Acórdão nº 012/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução25 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2787/16.0BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a reclamação deduzida pela sociedade denominada “A………… - SGPS, S.A.” (adiante Executada ou Recorrida), ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra a decisão por que a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10 indeferiu o pedido de suspensão da execução e de substituição da penhora por prestação de garantia num processo executivo em que é executada.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

  1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos autos em que é Reclamante A………… SGPS, S.A., que julgou procedente a reclamação apresentada nos termos do disposto no art. 276.º e seguintes do CPPT e anulou o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10, em 10 de Maio de 2016, através do qual foi indeferida a suspensão do processo de execução fiscal n.º 3255201481089368 e a substituição dos actos e penhora praticados por garantia nos termos do disposto no art. 52.º da Lei Geral Tributária (doravante, LGT) e 169.º do CPPT.

  2. O Ilustre Tribunal “a quo” considerou que os fundamentos invocados pela reclamante como causa de prejuízo irreparável se enquadram no conceito legal consagrado no n.º 3 do art. 278.º do CPPT.

  3. Por outro lado, e quanto ao mérito da causa, considerou o Tribunal “a quo” que o despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10 não está fundamentado, tendo determinado a anulação do mesmo.

  4. Justifica o Tribunal “a quo” a sua posição considerando que o despacho proferido se limita a referir que o serviço de finanças optou por efectuar a penhora sem concluir porque razão decidiu nesse sentido e não noutro, bem como que na informação que suporta o acto reclamado não é feita nenhuma referência quanto ao facto de a executada se encontrar a discutir a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2010, que espera vir a proceder atendendo à decisão procedente proferida pelo CAAD, quanto às liquidações de IRC referentes a 2011 e 2012. Mais entendeu o Tribunal “a quo” que quanto à garantia oferecida e à opção pela penhora por parte da Administração Tributária e Aduaneira, a reclamante não ficou a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão, sendo que o mesmo aconteceu quanto ao pedido referente à impugnação do exercício do ano de 2010 pois, sobre o mesmo a Administração Tributária e Aduaneira nem sequer se pronunciou.

  5. No entendimento da Representação da Fazenda Pública, a decisão ora recorrida não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice.

  6. Dispõe o n.º 1 do art. 103.º da LGT que «O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional».

  7. Ora, este enunciado normativo exprime literalmente o sentido de que a execução fiscal se realiza através de um “processo” e não de “um procedimento administrativo”.

  8. Ao atribuir-se à execução fiscal a natureza judicial numa Lei de Bases, como é a LGT, está-se a impor a obrigatoriedade de se moldar a tramitação da execução segundo as formas próprias dos processos judiciais, o que implica a aplicação supletiva das regras do processo civil.

  9. De facto, se a execução fiscal deve ser qualificada como um processo, então o conjunto de actos por ele formado são actos processuais e não actos procedimentais, pelo que fazem parte do complexo de actos que formam a sequência processual, tendo relevância no desenvolvimento da relação processual.

  10. Aliás, essa distinção é claramente assumida pelo legislador quando na alínea h) do n.º 1 do art. 54.º da LGT e na alínea g) do n.º 1 do art. 44.º do CPPT apenas inclui no âmbito do procedimento tributário a “cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial”.

  11. Ora, como o processo de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se lhe aplicam.

  12. Em suma, determinada a natureza processual dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal, conclui-se pela inaplicabilidade das normas próprias do procedimento tributário, como é o caso do artigo 77.º da LGT, sob a epígrafe «fundamentação e eficácia», integrado no Capítulo IV – Decisão do título III – Do procedimento tributário do CPPT.

  13. Ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se concede, a Representação da Fazenda Pública discorda do entendimento jurídico adoptado pelo Tribunal “a quo” quanto ao juízo feito relativamente à eventual falta de fundamentação do despacho do órgão de execução fiscal, objecto de reclamação.

  14. Assim, a entender-se que os actos praticados pelo órgão de execução fiscal no âmbito do decurso do processo de execução fiscal estão sujeitos ao dever de fundamentação da mesma forma que os actos administrativos, então não se poderá aceitar a solução jurídica perfilhada na douta sentença ora recorrida.

  15. “A fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo” (vide FREITAS DO AMARAL in Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2011, página 387).

  16. De acordo com os entendimentos doutrinais e jurisprudenciais proferidos sobre esta matéria para ser válida, a fundamentação tem preencher diversos requisitos, devendo ser: «expressa, no sentido de não ser admissível uma fundamentação que apenas se infira de outros aspectos do acto ou procedimento administrativo; sucinta, o que proíbe fundamentações desmesuradamente extensas, quer por atentarem contra os princípios da desburocratização e da eficiência, quer por poderem perturbar a apreensão, pelos particulares, dos motivos que presidiram à emissão do acto; clara, o que proíbe as fundamentações obscuras; congruente, o que proíbe fundamentações contraditórias, quer em sim mesmas, quer em relação à decisão contida no acto; suficiente, no sentido de os motivos aduzidos deverem chegar para que o particular compreenda as razões da prática do acto; acessível, no sentido de que designadamente nos casos de fundamentação por homologação, o acesso dos particulares à fundamentação não poder ser impedido ou dificultado em virtude da separação física entre o documento que contém a decisão e aquele que contém a fundamentação» (Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS in Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2007, página 149).

  17. A decisão adoptada pelo Chefe do Serviço de Lisboa 10 encontra-se fundamentada por remissão para a informação elaborada por funcionário do órgão de execução fiscal e datada de 09/05/2016, que lhe precede, em consonância com o disposto no n.º 1 do art. 77.º da LGT.

  18. Na senda do aresto do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 18-03-1999, no âmbito do processo n.º 034687, cujo entendimento subscrevemos, «II- O art. 125.º, n.º 1 do CPA [actual art. 153.º do CPA], ao preceituar que a fundamentação dos actos administrativos pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, não exige uma declaração formal expressa, mas uma declaração inequívoca que não deixe dúvidas quanto à identificação dos fundamentos do acto».

  19. De facto, quer através do teor da informação que lhe antecede, quer através do despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças, foi dado a conhecer à ora reclamante o itinerário cognoscitivo que presidiu à decisão de indeferimento do pedido deduzido, revelando ao destinatário, embora sucintamente, as razões de facto e de direito que congruente e logicamente levaram a Administração a tomar aquela decisão nomeadamente, T) o facto de a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2011 ter sido objecto de procedimento de revisão oficiosa, nos termos do disposto no art. 78.º da LGT, U) não sendo este, no entanto, meio de discussão da legalidade da dívida exequenda, porquanto não se encontra previsto no n.º 1 do art. 169.º do CPPT, V) motivo pelo qual, necessariamente, não foi aceite a constituição de garantia susceptível de suspender o processo de execução fiscal supra mencionado.

  20. O despacho ora reclamado baseia-se, portanto nas disposições legais consagradas nos artigos 195.º, 199.º e 169.º, todos do CPTT.

  21. Ora, o órgão de execução fiscal tem de indicar os factos e as normas de direito que alicerçaram aquela decisão revelando assim o processo lógico e congruente seguido de modo que o destinatário desse acto fique a saber o iter cognitivo e valorativo que a Autoridade Tributária considerou naquela decisão, Y) sendo que, do despacho de indeferimento, a ora reclamante ficou a saber as razões pelas quais não era aceite a suspensão do processo de execução fiscal mediante prestação de garantia oferecida, pelo que considera a Representação da Fazenda Pública que o despacho reclamado se encontrava devidamente fundamentado.

  22. Deste modo, a fundamentação do despacho reclamado é suficiente, porquanto, no contexto em que o acto foi praticado, permite que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão tomada.

    A

  23. Por outro lado, a fundamentação, no caso concreto, é também clara, uma vez que permite compreender, sem incertezas e perplexidades, o sentido e motivação da decisão do Chefe do Serviço de Finanças.

    BB) Além disso, a fundamentação é também congruente, atendendo a que surge como conclusão lógica das razões apresentadas, quer no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT