Acórdão nº 326/14.6TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução22 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A...

propôs contra B.. e mulher C... , D... e E...

, já todos identificados nos autos, a presente ação de processo comum, pedindo que seja a mesma julgada procedente por provada e consequentemente:

  1. Devem os Réus ser condenados a reconhecer que o Autor tem o direito de preferência sobre a venda da fração autónoma designada pela letra Z, correspondente ao sexto andar, lado esquerdo / nascente do prédio urbano sito na Rua (...) , em Leiria, freguesia e concelho de Leiria, inscrito na matriz predial urbana da mencionada freguesia sob o artigo (...) e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Comercial de Leiria com o número (...) , que os 1.ºs Réus efetuaram à 2.ª Ré por escritura pública de compra e venda celebrada em 30 de julho de mil novecentos e setenta e cinco, no Cartório Notarial de Lagoa.

  2. Devem os Réus ser condenados a reconhecer que o Autor tem o direito a haver para si a fração autónoma referida, que os 1.ºs Réus venderam à 2ª Ré, e esta vendeu à 3ª Ré, declarando-se que a 2ª Ré fica substituída, ex-tunc, pelo Autor na posição de comprador.

Alegou, para tanto, e em síntese que: - em 1/04/1974 celebrou com o 1.º réu um contrato de arrendamento habitacional, tendo desde então sempre habitado a fração e pago as rendas devidas; - em 01/10/2013 teve conhecimento que a fração estava inscrita em nome da 3.ª ré, que a havia comprado à 2.ª ré; - e depois ficou a saber que a 2.ª ré, por sua vez, havia comprado a fração aos 1.ºs réus, por compra em 30/07/1975, pelo preço de 220.000$00; - os negócios de compra e venda referidos foram ocultados ao autor, tendo o mesmo direito de preferência, pretendendo adquirir a fração nas mesmas condições em que foi vendida à 2.ª ré, ou seja, pelo preço de € 1.097,36.

Os réus contestaram a ação, pugnando pela sua improcedência, invocando a prescrição do direito à ação, por já terem decorrido mais de 20 anos, contados desde a venda, não se podendo ultrapassar o prazo máximo de prescrição previsto no artigo 309.º do CC; a caducidade do direito de preferência, com o fundamento em o autor ter tido conhecimento de ambas as escrituras em Maio de 2013; que o autor actua em abuso do direito, por agir passados que são 38 anos decorridos desde a compra e venda, por um preço simulado e como “vingança” pela comunicação do aumento da renda; a simulação dos negócios de compra e venda, com o fundamento em que com as compra e vendas em causa apenas se procurou salvaguardar o património dos réus, atento o período “revolucionário” então em curso, sem que houvesse quaisquer pagamentos e com o compromisso, de ambas as partes, no futuro, “desfazerem” os negócios em causa e apresentaram defesa por impugnação e deduziram reconvenção pedindo a condenação do autor a reconhecer que a 3.ª ré adquiriu o imóvel por usucapião e, para a improcedência deste pedido e na procedência da ação, a condenação do autor a pagar o preço real da fração no valor de € 85.000,00.

O autor não respondeu à reconvenção.

A reconvenção foi admitida.

Após convite, o autor exerceu o contraditório quanto às exceções deduzidas pelos réus de prescrição, caducidade, abuso de direito e simulação dos negócios, pugnando pelo seu indeferimento.

Entendendo-se ser possível conhecer do mérito da causa no despacho saneador, foram as partes notificadas do despacho que consta a fls. 154 e 155 – em que se defende que, ao tempo da compra e venda realizada em 1975, o artigo 1117.º do CC, na redacção então vigente, não concedia ao arrendatário habitacional, o direito de preferência na venda do locado – para, em 10 dias, se pronunciarem de facto e de direito quanto à decisão a proferir.

O autor não se pronunciou.

Os réus pronunciaram-se entendendo que o réu não tem direito de preferência.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 162 a 168, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte: “Nesta conformidade e por tudo o exposto, decide-se: 1.- Julgar os pedidos deduzidos pelo autor totalmente improcedentes, deles absolvendo os réus; 2.- Julgar totalmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenar o autor a reconhecer que a 3.ª ré é dona e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “Z”, correspondente ao sexto andar B do prédio urbano sito na Rua (...) , n.º 19, em Leiria, freguesia e concelho de Leiria, inscrito na matriz predial urbana da mencionada freguesia sob o artigo (...) e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Comercial de Leiria com o número (...) , por a ter adquirido por usucapião.

  1. - Custas a cargo do autor que decaiu totalmente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).”.

    Inconformada com a mesma, interpôs recurso o autor A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 197), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1. A douta sentença viola as regras do direito referentes à interpretação, designadamente do artigo 9.º do CC, segundo o qual, na interpretação da lei há que atender a vários elementos, a saber: literal ou gramatical; sistemático; racional ou teleológico; e, histórico, que não foram considerados pelo julgador.

  2. O direito de preferência existe in casu e foi válida e tempestivamente exercido pelo Apelante; 3. A douta sentença fez uma interpretação incorrecta ao artigo 1117.º do Código Civil vigente à data dos factos e aplicável in casu.

  3. No caso em apreço, devia ter considerado o artigo 1117.º do CC de 1966 - o que não fez - e fazer do mesmo uma interpretação extensiva, aplicando-o aos arrendamentos para habitação.

  4. Podemos ainda entender que o facto do Código Civil de 1966 apenas conter uma norma (o artigo 1117.º) para o direito de preferência e de o circunscrever aos arrendamentos para comercio e industria, consubstancia uma lacuna na lei no que respeita ao arrendamento para habitação.

  5. Pelo que se impunha o recurso à analogia, tal como permite o artigo 10.º do CC, sendo certo que se verifica a hipótese legal prevista no n.º 2 de tal normativo.

  6. O Tribunal, porquanto, devia ter aplicado o artigo 1117.º do CC de 1966, em vigor na altura da celebração do contrato, devendo este ter sido hodiernamente aplicado ao caso, por força da interpretação extensiva daquele artigo 9.º do actual CC e de uma interpretação analógica.

  7. Não há qualquer fundamento para tratar de forma distinta os arrendamentos para comercio e indústria dos arrendamentos para habitação, no que respeita à existência do direito de preferência.

  8. No caso em apreço, o Tribunal devia ter aplicado o artigo 1117.º do CC de 1966, em vigor na altura da celebração do contrato, atendendo ainda ao principio da igualdade, aos princípios da interpretação, vertidos no artigos 9.º do CC e ao disposto no artigo 10.º do CC; 10. A douta sentença viola ainda os princípios basilares do direito, previstos nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 12.º, n.º 2, 236.º, 240.º, n.º 2, 1287.º e ss. do Código Civil, bem como os artigos 204.ºe 205.º da CRP; 11. A sentença viola ainda o disposto nos artigos 266.º e 574.º, ambos do CPC 12. Atendendo ao teor da Petição Inicial e ao teor do requerimento do Apelante através do qual respondeu às exceções suscitadas na contestação, conclui-se...

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