Acórdão nº 0964/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DO C
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal RELATÓRIO A…………, S.A., notificada do Acórdão de Revista, proferido por este Supremo Tribunal a 07 de Dezembro de 2016, que concedeu a revista e revogou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido a 14 de Janeiro de 2016, no âmbito do proc. nº 12235/15, assim julgando a acção dos autos totalmente improcedente [e igualmente do Acórdão deste mesmo Tribunal, proferido a 01 de Fevereiro de 2017, que se pronunciou, indeferindo, a nulidade arguida e imputada pela AUTORA/RECORRENTE ao Acórdão de Revista acima referido], veio, nos termos do disposto no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos apresentar RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, indicando como Acórdão Fundamento o proferido neste Supremo Tribunal em 07 de Dezembro de 2016, processo nº 684/16 .

Apresenta para o efeito as seguintes conclusões de recurso: «A. O acórdão ora recorrido foi proferido no âmbito de um processo em que a A…………, S.A., peticionou a condenação do Município de Santiago do Cacém a pagar à A………… o valor global de 104.017,49€, acrescido de juros, pela prestação de serviços de recolha, tratamento e rejeição de efluentes domésticos.

  1. Após uma decisão desfavorável à A............ no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, da qual se recorreu, o Tribunal Central Administrativo sul entendeu assistir razão à A............ na sua pretensão, tendo concluindo existir uma relação jurídica contratual entre a A............ e o Município de Santiago do Cacém que, apesar de não reduzida a escrito, e assim, ser nula, implica a restituição do valor equivalente ao serviço prestado, nos termos do artigo 289º, nº 1 do Código Civil.

  2. O Supremo Tribunal Administrativo considerou, porém, na decisão objecto do presente recurso de uniformização de jurisprudência, que o Município nada tinha de restituir à A............, uma vez que, no seu entender, quem beneficia do serviço prestado são os munícipes e não o Município.

  3. Ocorre, contudo, que essa decisão contraria o sentido da Jurisprudência deste Douto Tribunal, a qual, por diversas vezes, em litígios que opõem a A............ ao Município de Sines – o outro beneficiário do sistema por si gerido (cfr. artº 1º do DL nº 171/2001 de 25 de maio) – considerou existir uma relação jurídica efectiva entre essa autarquia e a A............, expressa num contrato que, apesar de nulo, gera uma obrigação de restituição nos precisos termos do artigo 289º, nº 1 do Código Civil.

  4. A título de exemplo atente-se no Acórdão proferido no recurso nº 684/16 da 1ª secção, cujos contornos fácticos e jurídicos são materialmente idênticos aos dos presentes autos, porque: 1) o objecto do recurso é análogo; 2) o quadro jurídico aplicável é semelhante, com destaque, quer para o DL nº 171/2001 de 25 de maio, quer para o Contrato de Concessão celebrado entre o Estado e a A............, assinado em 27 de dezembro de 2011; 3) muitos dos factos dados como assentes, num caso e noutro, são similares (vg facto S) do Acórdão proferido no recurso 684/16 da 1ª secção, vs. facto Y do Acórdão proferido no recurso 964/16-11; e a questão jurídica primordial a resolver, em ambos os casos, era saber se existia ou não uma relação contratual entre a A............ e o Município respectivo que legitimasse a restituição dos valores dos serviços ao abrigo do artº 289º, nº 1 do Código Civil.

  5. Aliás, a identidade das causas é evidenciada pelo próprio Acórdão recorrido quando refere que a fundamentação usada em outro acórdão, que cita, para fundamentar a admissibilidade da revista, justifica que se admita o recurso no presente processo, assumindo nesse contexto, que “admitiu-se também a revista em casos semelhantes nos procºs 391/16, 401/16, 442/16, 443/16, 444/16, 684/16 e 688/16, ainda sem decisão final” (destaque nosso). Ora, o processo nº 391/16 e, precisamente, o Acórdão cuja decisão serve de fundamento, in totum, do Acórdão proferido no recurso nº 684/16 da 1ª secção.

  6. A contradição de base em que assenta a oposição de julgados que subjaz ao presente recurso foca-se, fundamentalmente, na novidade trazida pelo Acórdão Fundamento relativamente a todas as decisões judiciais já tomadas relativamente à mesma questão jurídica, novidade essa que consiste no entendimento segundo o qual o sistema gerido pela A............ abrange a prestação de serviços em baixa.

  7. Com base neste raciocínio, entende-se, portanto, o município não gere nem é responsável por qualquer serviço público de saneamento, seja em alta, seja em baixa, pelo que não se relaciona contratualmente com a A............. Prosseguindo a mesma lógica, o beneficiário da actividade da A............ são os utilizadores finais, os munícipes, e não o próprio município, já que este não tem qualquer intervenção naquele ciclo do saneamento.

    I. Diferente entendimento assumiu o Acórdão Fundamento; ao decidir que entre a A............ e o Município existe uma relação contratual, o Acórdão Fundamento decide igualmente que o Município é responsável pelo saneamento em baixa.

  8. Para o Acórdão Fundamento, são as infra-estruturas em baixa, propriedade do município e por si geridas, que levam os efluentes produzidos até ao ponto de entrega da Barbuda, local onde se inicia toda a rede gerida pela A............ e sob a sua responsabilidade (isto é, sob sua gestão).

  9. O Acórdão Recorrido incorre em erros de julgamento, violando as normas legais aplicáveis.

    L. Para além dos vícios intrínsecos ao próprio acórdão recorrido, - e que foram detalhadamente evidenciados pela A............ no requerimento de arguição de nulidades, julgado extemporâneo, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, particularmente para efeitos da invocação da excepção de ofensa do caso julgado, invocável a todo o tempo – o Acórdão recorrido e, particularmente, a decisão principal em que o mesmo assenta, incorre em erro de julgamento, violando o enquadramento legal e regulamentar a que a A............ está vinculada.

  10. Ao contrário do que supõe o Acórdão recorrido, o sistema da A............ não abrange as infra-estruturas da baixa do saneamento.

  11. A rede municipal de saneamento do Réu Município não foi, como decorre dos factos provados nas alíneas F) e G), transferida para a A............

    e não integra o sistema por esta gerido; ora, só o sistema que, por força desse decreto-lei, foi transmitido nessa data para o Estado foi depois, pelo DL nº 171/2001, transferido para a gestão da A............. E só releva para efeitos da delimitação da actividade e responsabilidade da A.............

  12. Se a rede em baixa está fora do sistema gerido pela A............, é evidente, portanto, que é o município que gere essa parte da rede e que injecta na rede que integra o sistema gerido pela A............ os efluentes por si recolhidos.

    P.

    Não pode haver dúvidas – até porque isso mesmo está provado nos presentes autos: cfr. as supra citadas alíneas G), J), Y) e II, da matéria de facto provada – de que é o Município quem recolhe as águas residuais juntos dos seus munícipes e de que é à rede municipal de saneamento [ao ponto de recolha] que a A............ vai buscar tais águas residuais após estas terem sido recolhidas pelo Município.

  13. Neste quadro, a decisão de considerar que não está provado que o Réu fosse ou seja beneficiário ou utilizador dos serviços da autora, está, pois, em manifesta oposição com os factos acabados de enunciar e com o DL nº 115/89 e com o DL nº 171/2001, diplomas legais em que assenta toda a arquitectura do sistema gerido pela A............ e a delimitação da actividade que, nos termos da lei e do contrato de concessão lhe foi cometida.

  14. Efectivamente, não fora este desacerto de considerar que o sistema gerido pela A............ inclui a gestão do saneamento em baixa, e a decisão contida no Acórdão recorrido não podia deixar de ser outra, isto é, que o Município é o beneficiário directo dos serviços de recolha, tratamento e rejeição de efluentes domésticos prestados pela A............, sendo devedor dos montantes peticionados na Petição Inicial, ainda que o seja tão só nos termos do nº 1 do artº 289º do CC.

  15. Nestes termos, dúvidas não restam de que, parte a parte, foram cumpridas obrigações inseridas no plano contratual existente; da parte da A............ foi cumprida a obrigação de prestação dos serviços de recolha, tratamento e rejeição de efluentes domésticos; da parte do Município foram cumpridas as obrigações contratuais de ligação ao sistema municipal e de encaminhamento dos efluentes domésticos emergentes do seu sistema municipal de recolha em “baixa” para o Sistema.

  16. Com efeito, como decorre da factualidade provada, o município, não obstante devolver as facturas à A............, continua a usufruir dos serviços prestados pela A............

    , contribuindo para essa prestação ao encaminhar os efluentes domésticos da sua rede “em baixa” para o Sistema. Tal actuação traduz, naturalmente, uma vontade tácita em usar os serviços da A.............

  17. O que está em causa é simplesmente o não cumprimento pelo Município de facturas relativas a serviços efectivamente prestados pela A............: o Município usou efectivamente os serviços prestados pelo Sistema, mas simplesmente recusa-se a pagar as facturas relativas à contrapartida devida pela prestação de tais serviços, contrapartida essa que, como se viu, antecipadamente conhece».

    Termina pedindo: a) «Ser reconhecida a contradição de julgados; b) Ser reconhecido o erro de julgamento ao acórdão recorrido; c) Ser decidido, em sede de uniformização de jurisprudência no sentido decidido no acórdão Fundamento, sendo, por conseguinte, condenado o Município ao pagamento da quantia peticionada».

    * O MUNICÍPIO DE SANTIAGO DO CACÉM contra alegou no sentido da não admissão do recurso extraordinário por não se verificarem os respectivos pressupostos legais...

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