Acórdão nº 0626/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A………………, devidamente identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 21.11.13, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Sintra, de 16.04.13, e que, ex officio, declarou a incompetência absoluta do Tribunal (ratione materiae).

A presente acção administrativa comum (AAC) foi inicialmente interposta pela Autora, ora recorrente, contra a R. Santa Casa da Misericórdia de ………. (SCM……….) no TAF de Sintra. A A. terminava a sua p.i. da seguinte forma (cfr. fls. 27-8): “Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente, a actividade da Ré, de redução da remuneração anual da A. ser julgada ilegal, abusiva e gravemente ilícita, condenando-se a mesma a:

  1. Indemnizar a A. por danos morais decorrentes da violação do seu direito fundamental ao salário – bem jurídico imaterial por natureza – em quantia que, tendo em conta a notória gravidade e intensidade da ilicitude da conduta da Ré, deve ser doutamente arbitrada pelo Tribunal segundo juízos de equidade; b) Indemnizar a A. por danos morais decorrentes da mesma conduta, estando já verificado o prejuízo relativo à ablação da quase totalidade do subsídio de férias de 2012, na quantia de € 983,40, à qual devem ser acrescidos os juros de mora respectivos, nos termos do disposto no art.º 805º, n.º 2, al. a) do Código Civil, o que, na presente data totaliza € 993,87; c) Abster-se de idêntico comportamento em relação ao subsídio de Natal de 2012, que se vence em Novembro deste ano; Porém, d) Quando, como é previsível, a sentença não seja proferida antes de tal ocorrência e esta se verifique, a indemnizar a A. pelo prejuízo material sofrido com tal corte na remuneração anual, acrescido dos juros de mora respectivos.

    Atendendo a que, face à grave crise que o País atravessa, se mostra plausível e previsível que, na vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), venham a ser tomadas, com incidência exclusiva no mesmo âmbito objectivo e subjectivo, novas medidas legislativas semelhantes às constantes da LOE/2011 e da LOE/2012, mais se requer que, nos termos do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 37.º do CPTA, a R. seja condenada a abster-se de comportamentos idênticos aos aqui censurados, designadamente a não emitir actos administrativos ablativos ou de redução de remunerações da A.”.

    1.1.

    No presente recurso de revista para este STA, a A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo: “

    1. QUANTO AOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO 1ª - O presente recurso de revista excepcional deve ser admitido pois a primeira das questões enunciadas no artigo 2º supra revela-se de importância fundamental quer pela sua relevância jurídica quer social: a) Aquela entendida não num plano meramente teórico mas prático em termos da utilidade jurídica da revista, visto que, tanto quanto se julga saber, tal questão, numa situação como a presente em que uma pessoa colectiva privada, embora de utilidade pública administrativa, que não depende de verbas do Orçamento do Estado nem os vencimentos dos seus trabalhadores constituem despesa pública, aplica aos seus trabalhadores disposições das leis do Orçamento do Estado ablativas de remunerações, não foi objecto de tratamento jurisprudencial por esse Colendo Tribunal sendo certo que saber se essa actividade de aplicação dos dispositivos das LOE, ablativos de remunerações de trabalhadores (pelo simples facto de estes serem abrangidos pelo regime jurídico-laboral juspublicista), por parte de uma pessoa colectiva privada como a SCM………., é ou não conforme à lei releva ainda para a melhor aplicação do direito; b) E tem também manifesta relevância social, expressa na capacidade de expansão da controvérsia muito para além dos limites do caso singular, pois a situação em debate nos presentes autos irá muito provavelmente ocorrer em variadíssimos casos relacionados com a mesma actividade da SCM……. visto que "[A] 31 de Dezembro de 2012 a Santa Casa da Misericórdia de ………. (SCM……..) contava com 4.831 trabalhadores ao serviço, sendo 76,8% (3.712) trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho e 22.0% (1.064) trabalhadores em Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, dos quais 42,1% do quadro do ISS, LP." (cfr. "Relatório de Gestão e Contas 2012", pág. 9, disponível em http://www.scm.......pt/scm......../relatorio e contas/ - sublinhado nosso; e que, só a cargo do signatário, encontram-se pendentes nos tribunais administrativos mais oito processos em tudo idênticos, intentados por trabalhadores da Recorrida contra esta.

      Por outro lado, 2ª - As demais questões supra enunciadas no artigo 2º revelam que admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, designada e especialmente quando: a) se está perante uma verdadeira situação de denegação de justiça e se trata de saber se, impugnando-se uma actividade administrativa (actos e operações materiais) lesiva, por se entender que as normas contidas nas supra referidas disposições das leis do orçamento do Estado de 2011 e 2012 não são aplicáveis à Santa Casa da Misericórdia de …….. e aos trabalhadores ao seu serviço – aplicação que a Autora imputou como feita em erro nos pressupostos de direito –, isso significa que se está a impugnar judicialmente normas contidas em leis ou, como dito no Acórdão recorrido, isso "traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos"; b) e, também, quando se trata de saber se face ao disposto no n.º 3 do art.º 3º do CPC poderia o Tribunal a quo decidir a matéria da incompetência da jurisdição administrativa sem previamente ouvir as partes em litígio.

    2. QUANTO AOS VÍCIOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO 3ª - O douto Acórdão recorrido padece de manifesto erro de julgamento quando declarou, ex officio, a incompetência absoluta do Tribunal, visto que o litígio que a Recorrente trouxe a juízo tem como essencial fundamento não ser aplicável à SCM………. a norma contida no art.º 21º da LOE/2012 e, bem assim, não serem destinatários da mesma os seus trabalhadores do quadro residual criado pelo art.º 27º do DL 322/91, de 26/8, e mantido pelo art.º 2º do DL 235/2008, de 3/12. Na verdade, 4ª - Salvo o merecido respeito, só por uma desatenta leitura da petição inicial se poderá afirmar, como foi feito no Acórdão recorrido, que "o que se pede no domínio da presente causa traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos, matéria que extravasa do âmbito de competência desta jurisdição nos termos constantes do art°4° n°2 a) do ETAF". Pois, 5ª - Se um cidadão vê ser-lhe aplicada uma norma legal da qual, em seu entender, não é destinatário e tendo-o dito e repetido ao longo da peça processual que inaugura a instância, reputando e imputando de ilegal a actividade administrativa por via da qual lhe foi erroneamente aplicada a dita disposição legal, o seu direito ficaria sem tutela jurisdicional quando o TCA Sul lhe diz que se aplica ao caso a al. a) do n.º 2 do art.º 4º do ETAF. Efectivamente, 6ª - Na prática, tal significaria pura e simples denegação de justiça visto que os actos praticados no exercício da função legislativa só são sindicáveis perante o Tribunal Constitucional pelas entidades elencadas no n.º 2 do art.º 281º da CRP não tendo esse cidadão qualquer garantia que alguma dessas entidades possa suscitar a questão perante o Tribunal Constitucional, visto que o mecanismo de fiscalização da conformidade constitucional de normas legais previsto no art.º 281º da CRP constitui uma garantia da legalidade constitucional, que não um meio de tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos de que os cidadãos possam dispor.

      Mas, 7ª - A verdade é que o que ocorreu foi um claro erro de julgamento na matéria em apreço, designadamente de interpretação da petição inicial da Recorrente, pois esta não se insurgiu contra a norma constante do art.º 21º da LOE/2012 mas sim contra a sua aplicação no seu caso concreto, que foi feita através da actividade administrativa consistente na ablação remuneratória perpetrada sobre o seu subsídio de férias e, na pendência, sobre o seu subsídio de Natal ambos de 2012.

      Ora, 8ª - O direito fundamental de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efectiva impõe que a todos seja assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (art.º 20º da CRP), sendo à luz deste princípio fundamental que a matéria em apreço deve ser apreciada e tendo em conta que, "Por força dos princípios antiformalista, «pro actione» e «in dubio pro habilitate instanciae» ou «in dubio pro favoritate instanciae», e concretamente ao nível da interpretação das peças processuais, devem as mesmas ser interpretadas de forma a assegurar a possibilidade de exercício dos direitos processuais dos interessados e não optar por uma interpretação que conduza à impossibilidade de ser assegurada tutela judicial da sua pretensão" - Acórdão do STA de 26-07-2006, recurso n.º 0450/06.

      Todavia, 9ª - Se porventura se viesse a sufragar a tese que foi expendida pelo Tribunal a quo, verificar-se-ia uma situação de um direito sem tutela jurisdicional o que equivaleria, repete-se, a denegação de justiça no caso concreto o que, pelas sobreditas razões, colidiria frontalmente com o disposto no falado art.º 20º da CRP pois a norma ou o bloco normativo em que porventura se sustentasse tal decisão ser materialmente inconstitucional pelos já apontados motivos.

      Mas, 10ª - Na matéria ora em apreço – ao interpretar que "o que se pede no domínio da presente causa traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos, matéria que extravasa do âmbito de competência desta jurisdição nos termos constantes do artº 4º nº 2 a) do ETAF –, o douto Acórdão...

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