Acórdão nº 3770/06.9TBVCD-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 329 - FLS 86.

Área Temática: .

Sumário: O expropriado pode requerer a expropriação total, sem necessidade de recorrer simultaneamente da decisão arbitral, mesmo nos casos em que os senhores árbitros não tenham procedido à avaliação da parte não abrangida pela declaração de utilidade pública.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

RELATÓRIO.

Recorrentes: B………. e C……….; D………., Ldª.

Recorrida: EP Estradas de Portugal, S.A..

Tribunal Judicial de Vila do Conde – .º Juízo Cível.

*Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante EP Estradas de Portugal, S.A. e interessados os expropriados B………. e C………. e a arrendatária D………., Ldª, foi proferido despacho que adjudicou à expropriante o direito de propriedade sobre a parcela de terreno designada como parcela nº 67, com a área de 7.536 m2, a destacar de prédio rústico com a área total de 16.000 m2, denominado …….., sito no ………, freguesia de ……….., inscrito na matriz predial rústica sob os artigos nº 207 e 208, descrito na C.R.P. de Vila do Conde sob o nº 00571/2000920, que confronta (parcela expropriada) de Norte e Sul com a parte restante do dito prédio, de Poente com E………. e de Nascente com caminho (Rua ……….).

Em observância do disposto no art. 51º, nº 5 do C.E. (DL 168/99, de 18/09) foi ordenado que do referido despacho e da decisão arbitral (com os elementos apresentados pelos árbitros) se notificassem a expropriante, os expropriados proprietários e a interessada arrendatária.

Da decisão arbitral não foi interposto recurso (art. 52º do C.E.), tendo os expropriados e a arrendatária requerido, nos termos do art. 55º do C.E., a expropriação total das parcelas sobrantes, sem que tivessem requerido, para apreciação e decisão de tal pretensão, qualquer meio de prova.

Na resposta a tal requerimento, pugnou a expropriante pela sua improcedência.

Findos os articulados, foi proferido despacho que julgou improcedentes os pedidos, com os seguintes fundamentos: - quanto aos expropriados, considerando que não sendo cumprido pelos árbitros o disposto no art. 29º do C.E. e não tendo sido interposto por eles (expropriados) recurso da decisão arbitral, não é esta já passível de impugnação judicial, o que acarreta a improcedência do pedido de expropriação total (aduzindo, em abono do assim considerado, os argumentos expendidos por Cansado Paes, Ana Pacheco e Luís Barbosa, Código das Expropriações anotado, Almedina, 2ª edição, p. 216 e por João Pedro de Melo Ferreira, Código das Expropriações anotado, 3ª edição, Coimbra Editora, 2005, p. 189); - quanto à arrendatária, considerando que esta não pode peticionar a expropriação total nos casos em que os expropriados a não requereram ou, tendo-a requerida, foi julgada improcedente, restando-lhe optar pela resolução do contrato de arrendamento ou pela redução proporcional da renda, nos termos do art. 25º, nº 4 do DL 385/88, de 25/10.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os expropriados e a arrendatária, pugnando pela sua revogação e consequente admissão dos pedidos de expropriação total.

Nas respectivas alegações, formulam os recorrentes as seguintes conclusões: 1ª- na sistemática legislativa do Capítulo II relativo à expropriação litigiosa, na Secção I relativa à sua tramitação, encontram-se subdivididos em plano de igualdade e paridade, a arbitragem (art. 42) e o recurso (art. 52) que integram a Subsecção I com o pedido de expropriação total (art. 55) que integra a Subsecção III; 2ª- ainda na sistemática legislativa, é na Subsecção IV, ou seja, posteriormente à decisão de expropriação total ou não, que se discorre sobre o recurso propriamente dito, quer quanto à forma, quer quanto ao modo, quer ainda quanto à sua admissão e demais tramitação; 3ª- é pois da própria coerência sistemática legislativa, para além do texto da própria lei, nº 1 do art. 55, que resulta que o recurso da decisão arbitral só pode ser posterior à decisão de expropriação total, quando esta é requerida; 4ª- sendo precisamente por isso que a lei dispõe, que no prazo do recurso da decisão arbitral podem os interessados requerer a expropriação total; 5ª- não fazendo, de todo em todo, sentido que se interponha recurso de uma decisão arbitral, quando não se decidiu ainda se a arbitragem e a decisão arbitral recaem só sobre a parte do prédio abrangida pela DUP ou se sobre todo o prédio, por força do pedido de expropriação total; 6ª- a decisão recorrida viola, pois, a disposição sistemática constante da Secção I do Capítulo II do C.E., nomeadamente, no que respeita à paridade das Subsecções I e III, mas ainda, pelo facto de os procedimentos do recurso se encontrarem regulados posteriormente, ou seja, na Subsecção IV; 7ª- do teor literal do nº 1 do art. 55 não resulta qualquer obrigatoriedade de formulação prévia ou simultânea de recurso da decisão arbitral, para que se possa proceder ao pedido de expropriação total; 8ª- resulta claro que o que a lei quis foi que, no prazo do recurso, os interessados dispusessem da faculdade de requerer a expropriação total; 9ª- não sendo lógico que, simultaneamente se recorra da decisão arbitral, que apenas se pronuncia sobre a parte abrangida pela DUP, quando ao mesmo tempo ainda se discute se a não abrangida vai ou não ser objecto de expropriação; 10ª- já que, no próprio recurso, só por adivinhação se poderá discutir o valor do prédio total, uma vez que a avaliação constante da decisão arbitral só apreciou e avaliou a abrangida pela DUP e, quando muito, apreciou a depreciação da não abrangida; 11ª- do que resultaria não só uma incoerência sistemática da lógica legislativa, como se duplicaria necessariamente os processos de recurso, já que o valor total do prédio não corresponde nem à soma aritmética nem à proporcional das partes; 12ª- a decisão recorrida violou e viola por isso o disposto no art. 55 do C.E..

Contra-alegou a recorrida, pugnando pela manutenção do manutenção do despacho recorrido.

*Objecto do recurso Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do C.P.C.), a questão que urge solucionar equaciona-se nos termos seguintes: - se em processo de expropriação por utilidade pública relativo a uma parcela de terreno a destacar de um determinado prédio, no caso dos árbitros, na decisão arbitral (art. 49º do C.E.), não observarem o disposto no art. 29º, nº 1 do C.E. e não calcularem o rendimento e valor total do prédio e das partes não abrangidas pela declaração de utilidade pública, a não interposição de recurso dessa decisão arbitral por parte dos expropriados determina, como consequência, a improcedência de pedido de expropriação total que tenham deduzido.

*Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* FUNDAMENTAÇÃO *Fundamentação de facto A matéria factual a considerar é a exposta no relatório deste acórdão.

*Fundamentação de direito Dispõe o art. 3º, nº 1 do C.E. (aprovado pelo DL 168/99, de 18/09) que a expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, de acordo com um programa de execução faseada e devidamente calendarizada, o qual não pode ultrapassar o limite máximo de seis anos.

Tal disposição é manifestação do princípio da prossecução do interesse público que, constituindo fundamento legitimador da expropriação, é também medida dos sacrifícios a impor aos titulares dos direitos reais sobre imóveis, pois o interesse público deve ser prosseguido respeitando os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (dos administrados), impondo-se à administração o dever de ponderar e considerar os direitos dos particulares (sendo certo que a expropriação sempre implicará um desrespeito para estes – a extinção de direitos reais sobre imóveis)[1].

Este princípio está intimamente ligado ao princípio da proporcionalidade (ou da proibição de excessos) – os direitos e interesses legítimos dos particulares só podem ser afectados em termos adequados e proporcionais aos objectivos que se visam alcançar – que se manifesta, no âmbito das expropriações, em várias matizes, seja através do princípio da necessidade (a lesão dos direitos e interesses dos particulares tem de se mostrar necessária ou exigível para satisfazer o interesse público, de outro modo não alcançável), seja através do princípio da adequação (a lesão dos direitos e interesses dos particulares deve revelar-se adequada, apta, ajustada e apropriada à prossecução do interesse público visado e que a justifica), seja através do princípio da proporcionalidade em sentido estrito (a lesão sofrida pelos particulares dever ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para a comunidade)[2].

A primeira parte do nº 1 do art. 3º do C.E. estabelece assim, enquanto subespécie dos aludidos princípios, o princípio da suficiência do bem[3] – as áreas não necessárias à execução de infraestruturas de interesse público não podem, nem devem, ser objecto da declaração de utilidade pública.

Tal princípio visa reduzir ao mínimo o sacrifício a impor ao expropriado.

Sendo expropriada apenas parte de um prédio, concede a lei (art. 3º, nº 2, do C.E.) ao respectivo proprietário a faculdade de requerer a expropriação total do prédio se a sua parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio (alínea a do preceito) ou se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente (alínea b do referido normativo).

A faculdade prevista no nº 2 do art. 3 do C.E. é apontada por alguma doutrina[4] como excepção ao princípio da suficiência do bem, mas temos por preferível o enquadramento dogmático propugnado por Osvaldo Gomes, segundo o qual o princípio da proporcionalidade se manifesta em toda a sua plenitude e vigor na expropriação...

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