Acórdão nº 572/07.9TBVLC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2009
Magistrado Responsável | RODRIGUES PIRES |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 331 - FLS. 19.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ALÍNEAS C) E G) DO N° 1 DO ART. 4 DA LEI N° 18/2003, DE 11.6 Sumário: I- Se num contrato de mútuo o mutuário cumpre a obrigação a que estava vinculado, procedendo à restituição da quantia mutuada e respectivos juros, não pode haver lugar a qualquer dever de indemnizar, o que, desde logo, exclui a aplicação da cláusula penal; II- Tendo-se inserido num contrato de mútuo uma cláusula pela qual o mutuário se obrigava a vender toda a sua produção de leite ao mutuante, esta infringe o disposto nas alíneas c) e g) do n° 1 do art. 4 da Lei n° 18/2003, de 11.6, que aprova o Regime Jurídico da Concorrência e, assim sendo, deve ser considerada nula, face ao que se dispõe no n°2 do mesmo preceito legal.
Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 572/07.9 TBVLC.P1 Tribunal Judicial de Vale de Cambra – 1º Juízo Apelação Recorrentes: “B……………, Ldª” e “C……………., SA” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora “B………….., Ldª”, com sede no lugar ………, freguesia de …………., Vale de Cambra, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra a ré “C………….., SA”, com sede em ……….., ……., Vale de Cambra, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €5.000,00, acrescida de juros de mora.
Alegou, em síntese, que há mais de 10 anos a ré lhe vem comprando leite. Relativamente ao leite fornecido no mês de Agosto de 2007, o preço total do mesmo foi de €8.263,12 acrescido de IVA. Acontece que por conta desse preço, a ré apenas pagou a quantia de €2.923,10, encontrando-se em dívida o montante peticionado.
A ré apresentou contestação, alegando que entre as partes foi celebrado um contrato de mútuo, através do qual a ré concedeu à autora um empréstimo de €15.000,00, que seria pago em 20 prestações mensais de €750,00 cada uma, até ao dia 10 do mês respectivo, iniciando-se o seu pagamento no mês de Fevereiro de 2007.
Nesse contrato foi ainda estipulado que enquanto a autora devesse qualquer quantia à ré no âmbito desse contrato teria de vender-lhe toda a produção de leite. Mais estipularam que a falta de cumprimento dessa obrigação, durante o período de duração do contrato, determinaria a obrigação da autora pagar à ré a quantia de €5.000,00.
Tendo a ré apurado que, em Setembro de 2007, a autora vendeu leite a terceiros desde Julho de 2007 a Setembro do mesmo ano, comunicou-lhe que no pagamento a efectuar nesse mês retinha a quantia de €5.000,00 para pagamento da indemnização prevista no contrato.
Como tal, o direito de crédito da autora sobre a ré extinguiu-se por meio de compensação. Admitindo, contudo, que tal compensação não houvesse sido feita, sempre a ré poderia proceder à mesma através da sua contestação.
A autora respondeu à excepção invocada pela ré, alegando que nunca esteve em mora, que o adicionamento da cláusula penal constitui abuso de direito e, caso a mesma seja aplicada, deverá ser reduzida equitativamente.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixada a matéria fáctica assente e organizada a base instrutória.
Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo e o tribunal respondeu à base instrutória através do despacho de fls. 128/130, que não teve qualquer reclamação.
Foi depois proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado a ré “C…………….., SA” a pagar à autora “B………………., Ldª”a quantia de €2.500,00.
Inconformados com esta sentença, dela interpuseram recurso a autora e a ré.
A autora finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A douta sentença em recurso, relativamente ao pedido de condenação nos juros de mora, omitiu a devida pronúncia, enfermando da nulidade prevista no art. 668, nº 1, al. d) do CPC.
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Os autos reúnem todos os elementos para ser proferida decisão segura no sentido da condenação da ré nos juros de mora.
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A obrigação da autora vender à ré toda a produção de leite e cláusula penal convencionada foi estabelecida apenas como forma de garantir o pagamento das prestações de amortização do empréstimo.
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Tendo a autora pago, no tempo e lugar devidos, as prestações de amortização do empréstimo e os respectivos juros, não pode a ré exigir o pagamento da cláusula penal, sob pena de violação do disposto no art. 811, nº 1 do C.Civil.
Sem prescindir, 5. A cláusula estabelecida e integrada no clausulado de um contrato de mútuo oneroso, nos termos da qual um produtor de leite (mutuário), durante a vigência do contrato, se obriga a vender toda a sua produção leiteira ao mutuante, é incompatível com os princípios contidos nos arts. 81 e 82 do Tratado da União Europeia, e nula face ao disposto no art. 4 e 7 da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho.
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Sendo nula a cláusula, nula será também a cláusula penal convencionada para o incumprimento da obrigação.
Sem prescindir, e no caso de improcedência das conclusões 3, 4, 5 e 6: 7. Nas particulares circunstâncias do caso “sub judice” impõe-se uma redução ainda mais substancial do montante da cláusula penal: 8. Foi violado o disposto nos arts. 811, nº 1 do C. Civil e arts. 4, nº 1, al. c) e g) e 7, nºs 1 e 2, al. a) da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho.
A ré, por seu turno, apresentou contra-alegações e finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A decisão proferida que reduziu equitativamente a cláusula penal, ao abrigo do art. 812 do Cód. Civil, deve ser revogada.
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Não assistindo ao julgador, no caso concreto, essa possibilidade e também, ainda que fosse possível, sem que se encontrassem configurados os respectivos pressupostos.
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A possibildade de o tribunal, de acordo com a equidade, reduzir a claúsula penal, não é admissível sem que o interessado nessa redução haja realizado pedido nesse sentido e bem assim alegar factos integradores para consubstanciar essa possível questão.
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O uso dessa faculdade de redução da cláusula penal não é oficioso, mas sim dependente de pedido do devedor da indemnização.
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E mesmo que se considere não ser necessária a formulação de um pedido formal, sempre devem ser alegados “os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que forneçam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso, do que a liberdade contratual não suporta...” 6. Da aplicação a estes autos do art. 812 do CC em causa deve concluir-se que não existe nenhum pedido formal para...
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