Acórdão nº 0272/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A…………….., LDA, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16 de Dezembro de 2015, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida tendo por objecto mediato liquidações adicionais de IABA – Cerveja relativas aos exercícios de 2002, 2003 e 1.º semestre de 2004, no montante global de €2.325.929,43.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) Quanto à admissibilidade do recurso de revista 1. O alcance e relevância económica e social da questão em causa, no contexto específico das economias insulares em que se inserem as empresas envolvidas, a especial relevância jurídica da questão de direito controvertida e das dúvidas interpretativas suscitadas, potencialidade de se repetir em casos pendentes e futuros e a necessidade de assegurar uma melhor aplicação do direito, justifica plenamente o presente recurso excepcional de revista, nos termos do art. 150.º do CPTA: B) Quanto à questão de mérito 2. Das alíneas D) a H) dos factos dados como assentes e da referência aos respectivos documentos, resulta provado que à recorrente foi reconhecido o estatuto individual de pequena cervejeira, não estando, assim, subordinada às condições estabelecidas para o estatuto conjunto, cuja violação lhe é imputada como fundamento para a liquidação adicional em causa, bem como para o despacho impugnado.

  1. Há, pois, no Acórdão recorrido contradição entre os factos dados como provados – o reconhecimento do estatuto individual de pequena cervejeira à recorrente, por um lado e a imputação da violação do estatuto conjunto de pequena cervejeira a que não estava subordinada, pelo que a decisão impugnada, por via do presente recurso, enferma de manifesto erro e mesmo de nulidade.

  2. No mínimo, se dúvidas existissem exigia-se que, com base nos documentos existentes e citados nas alíneas D) a H), se esclarecessem as referidas alíneas dos factos provados, o que o Acórdão recorrido, também recusou, prejudicando, com tal recusa, a correcta aplicação do direito.

  3. O Acórdão recorrido julgou mal a nulidade (art. 123.º e n.º 1 do art. 125.º do CPPT, também ainda o art. 653.º, n.º 2, do CPCivil), cometida pela sentença da 1.ª instância, de não indicar quais os factos que considerava como não provados, pois, era imperativo saber, como trataria os factos alegados pela recorrente, e provados documentalmente, com a habilidade, inaceitável, de considerar que “não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito”, tendo o Acórdão recorrido mantido tal nulidade.

  4. Daqui resulta que o Acórdão recorrido ao considerar, no âmbito decisório, como factos provados (factos que o não estão), e ao desprezar factos alegados e provados pela recorrente, essenciais, decidiu, não sobre os factos efectivamente ocorridos e provados, mas sobre aquilo que o Tribunal “a quo” entendeu, indevidamente, como tendo ocorrido, como seria seu desejo, mas não ocorreram.

  5. O Acórdão recorrido enferma ainda de erro nos pressupostos, quando estando documentalmente provado que as duas empresas, de 1998 a 2002, sempre produziram, em conjunto, mais de 200.000 hl de cerveja/ano, considerou, acolhendo a falsa tese dos funcionários da inspecção, que tal só ocorreu em 2002.

  6. O Acórdão recorrido, tal qual a sentença de 1.ª instância, enferma ainda de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto não conheceu do abuso de direito, que é do conhecimento oficioso, ignorando a circunstância de ter sido a própria Administração Aduaneira a interpelar a B……. para requerer o estatuto individual de pequena cervejeira, a concede-lo, bem como à A……….. e a executá-lo durante mais de cinco anos consecutivos, violando o princípio da tutela da confiança ao vir desmentir e desdizer tal intervenção inicial e posterior, durante largos anos, criando na recorrente a convicção da plena legalidade da sua actuação, como efectivamente foi.

  7. Como se pode ver do p.a. e apensos a entidade impugnada não deu correcto cumprimento ao art. 100.º do CPA, pois, afirma que a recorrente na sua pronúncia não trouxe factos novos, o que é falso, tendo a entidade recorrida ignorado o alegado, não se pronunciando sobre eles, sendo que a alínea k) dos factos é uma amálgama que nada adianta sobre o vício equivalente à falta de audição da recorrente, de que enferma o acto impugnado.

  8. O Acórdão recorrido mostra-se indiferente às contradições da Administração Aduaneira e dos seus funcionários e dirigentes, que, ora sustentam que o estatuto de pequena cervejeira concedido à recorrente foi o conjunto, ora afirmam que foi o individual (ainda que por alegado erro, que não existia).

  9. A Administração Aduaneira pode ter mudado de entendimento quanto à relevância da posição dominante de uma sociedade sobre a outra, mas não pode fazer retroagir esse seu entendimento de forma superveniente, seis anos depois, contrariando a posição anterior livremente adoptada, como o exige a mais elementar boa-fé e o princípio da tutela da confiança e o respeito por direitos adquiridos.

  10. Veja-se, embora relativo ao uso de poderes discricionários (o que não altera do nosso ponto de vista as questões da boa-fé e segurança jurídica), o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22-01-2016, que decidiu: “A partir do momento em que a Administração, no uso de poderes discricionários, se auto-vincula a uma determinada solução, as regras assim estabelecidas passam a ser vinculadas para a resolução da situação em concreto”.

  11. A obrigação a que a A…. estava subordinada, enquanto beneficiária do estatuto individual de pequena cervejeira (n.º 1 do art. 20.º-B – actual n.º 1, do art.º 80.º do CIEC), era a de não produzir, individualmente, mais de 200.000hl/ano, limite que nunca ultrapassou.

  12. Se se insiste em entender, como se faz a douta sentença recorrida (contra o reconhecimento dos próprios inspectores), que à A……….. fora concedido o estatuto conjunto, caso em que o limite de 200.000 hl/ano seria o da produção conjunta (A…………/B………) a qual foi ultrapassada desde sempre (1998 a 2004) estão sempre tal se ficara a dever, exclusivamente, a falhas manifestas da Administração Aduaneira, pelo que a alegada “inobservância das obrigações impostas”, do n.º 4 do art. 12.º do EBF, nunca seria imputável à A………., pelo que, ainda assim, a liquidação adicional em causa nos autos é sempre ilegal e nula, como ilegal e nulo é sempre o despacho do Subdirector-Geral impugnado, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido.

  13. A outra hipótese – que corresponderia à versão do erro que os inspectores referem – (e que é, de certo modo veiculada no parecer manuscrito a fls. 480 e 481 do II volume do p.a.) reconduziria a questão para a parte final do n.º 4 do art. 12.º (actual art. 14.º do EBF), ou seja, para a hipótese de “o benefício ter sido indevidamente concedido”, caso em que a Administração poderia proceder à sua revogação, desde que o fizesse dentro dos prazos legais (um ano para quem entenda aplicável o art. 140.º do CPA), prazos esses que, de há muito, havia, precludido, o que pode explicar a tentativa de, “a forteriori”, se imputar à recorrente “inobservância das obrigações impostas” que não ocorre (e a ter ocorrido, o que se não admite, nunca lhe seria imputável, como decorre dos seis anos consecutivos em que a Administração reconheceu que lhe atribuíra o estatuto individual de pequena cervejeira, facto a que o Acórdão recorrido foi de todo indiferente).

  14. Se a Administração mudou de entendimento, relativamente à interpretação e aplicação do quadro legal que regula o estatuto de pequena cervejeira, aplicará esse seu entendimento para o futuro, mas terá de respeitar, em nome da segurança jurídica e da estabilidade das relações fiscais, decisões e entendimentos diferentes que possa ter tido no passado, o que não se confunde, sequer, com a indevida concessão do benefício, mas tão só com a alteração da orientação interpretativa de determinada disposição legal.

  15. A Administração, e os serviços que informaram o Subdirector-Geral das Alfândegas, autor do acto impugnado, de forma errada, mais não pretenderam que, em fraude à lei, tornear a dificuldade da preclusão dos prazos, por concessão indevida, e não hesitaram em adulterar os factos, de forma, aliás, grosseira e contraditória, para forjar uma inobservância das obrigações impostas, que não ocorreu.

  16. O acórdão recorrido foi indiferente e insensível aos factos efectivamente provados, não tomou em consideração a conduta da Administração durante seis anos consecutivos, e a exigências de boa-fé nas relações com os contribuintes, impondo-se que se corrija, em sede do presente recurso, a grave situação que os autos patenteiam, e com que os tribunais e a justiça não podem pactuar nem transigir, num Estado de Direito Democrático como é o nosso.

  17. O acórdão recorrido faz uma grande confusão relativamente ao facto de a recorrente lembrar a vinculação da administração às informações que fornece aos contribuintes, adiantando que, no presente caso, não houve qualquer informação vinculativa, quando o que se disse, e mantém, é que se a Administração Fiscal fica vinculada às meras informações, por maioria de razão, fica vinculada (obrigada) às sua decisões, neste caso à decisão de atribuição do estatuto individual concedido à A………….., só o podendo alterar nos termos estritos do n.º 4 do art. 12.º do EBF (actual art. 14.º), sendo estranha e ilegal a interpretação dada na sentença recorrida ao art. 140.º do CPA, que conduziria ao total arbítrio e faria tábua rasa do Estado de Direito.

  18. Não tem qualquer fundamento o decidido no Acórdão recorrido no sentido de que a...

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