as obrigações decorrentes do contrato de mútuo celebrado.

4 - Interpelados para proceder à liquidação do capital mutuado e respectivos juros, os Executados não procederam à liquidação da dívida.

1 - No exercício da sua actividade creditícia, a Exequente ora apelante, concedeu aos executados um empréstimo no montante de 17.000,00€ (dezassete mil euros), destinado a financiar a actividade dos Executados.

2 - O empréstimo encontra-se titulado por contrato de mútuo com fiança, celebrado no dia 3 de Setembro de 201 2, em Tabuaço - conforme Doe. 1 que se junto e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

3 - Para garantia do bom e integral pagamento do capital mutuado, juros, impostos, comissões, encargos e despesas, o Executado (…) constituiu-se como garante pessoal na qualidade de fiadora, assumindo solidariamente com os Executados e como principal pagadora todos as obrigações decorrentes do contrato de mútuo celebrado.

4 - Interpelados para proceder à liquidação do capital mutuado e respectivos juros, os Executados não procederam à liquidação da dívida.

5 - Motivo pelo qual, no dia 30/04/2015 o Exequente, ora Apelante apresentou em juízo requerimento executivo para cobrança do respectivo crédito no montante total de 16.155,11 €, dando à execução o documento particular supra identificado.

6 - Sucede que, por decisão dotada de 06/05/2015, o tribunal o quo entendeu "indeferir liminarmente o requerimento executivo apresentado, nos termos do disposto no artigo 726.°, n.º 2, o) do CPC, por ser manifesto a falta do título".

* Não foram produzidas contra-alegações.

* Nos termos do art. 635º, do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

* As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se: I.

7) A exclusão de determinado tipo de documentos do rol dos títulos executivos acarreta consigo não apenas a privação do acesso imediato à acção executiva, como também a privação da presunção de prova do direito de crédito.

8) Ao entender como entendeu, o tribunal de 1ª instância desconsiderou as legítimas expectativas criadas pelo Exequente ora apelante, convencido de que a posse de um documento particular, legalmente dotado de exequibilidade no momento do sua constituição seria bastante para poder aceder, imediatamente, em caso de incumprimento por porte do devedor, à acção executiva.

9) Pelo que, ao decidir pelo indeferimento do requerimento executivo, o tribunal o quo violou o princípio do segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição do República Portuguesa, na sua vertente subjectiva de princípio de protecção da confiança.

Apreciando, diga-se - pressuponentemente - que, em função do que se consagra no art. 2º CRP (Estado de Direito Democrático), a segurança jurídica não é específica do Estado de Direito. Basta recordar a garantia do caso julgado e do caso administrativo decidido, a prescrição aquisitiva e a extintiva em Direito Civil ou a prescrição do procedimento criminal. Mas é o Estado de Direito que lhe oferece um quadro institucional rigoroso o qual possa plenamente desenvolver.

Olhada no plano subjectivo, a segurança jurídica reconduz-se a protecção da confiança, tal como a jurisprudência a tem interpretado. Os cidadãos têm direito à protecção da confiança, da confiança que podem pôr nos actos do poder político que contendam com as suas esferas jurídicas. E o Estado fica vinculado a um dever de boa fé (ou seja, de cumprimento substantivo, e não meramente formal, das normas e de lealdade e respeito pelos particulares).

Não é apenas a Administração pública que lhe está sujeita (artigo 260.°, n.º 2, da Constituição) (e artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo). É o Estado e são quaisquer entidades públicas, em todas as suas actuações. Não faria sentido que, ao agir, como legislador, como decisor político, na ordem interna ou na ordem externa ou como tribunal, o Estado pudesse deixar de acatar esse imperativo.

É também a segurança jurídica um dos fundamentos da restrição de efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral (artigo 282.°, n.º 4) e é ainda para tutela da confiança que o Tribunal Constitucional em vários acórdãos (dentre outros, n.ºs 232/94, 60/95, 499/97, 559/98, 221/00 e 38/2004) tem admitido recursos de decisões respeitantes a normas não impugnadas no processo [artigo 280.º, n.º 1, alínea b)], quando não era exigível que o recorrente, durante o processo, tivesse suscitado a questão de inconstitucionalidade (Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, 2010, pp. 102-103).

Isto dito, e em conformidade, pois à emergência sinóptica das questões em perfil -, o que importa verificar é, também aqui, se esta aplicação imediata e para o futuro da exclusão do elenco dos títulos executivos dos documentos que tinham essa característica nos termos do artigo 46.º do CPC antigo afronta qualquer princípio constitucional.

O que, em perspectiva analítica decisória, nos reenvia, na apreciação do problema judiciário em perfil para a argumentação expendida, designadamente, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 161/2015, a que, declaradamente, se adere.

Deste modo, por reenvio inter-textual expressivo, assinale-se que: «A alteração normativa em presença caracteriza-se pela aplicação para o futuro a situações de facto e relações jurídicas presentes. Nestes casos, ainda que a nova regulação jurídica não substitua ex tunc a disciplina normativa existente, ela acaba por atingir posições jurídicas ou garantias geradas no passado e relativamente às quais os respetivos titulares formaram legítimas expetativas de não serem perturbados por um regime jurídico inovador. Trata-se da situação que a doutrina classifica de «retroatividade inautêntica» ou «retrospetiva».

É certo que o legislador pode legislar inovatoriamente, estando habilitado a alterar a lei processual (i.e., a lei por que se regem processos judiciais), mesmo quanto a pressupostos processuais ou a legitimidade ativa relativamente a factos passados, dentro de certos limites. De facto, não havendo «um direito à não-frustração de expetativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados» (Acórdão n.º 287/90, disponível, tal como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt), bem se compreende, que o juízo da conformidade constitucional destes casos «dependerá essencialmente de uma ponderação de bens ou interesses em confronto» (J. Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 266).

Numa situação (também) como a objeto do presente processo um dos limites constitucionais à atuação do legislador é o princípio da segurança jurídica ou ao princípio da proteção da confiança. Com efeito, apesar de o texto da Constituição não aludir expressamente a este princípio, ele é pacificamente dedutível do princípio do Estado de Direito consagrado no seu artigo 2.º. A afirmação deste princípio significa que, num Estado de Direito, a atuação dos poderes públicos deve ser previsível e confiável.

Como o Tribunal Constitucional também salientou, no Acórdão n.º 862/2013: «A proteção da confiança é uma norma com natureza...

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