Acórdão nº 106/03.4TBLMG-G.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução13 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

O Ministério Público veio requerer nos autos de incumprimento das responsabilidades parentais em que são, requerente, M (…) e, requeridos, R (…) e S (…) a correr termos na Comarca de Viseu (Lamego – Inst. Central – 2ª Sec. F. Men.), que fosse fixado o montante que o Estado, em substituição dos requeridos, pais dos menores R (…), R (…) e J (…) deveria garantir a título de alimentos.

Por sentença de 05.3.2015, o Tribunal a quo decidiu fixar em € 100 a prestação de alimentos devida aos menores, a satisfazer mensalmente pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), até ao início do efectivo cumprimento da obrigação ou até que cesse a obrigação a que a mãe está obrigada.

Atingida a maioridade (em 21.10.2015), o referido R (…) veio alegar, e requerer, em 17.02.2016, que o FGADM deixara de satisfazer ao mesmo a prestação de alimentos, passando a satisfazer os alimentos apenas aos seus dois irmãos menores, e que, mantendo-se os requisitos de que a lei faz depender a intervenção do FGADM (designadamente, persistindo o incumprimento da sua progenitora e estando ainda em curso a sua formação) e face ao estabelecido pela Lei n.º 121/2015, de 01.9 (maxime, à nova redacção conferida ao n.º 2 do art.º 1905º, do Código Civil/CC), em vigor desde 01.10.2015, deveria o FGADM pagar, além do mais, a prestação devida ao requerente, à razão de cem euros mensais.

Por despacho de 09.3.2016, a Mm.ª Juíza a quo decidiu: «(…) Independentemente das razões argumentativas do requerente, certo é que não tendo havido qualquer alteração legislativa relativa à intervenção do FGADM, que tivesse como objectivo acompanhar as alterações legislativas relativas às responsabilidades dos progenitores no pagamento de alimentos devidos aos filhos, para além da maioridade e até que se mantenha a sua formação escolar ou profissional, não pode o tribunal deixar de atender à regra legal imposta pelo n.º 2 do art.º 1º da Lei n.º 75/98, de 19.11, na sua redacção actual, que estatui claramente que o pagamento devido pelo Estado através do FGADM cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos.

Pelo exposto, indefere-se o requerido. (…)» Inconformado, o dito R (…) interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O recorrente perfez 18 anos de idade em 21.10.2015.

2ª - Nessa data o FGADM cessou o pagamento das prestações de alimentos a que se encontrava obrigado em substituição da mãe do recorrente.

3ª - A Lei 121/2015, de 01.9, alterou a redacção ao n.º 2 do art.º 1905º do CC, no sentido de que verificados os requisitos aí constantes (que o recorrente cumpre) se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade.

4ª - O art.º 1º, n.º 2 da Lei 75/98, mantém-se inalterado cessando a obrigação de o FGADM prestar alimentos no dia em que o menor atinja os 18 anos de idade.

5ª - A norma do art.º 1905º, n.º 2 do CC visa essencialmente permitir que aos menores de 25 anos de idade continuem a dispor da pensão de alimentos fixada durante a sua menoridade para através dela concluírem o seu processo de educação ou formação profissional.

6ª - A sentença em apreço considerou cessada a obrigações do FGADM quando o recorrente perfez 18 anos de idade, efectuando uma interpretação da norma do n.º 2 do art.º 1º da Lei 75/98 que se encontra actualmente ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e que deve ser interpretada conforme a Constituição.

7ª - Todas as normas devem ser interpretadas conforme a Constituição e os princípios basilares do Estado de Direito, dos quais destacamos o princípio da igualdade.

8ª - O entendimento defendido na sentença recorrida traduz um privilégio para aqueles cujos pais lhes podem prestar alimentos em detrimento daqueles cujos pais não têm essa possibilidade e que afronta o princípio da igualdade ínsito ao art.º 13º da CRP, na medida que, em razão da sua situação económica, uns terão o benefício e o privilégio de prosseguir os estudos e concluir a sua educação e formação ao passo que outros, nascidos noutros berços, verão negada essa possibilidade.

9ª - A aplicação que o Tribunal recorrido faz da norma do n.º 2 do art.º 1º da Lei 75/98, viola também o art.º 74º, n.º 1 da CRP que confere a todos o direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar e também o art.º 76º, n.º 1 da CRP que estabelece que o regime de acesso à Universidade e demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades.

10ª - Impondo-se aos pais a obrigação de pagar a pensão de alimentos fixada durante a menoridade do alimentado para garantir a conclusão do seu processo de educação ou formação profissional, não é admissível a extinção dessa obrigação por parte do FGADM aos 18 anos do alimentado, pois tal cria acentuadas e irreversíveis desigualdades entre os jovens além do mais na igualdade de oportunidades de acesso ao ensino, às Universidades e às instituições do ensino superior.

11ª - Caso assim se não entenda, verifica-se então uma inconstitucionalidade por omissão resultante de uma situação de inadequação em virtude de o legislador não ter aperfeiçoado ou corrigido as normas existentes (nomeadamente o n.º 2 do art.º 1º da Lei 75/98) e que por ter alterado a norma que rege uns casos e não ter alterado a norma que rege outros, cria um regime de incompreensível inaceitável desigualdade entre os cidadãos.

12ª - Não tendo alterado a norma do art.º 1º, n.º 2 da Lei 75/98, o legislador criou um regime desigual que permite aos filhos dos pais mais ricos prosseguir com a sua formação, os seus estudos, frequentar o ensino superior, ao passo que os filhos dos pais pobres que até aí viam a sua prestação de alimentos ser satisfeita pelo FGADM ficam sem qualquer suporte, numa situação de manifesta desigualdade em relação aos outros nomeadamente no que toca ao acesso ao ensino superior e à conclusão do seu processo de formação, daí emergindo uma clara, indesejável e ilegal, desigualdade de oportunidades entre uns e outros.

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