Acórdão nº 0865/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução12 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

A………………., B……………, casados entre si, e C…………….., viúva, por si e em representação do filho menor D…………, [doravante «AA.

»], devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC/L] a presente ação declarativa de condenação com processo comum, forma ordinária, nos termos dos arts. 71.º e ss. da LPTA, contra o “ESTADO PORTUGUÊS” [doravante «R.

»], peticionando, pelos fundamentos aduzidos no articulado inicial de fls. 02/19 dos autos, a condenação do R. no “… pagamento de uma indemnização repartida por danos patrimoniais relativos aos montantes que cada um deles auferia fora e dentro do serviço militar e à contribuição que cada um dava para os respetivos agregados familiares e danos não patrimoniais relativos ao direito à vida dos militares falecidos e ao sofrimento dos seus sucessores em: … Esc. 20.000.000$00 - [99.759,58 €] - para os 1.ºs AA., Esc. 10.000.000$00 - [49.879,79 €] - a título de danos patrimoniais e Esc. 10.000.000$00 - [49.879,79 €] - a título de danos não patrimoniais; … Esc. 20.000.000$00 - [99.759,58 €] - para os 2.ºs AA., também dividida em Esc. 10.000.000$00 - [49.879,79 €] - a título de danos patrimoniais e Esc. 10.000.000$00 - [49.879,79 €] - a título de danos não patrimoniais”, montantes estes acrescidos de juros de mora à taxa legal a contar da data de citação.

1.2.

Na sua contestação o R. apresentou defesa [por exceção (prescrição) e por impugnação], pugnando pela absolvição do pedido [cfr. fls. 29 e segs.

].

1.3.

Foi proferido despacho saneador que improcedeu a exceção de prescrição e fixou matéria de facto assente e base instrutória, determinando o prosseguimento dos autos [cfr. fls. 226 e segs.

], decisão essa que não foi alvo de qualquer impugnação.

1.4.

Realizada a instrução e julgamento de facto através da decisão de fls. 364/367 dos autos, veio a ser proferida a sentença recorrida [cfr. fls. 377 e segs.

], datada de 19.07.2011, a julgar a presente ação parcialmente procedente, condenando o R. no pagamento a cada uma das AA. [1.ª e 2.ª A.] da quantia de 10.000,00 €, quantia essa devida a título de danos não patrimoniais e que era acrescida de “juros de mora contados desde a data da sentença”, e absolvendo do demais pedido o R..

1.5.

Os AA., inconformados, interpuseram recurso jurisdicional, concluindo nos termos de síntese conclusiva que se reproduz [cfr. fls. 403 e fls. 409 e segs.

]: “...

  1. - Os recorrentes, considerando a data da ocorrência dos factos (janeiro de 1996), a entrada da ação em juízo (janeiro de 2001) a data da prolação do douto despacho saneador (outubro de 2008), a data do início da audiência e discussão em Julgamento (setembro de 2010), e a prolação da douta sentença (setembro de 2011), não podem deixar de destacar a dificuldade, a controvérsia e o melindre das questões que se levantaram acerca da matéria que consta dos autos; 2.ª - Começam por lamentar a postura que o Estado Português teve no que diz respeito à sonegação do processo de inquérito, aquele que elucidava as famílias dos militares desaparecidos, acerca de como os factos ocorreram; 3.ª - E não fora a destreza mental que os recorrentes acabaram por revelar, concretamente na procura dos factos através da análise do processo que serviu de base à instrução na Caixa Geral de Aposentações da atribuição da pensão preço de sangue, ou o recurso a alguma diligência judicial prévia à instalação da ação judicial, não teriam os recorrentes factos para articular na petição inicial; 4.ª - O Estado Português ao longo da sua história, sempre se tem revelado através de comportamentos, muitas vezes altivos e nobres, mas muitas outras vezes também, através de comportamentos menos dignos e altamente censuráveis; 5.ª - E não se diga que o Estado tem que ter sempre esta postura por se tratar de matéria de natureza militar, a qual é sempre tratada sob grande sigilo, apenas ao alcance de muito poucos cidadãos - não - quando se trata de militares enviados em missão, filhos, pais e irmãos de outros concidadãos, recai sobre ele a obrigação de informar, pelo menos, aqueles entes mais próximos se alguma coisa corre mal; 6.ª - A inocência e a ingenuidade com que preparou em 1994/1995 os diversos militares cuja missão já se antevia para os países Balcãs é: simplesmente aterradora e grosseira; 7.ª - Na realidade, a título de exemplo, sabendo-se de antemão que nos países em questão, nos meses de inverno, muitas vezes, por longos períodos de tempo as temperaturas não sobem para cima dos 0 graus, sendo frequente a manutenção de temperaturas negativas, não levarem na sua bagagem equipamento adequado para suportar a simples existência do ser humano é… deveras aterrador; 8.ª - Embora não se tenha discutido nos presentes autos a matéria acabada de descrever, eram frequentes à data, os relatos dos militares através dos meios de comunicação social e veiculados, muitas das vezes por familiares, para que nenhum procedimento disciplinar lhes fosse infligido; 9.ª - Fazer deslocar militares para solo estrangeiro em 1995/1996, tendo-lhes ministrado instrução militar com armas provenientes da Guerra do Ultramar é, ou melhor, construi ACTO SUICIDA; 10.ª - E na falta de se encontrarem os verdadeiros responsáveis por aquela missão suicida, quase todos eles, provavelmente já aposentados e muito bem pagos, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, É O ESTADO PORTUGUÊS responsável por atos cometidos por ação e por omissão por chefias militares e agentes políticos, todos eles conhecedores da insuficiência da instrução militar que estava a ser ministrada; 11.ª - Como sempre, ao bom espírito português - que se vai acabando por desenrascar - acabaram os militares enviados para aqueles países, naquelas primeiras missões, por ter beneficiado do fator sorte; 12.ª - Em questões dessa natureza, não pode, em qualquer circunstância sempre o Estado «pensar» que o fator sorte acompanhará os militares portugueses, como tivessem sobre a sua cabeça alguma «estrelinha»; 13.ª - O falecimento destes dois militares, praticamente uma semana após ter dado início à primeira missão nos países Balcãs, o que constituía de algum modo novidade, considerando ser esta a primeira missão militar, após a Guerra no Ultramar, teve como consequência, muito provavelmente o salvamento de muitas outras vidas; 14.ª - Os militares em causa colocados a limpar umas antigas instalações para ali se instalarem, as quais já tinham sido objeto de despistagem de material militar, procederam na íntegra em obediência da instrução que lhes fora ministrada; 15.ª - Apanharam objetos que desconheciam a sua origem e para que é que serviam, tendo-os colocado no cimo de um muro; 16.ª - Deram conhecimento ao seu comandante, em obediência às regras que lhes acabaram de ser ensinadas: em material que se desconhece, a regra é nunca mexer e, não trazer para casa troféus de guerra, sendo certo que no primeiro deles, efetivamente de natureza militar, já quanto ao segundo, o mesmo faz parte de frases alusivas a não mexer em património que é alheio; 17.ª - Só após o seu comandante, um oficial, lhes ter dado permissão e assentimento de que poderiam manusear os objetos estranhos acabado de encontrar é que eles se permitiram a tal liberdade; 18.ª - Ou seja, os militares fizeram tudo o que estava ao seu alcance e que lhe fora ensinado: respeitar na íntegra a cadeia hierárquica de comando; 19.ª - A mais não estavam obrigados, correspondendo versão contrária, a uma autêntica violência, proporcional à aquela que acima se fez alusão, do envio de militares para solo estrangeiro, para longe do seio das suas famílias sem que levassem equipamento suficiente para se defender... até do frio; 20.ª - Frisa-se que só após a explosão, é que o objeto foi identificado como um engenho militar. Se a instrução militar tivesse sido adequada, reconhecendo que simples soldados, fora da sua especialidade, pudessem não ter capacidade de discernimento para avaliar se o objeto poderia ou não ser manuseado - já um oficial teria outra obrigação, concretamente a de saber identificar o referido objeto e lhe dar o tratamento adequado; 21.ª - Verifica-se deste modo que os oficiais intermédios, aqueles que estão no campo a chefiar batalhões e pelotões com centenas de homens, também não tinham conhecimento da origem daquele objeto - o que poderia ter sido evitado se as chefias militares, em permanente reuniões com oficiais de outros países tivessem feito «o trabalho de casa»; 22.ª - Que existem culpados em concreto, existem, e encontravam-se, se o Estado procedesse a um inquérito rigoroso. À falta dele, atenta e considerando a negligência com que se atuou, tem o Estado de ser responsabilizado e assumir sua obrigação; 23.ª - Os recorrentes trouxeram para a petição inicial factos que traduzem a forma séria, honesta, humilde e discreta com que trataram toda a situação; 24.ª - Não participaram criminalmente de ninguém, não deram espetáculos na comunicação social, descreveram o seu sofrimento de forma digna, tendo revelado grande maturidade e respeito por toda a gente que à volta do caso gravitava; 25.ª - As alíneas RR), os militares falecidos à data do óbito eram jovens saudáveis; SS) o E………. era o mais velho de três irmãos e o F…………. tinha constituído família, composta por mulher e filho de meses; UU) eram ambos jovens bem...

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