Acórdão nº 90/08.8TTMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) - LIVRO 91 - FLS 102.

Área Temática: .

Sumário: I - A obrigação de não concorrência constitui corolário do dever de lealdade, decorrente da celebração do contrato de trabalho, que impõe ao trabalhador o dever de se abster de comportamentos contrários ou lesivos dos interesses da entidade empregadora.

II - O exercício de actividade concorrencial pressupõe que o trabalhador, seja por conta própria e/ou no interesse de outrem e à margem da organização empresarial do empregador, leve a cabo actividade ou pratique actos próprios de actividade idêntica à que é desenvolvida pelo empregador, de tal modo, mas para isso bastando, que o seu comportamento, independentemente da verificação de prejuízo efectivo do empregador, seja apto a criar a expectativa de uma actividade concorrencial.

III - Constitui violação do dever de não concorrência o comportamento do trabalhador, técnico de manutenção, que, a pedido de cliente (proprietária de exploração leiteira) ou potencial cliente da empregadora, procede à ligação de três pulsadores de uma sala de ordenha, quando a ré, empregadora, se dedica, para além do mais, à prestação de assistência técnica a explorações leiteiras e à compra e venda de equipamento, novo ou usado, de ordenha.

IV - Tal comportamento, independentemente da verificação do prejuízo efectivo por parte da empregadora, quebra a indispensável confiança que deverá presidir à relação laboral, constituindo justa causa de despedimento, tanto mais quando a empregadora havia, previamente, dado conhecimento ao trabalhador de que a prática de actos de concorrência determinariam a instauração de procedimento disciplinar com vista ao despedimento.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Procº nº 90/08.8TTMTS.P1– Apelação Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 266) Adjuntos: Des. André da Silva Des. Machado da Silva (Reg. nº 1426) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I Relatório: B………., aos 30.01.2008, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra C………., Lda, pretendendo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e que a ré seja condenada a reintegrá-lo, a pagar-lhe a quantia de €5.000,00 pelos danos patrimoniais causados em virtude do despedimento e da suspensão preventiva e ainda a pagar-lhe todas as remunerações vencidas e vincendas que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da sentença, tudo acrescido de juros de mora.

Para tanto alega, em síntese, que: sendo trabalhador da ré desde Maio de 1990, com a categoria de técnico de manutenção de sala de ordenha, foi despedido no termo de um processo disciplinar, cuja decisão lhe foi comunicada em 09/01/2008; tal despedimento é ilícito por não ocorrer a justa causa invocada, já que tendo o autor sido acusado de um acto de concorrência com a ré, na verdade, não praticou os factos que lhe foram imputados, tendo-se limitado a ligar dois pulsadores electrónicos e, ainda assim, como um favor a um amigo, a título gratuito, sem consciência de qualquer ilicitude da sua actuação, e sem que lhe possa ser imputada a perda de qualquer negócio com o dono da exploração em causa. Mais alega que aquela sua actuação não causou qualquer prejuízo à ré e que o despedimento viola o princípio da proporcionalidade.

De todo o modo entende o autor que o despedimento sempre seria ilícito por falta de fundamentação da decisão que não especifica os factos dados como provados e como não provados, assim como não especifica em que se baseou para os dar ou não como provados, não tendo feito um juízo em que pondere todas as circunstâncias concretas do caso, nem uma apreciação da prova produzida.

Reclama o pagamento de: €5.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da ilicitude do despedimento e de falta de fundamentação para a aplicação da suspensão preventiva; em caso de vir a optar pela indemnização, a indemnização equivalente a 45 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade até ao trânsito em julgado da sentença, no montante, até à data da p.i., de €40.888,80 (6,31€/hora, incluindo o prémio piquete como parte da retribuição x 8 x 45 x 18); retribuições vencidas até 28.01.08, no total de €929,89 (incluindo €506,00 de remuneração relativa aos 18 dias anteriores á data da propositura da acção; €249,40 de prémio piquete; €91,20, de subsídio de alimentação referente aos primeiros 12 dias úteis dos 18 dias anteriores à propositura da acção; €55,46, de férias, e respectivo subsídio, vencidos em 01.01.08, na respectiva proporção até 28.01.08; €27,73, de subsídio de Natal proporcional até 28.01.08; e retribuições vincendas.

A ré contestou, reiterando a justa causa invocada no processo disciplinar para o despedimento do autor, que se reconduz, no essencial à circunstância de o autor, concertadamente com um outro colega, ter montado uma sala de ordenha, o que correspondendo à área de actividade da ré, constitui um acto de concorrência, e à circunstância de ter na carrinha que lhe estava distribuída pela ré material em excesso e material em falta como veio a ser apurado num inventário realizado, actos e omissões que motivaram uma total e irreversível perda da confiança que a ré depositava no autor.

Conclui não ser devida ao autor qualquer indemnização e que caso assim não se entenda a indemnização de antiguidade não deverá ser calculada do modo constante da petição inicial, e que ás retribuições posteriores ao despedimento sempre terá de ser deduzido o subsídio de desemprego auferido pelo autor.

O autor não respondeu.

Realizou-se audiência preliminar, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, de que não foram apresentadas reclamações.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foi aditado um quesito à base instrutória.

Decidida a matéria de facto, de que não foram apresentadas reclamações, e apresentado pelo A. requerimento a manifestar a opção expressa pela reintegração na ré para o caso de a acção ser julgada procedente, foi então proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a ré dos pedidos contra ela formulados.

Inconformado, o Autor, litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. fls. 350 a 353), apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões: 1. A presente sentença, com os fundamentos nela invocados, e salvo melhor opinião, não podia ter considerado lícito o despedimento perpetrado pela Ré contra o A..

Porquanto, 2. Não obstante a existência de um procedimento disciplinar, a Recorrida apenas observou formalmente os requisitos a cumprir, pois substancialmente a decisão de despedimento careceu de uma completa fundamentação, na medida em que a decisão de despedimento tem que explicar de forma clara e transparente, a motivação, não só final mas sim total de todos os elementos que contribuem para a decisão final.

  1. Não basta respeitar formalmente o princípio do contraditório, cumprindo-se os passos processuais legalmente exigidos, inquirindose testemunhas arroladas pelo Apelante. Há que concretizar substancialmente este princípio, considerando de forma justificada as motivações que contribuíram para a decisão, não podendo ser os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Apelante menosprezados sem mais, demonstrando parcialidade na sua decisão, desrespeitando o preceituado na lei e o intuito legislativo.

  2. Ademais, é de notar um juízo pré-concebido contra o Apelante pela Ré, o que se pode atestar pela não concretização factual em sede de julgamento de factos dados como consumados na nota de culpa; factos esses fundamentais e que determinaram, o despedimento com justa causa.

  3. É ainda de salientar a inclusão na nota de culpa de uma repreensão registada aplicada ao ora Apelante em 1996 (a qual até nem os formalismos legais respeitou). Ora, a recorrida ao inserir esta repreensão na nota de culpa, sob a cortina da dissimulação, pretende falsificar a exemplar folha de serviço do trabalhador, tentando denegrir a personalidade do indivíduo e a sua dignidade profissional deixa transparecer um comportamento de má-fé por parte da entidade empregadora que, desprovida de outros elementos, no caso em apreço, para realçar a violação dos deveres do trabalhador, tem que recorrer a factos antigos, anteriores e desconexos à situação investigada.

  4. Ora, a Recorrida, na nota de culpa, como fundamento para o despedimento com justa causa alega factos que não ocorreram e outros irrelevantes, o que realça a sua má fé em todo o processo, tentando a todo o custo justificar a sua decisão.

  5. Entende o Recorrente que dos quesitos dados como provados não se pode aferir da violação do dever de lealdade, porquanto não houve intenção de lesar a entidade empregadora, ora Recorrida.

  6. Nem a Recorrida pode provar que da acção do Apelante resultaram para si prejuízos, pelo que não houve de forma alguma falta para com a Recorrida, nem para os seus respectivos fins, não se podendo também invocar qualquer tipo de concorrência.

  7. Entende também o Apelante que a Meritíssima Juíza "a quo" fez uma errada interpretação do dever de zelo, na medida em que responsabiliza o Apelante pela falta de organização e fiscalização da Recorrida. Ora, sobre o Apelante impende apenas o dever de zelar pela boa conservação e uso dos materiais e não o de providenciar inventários.

  8. Acresce ainda que, não obstante, a sanção aplicada não está conforme os juízos de adequabilidade, razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que, independentemente de estarmos a falar de deveres absolutos, há sempre que considerar quer um elemento subjectivo, quer um elemento objectivo. Ora, se atendermos ao juízo de um empregador médio podemos considerar que, de modo algum, se verifica a insustentabilidade da relação contratual, considerando vários factores...

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