Acórdão nº 0515/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO da SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A………………….., residente na Rua ……………, n.º ……….., ………., em Carcavelos, inconformada com o acórdão da Secção que julgou improcedente o processo cautelar que intentara contra a Assembleia da República (AR), dele recorreu para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: “1. Além dos factos elencados no acórdão recorrido, deverão ser dados como assentes os factos indicados no ponto 2 desta alegação, alegados pela requerente, não impugnados pela requerida, nem na oposição, nem na contestação da ação, resultando a sua prova ainda de documentos juntos ao processo e que, por respeitarem à fundamentação factual do pedido de jornada contínua objeto destes autos, têm relevância central para a decisão final: 2. Estando preenchidos, no caso, os requisitos de decretamento da providência previstos no art.º 120.º CPTA, errou o acórdão recorrido ao indeferi-la, para o que contribuíram em grande parte alguns equívocos e erros fácticos em que incorreu, bem como a desconsideração de factos e circunstâncias muito relevantes, que imporiam decisão diversa; 3. Errou o acórdão recorrido, violando, nomeadamente, o art.º 114.º, n.º 3, al. a) LTFP, ao considerar que o ato foi validamente fundamentado (à luz do art.º 153.º, nºs. 1 e 2 CPA e do art.º 268.º, n.º 3, da CRP) e que não foi praticado com base em critério inadmissível ou erro manifesto: mesmo um juízo perfunctório que não pressuponha uma análise exaustiva das ilegalidades apontadas ao ato teria de concluir ser este legal; 4. O art.º 114.º, n.º 3, al. a) LTFP é concretização de um direito fundamental com consagração constitucional (em particular no art.º 68.º, n.º 4), que vincula as entidades empregadoras, podendo ser-lhes oposto diretamente, devendo pois ser objeto de interpretação conforme os preceitos constitucionais em causa; 5. Ao proferir decisão sobre um pedido de jornada contínua, a Administração não pode abster-se de avaliar em concreto as necessidades do trabalhador e a efetiva repercussão da satisfação da sua pretensão no funcionamento do serviço onde está colocado, não lhe sendo lícito basear a decisão unicamente em motivos genéricos e meramente conclusivos, como foi o caso; 6. E embora no acórdão recorrido se tenha feito constar que nessa decisão se impõe “a devida ponderação dos interesses em causa, nomeadamente o do trabalhador e o do funcionamento do serviço”, a verdade é que o tribunal não retirou daí as devidas ilações quanto ao caso concreto, já que essa ponderação não foi feita na fundamentação do ato, que está, ao invés, suportado em meros juízos conclusivos, genéricos e vagos – com total desconsideração da situação concreta; 7. Sendo sintomático que na fundamentação do ato não se encontra resposta para a seguinte questão: o facto de a requerente ter dois filhos gémeos muito pequenos, ainda bebés e de o seu horário a obrigar a estar diariamente fora de casa mais de 11 horas constituía circunstância particularmente ponderosa favorável ao deferimento da pretensão, mesmo que para tal fosse necessário (que não era) a elaboração de escalas de serviço (como a requerida fez para “conciliar os interesses do serviço com os interesses do funcionário parlamentar estudante”) ou, em último caso, a mobilidade para outra unidade orgânica onde as exigências do funcionamento da Assembleia da República pudessem ser mais facilmente asseguradas? 8. Nem tão-pouco se encontra resposta para a seguinte questão essencial: o deferimento do pedido da requerente, cuja equipa integrava outros assessores para o exercício das mesmas funções, era suscetível de pôr em causa o funcionamento desse serviço? 9. Desconsiderou ainda o acórdão recorrido uma circunstância fundamental, relacionada com o regime de trabalho aplicável à requerente: o facto de estar vinculada a um dever especial de disponibilidade permanente, traduzido na obrigação de garantir “a todo o tempo a prossecução das tarefas necessárias ao adequado funcionamento das atividades parlamentares”, podendo implicar o prolongamento da jornada de trabalho diário e semanal, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. d) do EFP e do n.º 5 do Regulamento de Horário dos Serviços da AR; 10. Tal como se reconheceu na própria fundamentação do ato, o cumprimento deste dever, não sendo incompatível com a jornada contínua, implica uma “derrogação ao regime da jornada contínua” sempre que os trabalhos parlamentares o ditarem, pelo que o pedido formulado pela requerente se traduz, em suma, nisto: a redução em 1 h. do período normal de trabalho diário, quando possível; 11. Donde, a prestação de trabalho em regime de jornada contínua, pela requerente, nunca poderia pôr em causa o serviço, por estar sempre garantido o funcionamento dos trabalhos parlamentares – e é a própria requerida, aliás, que na fundamentação do ato admite que a concessão da jornada contínua à requerente não colocaria em causa a sua disponibilidade permanente; 12. E note-se que aqui não estamos no domínio da valoração própria da função administrativa: constitui questão de direito, que o tribunal tem o poder de apreciar, apurar se o gozo da redução horária decorrente da jornada contínua cede, sempre que necessário, perante o dever legal de disponibilidade permanente; 13. Não é assim difícil perceber a razão de, apesar de então só haver mais uma assessora na equipa da requerente, durante quatro meses a requerente ter gozado uma dispensa de 2h30m diárias para aleitamento sem ter posto em causa o exercício das suas funções e o funcionamento do serviço, tal como foi superiormente reconhecido – facto este que o acórdão recorrido também desconsiderou, tal como já tinha sido ignorado na fundamentação do ato, apesar de ter sido expressamente invocado pela requerente; 14. E se dúvidas não sobram, assim, de que na devida apreciação do caso concreto não existia motivo válido para indeferir a pretensão da requerente (à luz do único critério considerado relevante pela requerida: o dano para o funcionamento dos serviços), já quanto à argumentação genérica e meramente conclusiva em que assentou o ato, e que o acórdão acolheu, esta é incongruente e contraditória, não podendo, por isso, ter-se como fundamentação clara, objetiva, razoável e suficiente para a fundamentação do ato; 15. Com efeito, ao basear o indeferimento no argumento de que seria necessário garantir “igualdade de tratamento” com os “outros funcionários em idênticas circunstâncias” – os funcionários progenitores com filhos até aos 12 anos – já que o deferimento do pedido da requerente “iria seguramente desencadear a apresentação de idênticos pedidos por parte dos funcionários” que se encontravam “nas mesmas condições da requerente”, a requerida incorreu no equívoco de fazer equivaler esta identidade de circunstâncias unicamente à condição de progenitor de filho menor de 12 anos (mero pressuposto de legitimidade para o pedido de jornada contínua), em lugar de atender às circunstâncias concretas pessoais e funcionais de cada funcionário (v.g, número de filhos, idade das crianças, distância entre casa e local de trabalho e se o funcionário está ou não integrado em equipa com mais funcionários para o exercício das mesmas funções); 16. Ora não pondo o deferimento do pedido da requerente em causa o funcionamento do serviço em que está integrada, forçoso é concluir que relativamente a outros funcionários em circunstâncias idênticas tal prejuízo também não poderia ocorrer – de outro modo, não estaríamos já a falar de circunstâncias idênticas.

17. A fundamentação em que se baseou o ato impugnado – a que o acórdão recorrido aderiu – só seria válida se estivesse em causa um mero direito potestativo, isto é, se bastasse o funcionário ser progenitor de filhos menores de 12 anos para lhe ser deferido o pedido de jornada contínua. Mas a requerida não reconhece que se trate de um direito potestativo, sendo, em suma, manifestamente incongruente e contraditória a fundamentação do ato; 18. E a incongruência agrava-se em face da alegação da requerida de que teria proposto à requerente «uma redução (horária) de 5h/semana, exatamente a redução semanal equivalente ao máximo possível com a concessão da jornada contínua», o que seria extensível aos restantes funcionários parlamentares «em situação idêntica», em face do fica sem se descortinar qual o verdadeiro motivo para o indeferimento do pedido da requerente; 19. Em todo o caso, se o receio da requerida era o referido em 15, estaria sempre ao seu alcance regular, por via regulamentar, a atribuição do regime de jornada contínua, prescrevendo, por exemplo, a necessidade de renovação anual do pedido, definindo soluções gestionárias (como as escalas de serviço que prevê para os funcionários estudantes) e fixando, por exemplo, critérios de prioridade para o caso de todos os funcionários de uma mesma equipa requererem o regime; 20. Ao recusar, ao invés, a aplicação, na Assembleia da República, do art.º 114.º, n.º 3, al. a) da LTFP, o ato incorreu em violação desta norma e do art.º 88.º, n.º 3 do EPF, bem como dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso; 21. Errou também o acórdão recorrido, violando os artºs. 19.º, n.º 6 e 20.º, n.º 1, al. c) e Anexo 1 do EFP, ao considerar que os funcionários...

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