Acórdão nº 60/16.2T8PNH-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução12 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO Decretada a insolvência de M (…) S.A., por sentença de 05 de julho de 2016, O Administrador de Insolvência (A.I.) veio requerer a qualificação da insolvência como culposa, propondo que sejam afetados por tal qualificação o administrador da insolvente M (…), Alegando a seguinte factualidade que, em seu entender, integraria a qualificação da insolvência como culposa por preenchimento do artigo 186º, nº1 e nº2, alíneas a), b), d), e) a g) e nº3, al. a), do CIRE: o administrador (único) da insolvente, M (…) é ainda gerente de uma outra empresa denominada de M (…) ECOP, tendo colocado ao serviço desta vários equipamentos pertencentes à Insolvente; o administrador da devedora entregou vários equipamentos (sob a forma de dação em pagamento) a determinados fornecedores, privilegiando-os relativamente a outros.

O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa, nos termos propostos pelo A.I.

Citada a devedora e o seu administrador, estes vieram deduzir oposição, alegando, em síntese: todos os equipamentos da insolvente utilizados pela M (…) ECOP foram faturados e remunerados; com vista a concluir os trabalhos contratados que a insolvente tinha em curso até ao final de 2014, e não podendo apresentar-se a novos concursos públicos, porque decorria o plano especial de recuperação da insolvente, de modo a poder concorrer a obras públicas contratou “M (..), Unipessoal, Lda”; a insolvente passou assim a faturar os trabalhos realizados à M (…) ECOP, Lda. (em subempreitada); desde meados de 2014, a insolvente deixou de ter acesso à banca, não podendo movimentar quaisquer contas bancárias; assim, pelo fornecimento de maquinaria e mão-de-obra efetuado pela insolvente à M (…) ECOP, Lda., esta procedeu ao pagamento de diversas despesas correntes e ainda salários e impostos e outras dívidas da insolvente, na expectativa de que as condições de mercado e económicas melhorassem para que a insolvente pudesse novamente ter a confiança da banca e concorrer a concursos públicos; quanto ao destino dos bens elencados pelo AI como estando em falta, os mesmos deixaram de integrar o património da insolvente por ato judicial (penhoras no âmbito de execuções) ou por atos extrajudiciais (pagamento de dívidas com vista a evitar as respetivas ações de cobrança), diminuindo o passivo da insolvente.

desde 2013 a 2015, o passivo da insolvente foi diminuindo progressivamente.

Conclui no sentido da declaração da insolvência como fortuita.

* Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a: “

  1. Qualificar como culposa a insolvência de “M (…)S.A.”, pessoa coletiva n.º (...) , com sede na Urbanização (...) , na Guarda, sendo o seu administrador M (…) o afetado pela presente qualificação; b) Decretar a inibição de M (…) para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de três anos; e c) Determinar a perda de quais quer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por M (…).

  2. Condenar M (…) a indemnizar os credores da devedor insolvente “M (…)S.A.” no montantes dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, pelo prejuízos sofridos por aqueles credores, a fixar em sede de liquidação de sentença, nos termos do n.º 4 do artigo 189.º do CIRE.” * Não se conformando com a mesma, o requerido M (…), dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem parcialmente[1]: (…)* A Massa Insolvente e o Ministério Público apresentam contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.

    Cumpridos que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº2, in fine, do artigo 657º CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

    II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões a decidir são unicamente as seguintes: 1. Nulidades da sentença 2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

    1. Qualificação da insolvência como culposa por força do preenchimento das alíneas d), f), g), do nº2, do art. 186º do CIRE 4. Qualificação da insolvência como culposa por força do preenchimento da alínea a) do nº3 do art. 186º do CIRE III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Nulidade da sentença por omissão da apreciação do requerimento apresentado pelo A.I. a 25 de janeiro de 2017.

      Notificada para juntar aos autos as faturas que titulam as prestações de serviço, aluguer de equipamento e/ou cedência de mão-de-obra entre ambas as sociedades, bem como o correspetivo comprovativo de pagamento daquelas faturas, a Insolvente veio juntar aos autos inúmeros documentos.

      Notificado de tal junção, o AI pronunciou-se sobre tais documentos, alegando que, quanto “à demonstração da existência de prestações de serviço, aluguer de equipamento e/ou cedência de mão-de-obra entre ambas as sociedades, nada provam”. Aí se concluiu que “Assim, face à persistente omissão no cumprimento do solicitado deverá ser declarada a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 519º, nº2 do CPC e 344º CC”.

      Segundo o Apelante, tal questão ficou por decidir, pelo que a Mma. Juíza deixou de se pronunciar sobre a questão da inversão do ónus da prova que deveria apreciar, o que não fez, encontrando-se a sentença recorrida ferida de nulidade.

      Cumpre apreciar a invocada nulidade.

      Para além da alegada omissão da apreciação expressa da “questão” levantada pelo A.I. em tal requerimento, não constituindo um vício da sentença, não ser suscetível de a afetar[2], não podemos dar razão ao apelante ainda por outro motivo: o apelante não terá atentado em que, por despacho de 8 de março de 2017 (fls. 559 e 560 do processo físico), o juiz a quo veio pronunciar-se expressamente sobre a requerida inversão do ónus da prova, inversão que indeferiu, além do mais, por “no caso sub iudice, o ónus da prova acha-se já invertido em face das presunções legais que servem de fundamento.

      Não se tem por verificada omissão, que, a existir também não constituiria qualquer nulidade da sentença.

    2. Nulidade por omissão da apreciação do pedido de condenação do A.I. como litigante de má-fé.

      Compulsados os autos, constata-se que, ainda antes da interposição do recurso por parte do requerido, o juiz a quo, constatando não se ter pronunciado sobre a invocada existência de má-fé por parte do A.I., veio, por despacho de 24-04-2017, pronunciar-se sobre tal questão, encontrando-se, assim prejudicada, a apreciação da invocada nulidade por omissão de pronúncia.

    3. Nulidade por excesso de pronúncia.

      Segundo a apelante, embora não tenha sido imputada ao recorrente a violação do disposto na al. b) do nº2 do artigo 186º do CIRE, o juiz a quo apreciou a matéria relacionada com a eventual violação desta alínea, violando o disposto no art. 608º, nº2 do CPC.

      Não assiste qualquer razão ao apelante.

      Como resulta da síntese que no relatório do presente acórdão é feita sobre o Parecer apresentado pelo A.I. e que deu início ao presente incidente de qualificação da insolvência, um dos fundamentos em que o A.I, faz assentar a qualificação da insolvência como culposa é precisamente o preenchimento do circunstancialismo previsto na al. b), do nº2 do artigo 186º (cfr., nº23 do seu Parecer).

      *2. Impugnação da matéria de facto Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

      Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

      Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto: “1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

  3. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

    2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

  4. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos: a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões; b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados; c)...

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