Acórdão nº 0752/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução22 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Relatório: Não se conformando com a sentença do TAF de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por A………….. SA contra liquidação de IRC e juros compensatórios no montante de € 2 255891.00 veio a impugnante dela interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo formulando as seguintes conclusões: 1 O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença de 1ª instância que julgou improcedente a impugnação judicial 2 Em causa está o entendimento da AT no sentido de reportar ao exercício de 1993 todos os juros gerados com o dinheiro de um sinal entregue a um depositário de um contrato promessa de compra e venda de um imóvel (Herdade ………..) celebrado em 1989.

3 A AT defendeu que não obstante a regra ser a anualização dos juros em termos contabilísticos e fiscais a circunstância de o seu valor ser completamente desconhecido pela A……. até 1993 determinaria que apenas nesse ano de 1993 - data em que alegadamente a recorrente teria tido conhecimento desse valor - o valor dos proveitos financeiros obtido até essa data (de 1989 até 1993) teria de ser levado a proveitos fiscais nos termos do nº 2 do artigo 18 do CIRC 4 O tribunal a quo decidiu aderir à tese da AT considerando que os juros em apreço deveriam ser imputados ao ano de 1993: por um lado defendeu que a obrigação contratual resultante do contrato promessa de devolver o sinal acrescido de uma taxa de 10% (em caso de inviabilização do negócio) era absolutamente distinto do contrato de depósito – relativo a esse mesmo sinal – celebrado entre a recorrente e o Senhor B…….. -presidente do conselho de administração da recorrente e garante pessoal do negócio acordado - com vista à maior rentabilização possível do referido sinal; por outro lado entende que somente em 1993 (e nunca nos anos anteriores) a recorrente teve conhecimento oficial do quantitativo de juros que previa receber por força do referido contrato de depósito independentemente do presidente do conselho de administração e restantes membros daquele órgão terem tido acesso à informação em anos transactos devendo por conseguinte ser aplicado o nº 2 do artigo 18 do CIRC.

5 Salvo o devido respeito entende a recorrente que a decisão recorrida mercê censura não devendo por conseguinte manter-se na ordem jurídica.

6 Desde logo a sentença é nula por violação do princípio da imediação nos termos do artigo 605 do CPC porquanto o juiz que efectuou e presidiu à inquirição de testemunhas não foi o magistrado que proferiu a sentença (matéria de facto e de direito.

7 Com efeito a recorrente verificou que o processo de impugnação judicial ora em apreço andou a saltar de mão em mão durante estes largos anos de pendência nos tribunais administrativos e fiscais: foram no mínimo 10 magistrados titular dos presentes autos em 15 anos de pendência processual.

Ora um processo com este valor com tantos factores de dissipação da factualidade relevante e de perda da necessária imediação na produção de prova exigiria 15 anos depois uma decisão mais ponderada mais estudada mais rigorosa do ponto de vista da análise dos factos e da interpretação e aplicação das normas legais.

Mas a verdade é que foi precisamente o contrário que sucedeu.

8 E a verdade é que temos diante de nós uma verdadeira denegação da tutela jurisdicional efectiva quando a própria tramitação do processo sofre um tal número de distribuições que o converte num processo em que o ónus formal de decisão acaba por prevalecer sobre o dever material de decidir bem de acordo com a verdade material. Isto sem falar na mais que decuplicação do prazo mínimo fixado no CPPT para a decisão em 1ª Instância que é de dois anos cfr. artigo 96 do CPPT ou da prolacção de sentenças -20 dias artigo 21 do CPPT.

9 É certo que a mais recente jurisprudência do STA a qual a Exma. Senhora Dra. ……….. se ancora para não elaborar a decisão mitigou o conceito do princípio da plenitude da assistência dos juízes no âmbito de processo judiciais de natureza fiscal: Malgrado esta orientação jurisprudencial consolidada no processo sub judice a violação das garantias processuais atinge proporções tais que torna a instrução prévia à sentença num exercício inútil e passível de equívocos não imune a leituras deslocadas e tecnicamente pouco ponderadas.

10 Assim nesta concreta situação o Tribunal para além de não ter observado os princípios estruturantes do contencioso tributário como seja o princípio da imediação da prova ou também designado princípio da plenitude de assistência do juiz cfr. artigo 605 do CPC ex vi do artigo 2º al.e) do CPPT postergou absolutamente a garantia de tutela jurisdicional efectiva que assiste constitucionalmente à recorrente cfr nº 4 do artigo 20 da CRP.

11 Acresce que a sentença é nula por não especificar os fundamentos de facto e direito da decisão e por os fundamentos estarem em oposição com a decisão nos termos do nº 1 do artigo 125 do CPPT e das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615 do CPC.

12 Neste particular não é possível pelos dados disponíveis na sentença recorrida conhecer os motivos de facto que levaram o tribunal a decidir no sentido em que o fez explicitando as razões pelas quais credenciou os meios de prova que mencionou não considerou atendíveis para efeitos probatórios os depoimentos das testemunhas inquiridas e os ajuizou em parte no sentido da sua irrelevância para a decisão em causa.

13 Por um lado o tribunal a quo aceita como credível o depoimento das testemunhas para dar como provados dois factos (não obstante a densa matéria de facto que foi objecto de inquirição); por outro recusa dar credibilidade - as testemunhas quando estas afirmam ser do conhecimento da recorrente - assunto discutido por elas nas suas qualidades de administradores nas assembleias/reuniões do conselho de administração e até partilhado por correio electrónico – o valor dos rendimentos que iam sendo gerados pelos depósitos em causa ao longo dos anos.

14 Se não há parcialidade então não é inteligível que se diga “porém nenhum desses factos não se encontra firmado nos autos e seria fácil juntar a respectiva prova documental se existisse “ (a dupla negativa consta mesmo do texto) e ainda “que a prova documental da comunicação do montante dos juros gerados em cada ano pela aplicação do capital/sinal não foi junta aos autos porque simplesmente não existiu tal comunicação”. A evidente impropriedade desta tramitação tem aqui um sintoma manifesto: como é que se pode dizer que, a uma distância de 15 anos e máxima de 19 (do período em que se acumularam juros -1989 a 1993- ao ano do depoimento (2008) seria de exigir à recorrente a junção de e.mails ou folhas de Excel quando esta pôde contar com o depoimento dos administradores da recorrente e quando de acordo com as regras da experiência se deve presumir que os administradores de uma sociedade como a recorrente sabem o destino de uma aplicação de 15 milhões de USD correspondente a um sinal de uma transacção de um valor elevadíssimo referente ao único activo imobiliário da A……… e sujeito a restituição com uma penalidade de 10%.

15 Acaso sabia o Mº juiz recorrido que sobre os administradores de uma sociedade impendem os deveres de boa prática tributária (artigo 32 da LGT) e responsabilidade tributária subsidiária (artigo 23 da LGT) que podem culminar na reversão da execução de uma dívida fiscal da sociedade e que in casu em face da iminência de uma penalidade de 10% sobre o valor do sinal o desconhecimento por parte da administração do curso da valorização do dito depósito assumiria contornos particularmente graves? 16 Por conseguinte está omisso nos autos qualquer fundamento para a inclusão nos factos provados de que o montante de juros gerados pelo valor do sinal era desconhecido pela recorrente (facto assente nº 13) o que configura uma crassa violação do dever de fundamentação da sentença atenta a notória relevância desse facto. Na verdade é muito diferente assentar-se que ficou provado que o montante de juros era desconhecido pela recorrente nos anos anteriores a 1993 (facto assente no nº 13) do que declarar-se não ter ficado provado que o montante dos juros era conhecido. E esta é uma diferença capital pois defendendo a recorrente em primeira linha a validade da relevação fiscal do proveito em causa em 1994 e a AT a sua relevação necessária e exclusiva em 1993 e não nos anos a que respeitam os rendimentos competia a esta última provar os factos constitutivos desse direito nomeadamente que esses rendimentos eram manifestamente desconhecidos antes de 1993 o que não logrou fazer vendo-se agora esse ónus inesperada e indevidamente suprido pelo órgão recorrido sem que se vislumbre porquê e com que bases.

17 Mais surpreendente ainda do que este indevido suprimento do encargo probatório da AT é a inferência absolutamente imperativa do ponto de vista lógico formal e manifesta do ponto de vista empírico que o juiz recorrido se recusa estabelecer de que o conhecimento de um facto por parte de três membros num conselho de administração composto por cinco entre eles o presidente do CA não corresponde ao conhecimento desse facto pela própria empresa! 18 Em contraponto afirma-se ser “cogitável” (como, quando, onde?) a eventualidade de os investimentos feitos por alguns administradores (neste caso não são “alguns” mas a maioria) não serem conhecidos da sociedade entendida como pessoa...

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