Acórdão nº 136/16.6T8PNI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Novembro de 2016

Data15 Novembro 2016
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. L (…) e B (…) e, residentes (…) Peniche, intentaram a presente acção especial de tutela da personalidade contra S (…), residente (…) Peniche, pedindo que a Ré seja condenada a: eliminar o terraço que abriu na face posterior do telhado da casa de habitação existente no seu prédio (melhor identificado no art.º 25º da petição inicial/p. i.), repondo o telhado, nessa face, tal como se encontrava antes da abertura do terraço [a)]; reduzir a altura da janela lateral do anexo existente no mesmo prédio, de modo a que o limite superior de tal janela fique abaixo do topo de muro que separa os prédios das partes [b)]; e abster-se de instalar um estabelecimento de alojamento local (ou semelhante) no prédio [c)], providências tidas por adequadas a evitar a consumação de ameaça ilícita e directa dos direitos de personalidade dos AA..

Alegaram, em resumo: - A A. é dona do prédio referido no art.º 1º da p. i., sito em Peniche, adquirido em 24.11.1994.

- Os AA. são casados entre si, viveram nos arredores de Londres, trabalhavam em Londres, e tomaram a decisão de vir viver para Portugal para terem uma vida sossegada; para o efeito remodelaram a dita casa de habitação da A., sita no Bairro dos Pescadores, que é um bairro familiar e sossegado, aí residindo desde Dezembro de 2013.

- A Ré é dona de um prédio urbano (aludido no art.º 25º da p. i., aquisição registada a 25.8.2014) que confronta a nascente com o prédio da A. - as traseiras do prédio da Ré dão para as traseiras do prédio da A., embora as fachadas posteriores das casas de habitação não sejam completamente paralelas.

- A Ré, em Agosto de 2014, procedeu à substituição do telhado elevando a cércea da casa de habitação e abriu um terraço com 4 metros de largura na face posterior do telhado virado para as traseiras do prédio da A., tendo o peitoril do terraço uma altura de 90 cm/1m, e o ponto posterior mais baixo do referido telhado encontra-se a uma altura superior à do muro que separa o prédio da Ré do prédio da A., sendo que o telhado do telheiro que existe no prédio da A. encosta ao referido muro, encontrando-se abaixo desse muro, e o terraço aberto pela Ré dá directamente para o logradouro do prédio da A. e para a fachada posterior da casa de habitação aí existente e nessa fachada encontram-se as janelas da casa de banho e do quarto de dormir dos AA., bem como a porta que dá acesso ao logradouro, a partir da cozinha, a janela desta divisão e a porta que dá acesso ao logradouro, a partir da garagem, e a janela da garagem.

- A fachada posterior da casa de habitação da A. (onde se encontram as referidas janelas e portas), é visível do terraço aberto, o mesmo sucedendo com o logradouro do prédio da A., e qualquer pessoa que vá ao terraço consegue ver os AA. em qualquer acto do seu quotidiano, mesmos os mais íntimos (dormir, vestir-se, fazer a higiene pessoal), no interior da habitação da A. (interior da casa de banho, quarto, garagem e cozinha), o mesmo sucedendo com o logradouro onde os AA. têm um banco, mesas e cadeiras e onde tomam refeições, sendo que a privacidade dos AA. encontra-se devassada pela existência do referido terraço.

- Fizeram exposições à Câmara Municipal, as obras não estavam licenciadas, sendo que a Ré regularizou a situação junto da edilidade e contemplando o projecto o dito terraço a edilidade referiu que tecnicamente nada havia a opor.

- No dia 18.5.2016, a Ré alteou uma janela lateral do anexo existente no prédio, cujo limite se encontrava a uma altura inferior à do muro que separa o prédio da Ré do prédio da A., fazendo com que o limite superior da janela ficasse acima do topo do muro, sendo que a janela, na parte alteada, dá para o logradouro do prédio da A. e para a fachada onde se encontram as janelas da casa de banho, quarto e cozinha e porta da cozinha, sendo visíveis da referida janela, o mesmo sucedendo com o logradouro, e qualquer pessoa que espreite pela janela consegue ver os AA. em qualquer acto do seu quotidiano, mesmo os mais íntimos no interior da sua habitação e ainda no logradouro.

- A Ré pretende destinar a casa à instalação de um hostel para surfistas, o que os AA. discordam por ameaçar o seu sossego, tendo feito exposições à Câmara Municipal, tendo a edilidade embargado as obras por falta de licenciamento, e a Ré regularizou a situação junto da edilidade alegando que as obras eram de alteração de moradia unifamiliar destinando-se a habitação, tendo sido deferido o pedido e emitido o alvará, no entanto, face às alterações levadas a cabo pela Ré é notório que a mesma pretende converter a moradia num estabelecimento de alojamento local temporário a turistas, sendo que esta já se dedica ao arrendamento de outros prédios.

- A instalação do estabelecimento de alojamento no prédio implicará entradas e saídas constantes de pessoas a qualquer hora, que provocarão ruídos diversos (ex: conversas, risadas, arrastar de objectos, abrir e fechar portas, viaturas), e a simples presença dos hóspedes também os provoca (conversas, risadas, música, cantorias, arrastar de cadeiras, abrir e fechar portas), sendo que o ruído produzido no logradouro tardoz também ressoará por estar cercado por muros, e todo esse ruído será audível na casa de habitação dos AA., que não tem especial isolamento térmico ou acústico, e essa instalação porá fim à sua vida sossegada, perturbando a sua vida quotidiana, impedindo-os de dormir ou descansar fora das horas de sono.

- O direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito ao repouso, ao sossego e ao sono são direitos de personalidade, sendo objecto de tutela.

Seguidamente, por decisão de 21.6.2016, o Tribunal a quo indeferiu liminarmente a presente acção, por considerar os pedidos formulados pelos AA.

(…) manifestamente improcedentes (art.º 590º, n.º 1 do CPC).

Inconformados, os requerentes apelaram, terminando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª - Os Recorrentes/Autores começaram por peticionar que a Ré fosse condenada a a) eliminar o terraço que abriu na face posterior do telhado da casa de habitação existente no seu prédio, repondo o telhado, nessa face, tal como se encontrava antes da abertura do terraço, e a b) reduzir a altura da janela lateral do anexo existente no seu prédio, de modo a que o limite superior de tal janela fique abaixo do topo de muro que separa o prédio da Ré do da Recorrente.

2ª - Tendo concluído que a manutenção da situação actual implicará que qualquer acto do quotidiano da sua vida, mesmo os mais íntimos, possa ser observado por terceiros, em violação da intimidade da sua vida privada.

3ª - Quanto a esta primeira questão, a Mma. Juiz a quo concluiu que “não existe (…) qualquer ameaça ao direito à reserva da intimidade da vida privada” dos Recorrentes “com a mera edificação de um terraço e abertura de janela de onde se avistam as janelas, portas e logradouro do prédio” da Recorrente, onde aqueles residem.

4ª – Na situação do art.º 590º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), estamos perante “um julgamento antecipado do mérito da causa que se justifica apenas quando seja evidente a inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior; isto é, quando seja inequívoco que a acção nunca poderá proceder qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais”.

5ª - A terminologia de pedido manifestamente improcedente tem a significância de «evidente, patente, notória, pública» ou de «ostensiva, indiscutível, irrefutável, unânime, incontroversa, isenta de dúvidas», ou, noutra formulação, quando seja inequívoco que o procedimento nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais.

6ª - A Mma. Juiz a quo aceita que o interior da casa de habitação sita no prédio da Recorrente, onde os Recorrentes residem, bem como o respectivo logradouro são visíveis (a olho nu), do terraço e da janela em causa, na parte alteada. No entanto, faz depender a violação do direito de personalidade para o qual os Recorrentes reclamam tutela da finalidade com que os mencionados terraço e janela, na parte alteada, sejam utilizados, ou seja, que quem dali dirija o seu olhar para o prédio apenas estará a violar a reserva da intimidade da sua vida privada quando o faça “com o intuito de tomar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT