Acórdão nº 01427/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: * 1.1.

O Município de Miranda do Corvo impugnou judicialmente, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, o Despacho do Subdiretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 26/07/2013, que lhe indeferiu o pedido de revisão dos atos tributários de autoliquidação do IVA referente ao ano de 2008.

* 1.2.

Aquele Tribunal, por sentença de 11/09/2014 (fls. 82/90, corrigida a fls. 96) negou provimento à impugnação e aos pedidos formulados pelo impugnante.

* 1.3. Dessa decisão recorre o Município de Miranda do Corvo formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões (fls. 128 e seguintes): «1. Salvo o devido respeito, e não obstante a sua proficiência, o douto acórdão recorrido, não fez uma correcta aplicação do Direito.

Senão vejamos, 2. O regime regra da revisão oficiosa e prazo para o exercício do direito à dedução do IVA encontra-se previsto no art. 98.º do CIVA, sendo que o n.º 2 dessa disposição legal determina que “sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente”.

  1. Ora, como refere o douto Tribunal a quo, uma dessas disposições legais é a constante do n.º 6 do art. 78.º do CIVA, onde se estatui que os erros de cálculo e materiais só podem ser objecto de correcção no prazo de dois anos.

  2. Sendo com base nesta disposição especial que o Tribunal a quo considerou que o ora Recorrente “tinha o apontado prazo de dois anos para questionar as apontadas falhas existentes em sede de autoliquidação e não tendo apresentado tempestivamente tal correcção, bem foi indeferido o solicitado”.

  3. Ou seja, foi em virtude da aplicação do regime especial constante do art. 78.º, n.º 6, do CIVA que o Tribunal a quo decidiu negar provimento à impugnação e aos pedidos nela formulados pelo Impugnante, ora Recorrente.

  4. No entanto, esse regime especial constante do n.º 6 do art. 78.º do CIVA apenas se aplica às situações de erros materiais ou de cálculo.

  5. O que, manifestamente, não sucede no caso em apreço! 8. Com efeito, encontra-se provado no ponto 2 dos factos provados na douta Sentença recorrida que “Por incompleta interpretação das regras legais aplicáveis, no ano de 2008 a requerente não considerava qualquer pro rata de dedução.” 9. E, de acordo com o plasmado no Acórdão do CAAD, de 06/12/2013 (processo n°.117/2013-T), o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável no n.º 6 do art. 78.º do CIVA porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética.

  6. Assim, o Tribunal a quo deveria ter aplicado o regime geral sobre o prazo para o exercício do direito à dedução de IVA, o qual consta do n.º 2 do art. 98.º do CIVA.

  7. Pelo que, visto que esse regime geral prevê um prazo de quatro anos, o douto Tribunal a quo deveria ter considerado tempestivo o pedido de revisão do acto tributário apresentado pelo ora Recorrente e, consequentemente, deferido a pretensão impugnatória deste.

  8. Ao não o fazer, violou o disposto no n.º 2 do art. 98.º do CIVA.

  9. Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, mesmo que se considere estar perante erros materiais ou de cálculo, o art. 78.º, n.º 6, do CIVA não poderá aplicar-se, uma vez que o mesmo se encontra em desconformidade com o direito da União Europeia.

  10. Sendo esse o caso, como adiante se demonstrará, e estando em causa a interpretação e o alcance correcto de determinadas normas e princípios comunitárias, é competente o Tribunal de Justiça da União Europeia, a quem a questão deve ser submetida a título prejudicial (artigo 276.º TFUE).

  11. Com efeito, importa lembrar que o IVA é um imposto de matriz comunitária, em que as normas nacionais constituem transposição de direito europeu harmonizado, em concreto da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006.

  12. Ora, decorre da leitura conjugada dos artigos 180.º e 182.º da referida Directiva que foi dada ampla liberdade aos Estados-Membros quanto à fixação das condições e procedimentos a observar tendo em vista a dedução do IVA em momento posterior àquele em que o imposto se torna exigível.

  13. Assim, à partida, nada impede o nosso ordenamento jurídico interno de recusar o direito à dedução quando o mesmo é exercido após determinado período temporal.

  14. No entanto, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem sustentado que “embora os Estados-Membros possam adotar sanções em caso de desrespeito de obrigações que têm em vista assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, estas não podem ir além do que é necessário para atingir o objetivo prosseguido” (vide Acórdão do TJUE, de 12 de Julho de 2012, EMS-Bulgária Transport OOD, C-284/11, § 67).

  15. Ou seja, embora tais sanções sejam justificadas, apenas são proporcionais se visarem o combate à fraude ou evasão fiscal ou evitar situações de abuso.

  16. Não tendo esse objectivo, tal sanção — de recusar o direito à dedução — é desnecessária e excessiva e, como tal, desproporcionada, sendo assim desconforme com o direito da União Europeia.

  17. Tanto mais que, se o sujeito passivo não tivesse exercido, absolutamente, o direito à dedução (e assim por não se tratar de erro material ou de cálculo), sempre teria um prazo de quatro anos para o fazer.

  18. E, nos casos em que o tenha feito, embora com erros materiais ou de cálculo, o prazo é reduzido para metade.

  19. Ora, esta desigualdade apenas vem reforçar o carácter desproporcional e excessivo da sanção prevista no n.º 6 do art. 78.º do CIVA.

  20. Em suma, tendo o sujeito passivo direito à dedução, que só não exerceu por errada configuração dos seus serviços contabilísticos, tendo a administração tributária todos os elementos necessários para averiguar a situação daquele, estando capacitada para reconhecê-lo como titular do direito à dedução, tratando-se de operações reais, não simuladas, não existindo fraude ou abuso e não havendo prejuízo para o erário público, não pode deixar de se encontrar aqui uma sanção desproporcionada e, como tal, desconforme com o direito da União Europeia.

  21. Pelo que, salvo melhor opinião, deve, por si, a norma prevista no n.º 6, do artigo 78.º do CIVA ser desaplicada por desconforme com o direito comunitário, nomeadamente com os artigos 167.º, 173.º, 174.º, 175.º, 179.º, 180.º e 182.º da Directiva 2006/112/CE, bem como do princípio da neutralidade tal como previsto no artigo 1.º da Directiva e foi concretizado no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 12 de Julho de 2012, EMS-Bulgária Transport OOD, C-284/11, § 43.

  22. Assim, mesmo que se considere existir uma situação de erro material ou de cálculo – o que não se admite –, o prazo de dois anos previsto no art. 73.º, n.º 6, do CIVA não poderia ser aplicado, sob pena de violação do direito da União Europeia.

  23. Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter aplicado o prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do art. 98.º do CIVA e, consequentemente, ter concedido provimento à impugnação.» * 1.3.

    Não foram apresentadas contra alegações.

    * 1.4.

    O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia (fls. 140-2): “ I- Objeto do recurso.

    A aplicação ao caso do disposto...

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