Acórdão nº 0683/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I.

Relatório 1. O MUNICÍPIO DE LOULÉ [ML] interpõe este «recurso jurisdicional» da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], em 04.09.2014, que julgou parcialmente procedente a «acção administrativa comum» [AAC] que contra ele e contra a FREGUESIA DE …… [F….] intentou A……….. e mulher B…………, e os «condenou solidariamente» a pagar aos autores a quantia total de 35.280,32€ [10.280,32€ por danos patrimoniais e 25.000,00€ por danos morais].

Conclui assim as suas alegações de recurso: A) A sentença recorrida deve ser revogada devido a explanar errada aplicação do direito; B) A sentença é nula, por violação do disposto nos artigos 659º, e 668º, nº1, alíneas b) e c), do CPC [na versão anterior à Lei nº41/2013]. O tribunal a quo não explanou em que medida os meios probatórios foram determinantes para a formação da sua convicção; C) Por outro lado, ao condenar o ora recorrente ao pagamento de indemnização por danos aos autores, o tribunal a quo violou, por erro de interpretação, os artigos 483º, 487º, nº1, ambos do Código Civil, e os artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 6º, do DL nº48051, de 21.11.1967; D) Os autores não deverão ser indemnizados dado que: a responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais, por facto ilícito, vem consagrada no DL nº48051, de 21.11.1967, e no DL nº100/84, de 21.03, e depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: facto ilícito, dano e nexo de causalidade; E) E não ficou provado que o ML tivesse tido conhecimento, ou que, por qualquer forma tivesse dado consentimento para a operação de desaterro realizada pela F…..; F) De facto, o que ficou provado foi que o presidente da Junta de F….. «...informou o mandatário dos autores, em carta de 26.02.1998, que fora dado conhecimento das operações e desaterro à Câmara Municipal de Loulé e afirmou que esta tem sempre conhecimento das obras que se realizam nas juntas de freguesia...» G) Nesses termos, não se poderá considerar tal omissão culposa. Consequentemente, não se pode responsabilizar o ML por uma omissão ilícita, para efeitos do disposto no artigo 6º do DL nº48051, de 21.11.1967; H) Neste sentido, conclui o Parecer do Ministério Público: «…No que refere à responsabilidade do réu município entende-se que não ficou provado que tivesse tido conhecimento ou por qualquer forma tivesse dado consentimento para a operação de desaterro levada a cabo pela Freguesia de …..»; I) Mesmo admitindo, que não concedendo, que o Município tivesse tido conhecimento a priori da intenção da Freguesia de executar o dito desaterro, nos precisos termos em que o executou, não poderia o Município, antes dos seu começo, embargá-la. E mesmo que a proibisse, essa proibição nenhuma força teria. Só são passíveis de embargo as obras em curso e ilegais; J) Pelo que não estão preenchidos os requisitos cumulativos da responsabilidade civil do ML; K) Com efeito, resulta da conjugação dos artigos 6º do DL nº48.051, de 21.11.1967, e 2º e 3º do mesmo diploma, que não é qualquer ilegalidade que determina o surgimento de acto ilícito merecedor de tutela. É necessário existir conexão de ilicitude entre a norma ou princípio violado e a posição jurídica protegida do particular, o que deverá ser apreciado «caso a caso» [ver Gomes Canotilho, em anotação ao AC STA de 12.12.89]; L) A culpa é conceito que exprime um juízo de censura sobre um determinado comportamento que parte do pressuposto de que o agente, nas concretas circunstâncias em que se encontrava, podia e devia fazer melhor; M) O ora recorrente ML, não teve qualquer culpa no facto gerador dos danos. Com referência à culpa, como ensina ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, agir com culpa, significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E essa conduta será reprovável quando o lesante, em face das circunstâncias concretas da situação, «podia e devia ter agido de outro modo»; N) O tribunal a quo baseou-se no mero pressuposto do conhecimento do ML das operações de desaterro, para condenar o mesmo ao pagamento da indemnização pelos danos sofridos pelos autores; O) O que não se mostra suficiente para entender como culposa a conduta omissiva do ML, pois não foi determinado o momento do pressuposto conhecimento; P) Em suma, aplicando-se a esta acção o DL 48.051, de 21.11.1967, não lograram, os autores fazer prova do preenchimento integral dos pressupostos quanto ao réu ML: «facto, ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano», necessários para que lhe pudesse ser atribuída a requerida indemnização; Q) Sem descurar, academicamente admitindo, a hipótese de o ML poder ser responsabilizado por qualquer prejuízo ou dano alegadamente sofrido pelos autores, os valores atribuídos a título de indemnização aos autores, revelavam-se excessivos; R) O tribunal a quo violou as normas jurídicas supra referidas, e fez uma errónea interpretação das mesmas.

Termina pedindo o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida, e a sua absolvição do pedido.

  1. O recorrido A………….

    contra-alegou, e formulou estas conclusões: 1) A sentença recorrida mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, sendo, por isso, inatacável a respectiva decisão, a qual dever-se-á manter integralmente; 2) A sentença não enferma, porque não concretizados ou sequer verificados, de quaisquer dos vícios apontados, nomeadamente porque não viola os artigos 659º e 668º, nº1, alíneas b) e c), do CPC [na versão anterior à Lei nº41/2013, de 26.06], 483º, 487º nº1 do Código Civil e 1º a 4º e 6º do DL nº48.051, de 21.11.1967; 3) Os pressupostos da responsabilidade civil das pessoas colectivas, constantes dos artigos 2º, nº1, do DL nº48.051, de 21.11.1967, e 483º, nº1, do Código Civil, verificam-se integramente relativamente ao recorrente ML; 4) As operações de «desaterro» realizadas pela F…., sem projecto, acompanhamento técnico, ou aprovação prévia, violam normas legais e regras de construção e de prudência, mormente as constantes dos artigos 138º do RGEU, e 66º e seguintes do Decreto nº41821/58, de 11.08; 5) Neste contexto, e nos termos das disposições conjuntas dos artigos 2º, nº2, e 3º, do DL nº166/70, de 15.04, as operações de desaterro controvertidas - realizadas em 1990 - estavam dispensadas de licenciamento municipal, mas, em todo o caso, sujeitas a aprovação prévia da Câmara Municipal de Loulé [órgão do recorrido ML]; 6) Acresce ainda que era exigível ao recorrente Município que [1] tivesse indeferido a aprovação prévia das operações de desaterro, [2] que as embargasse e [3] ordenasse a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do respectivo início, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº3, e 19º, do DL nº166/70, de 15.04, 51º, nº2 alínea g), do DL nº100/84, de 29.03, e 58º, nº1, do DL nº445/91, de 20.11; 7) A conduta omissiva do recorrente Município, além de ilícita por violação dos preceitos legais indicados em 6 supra, é ainda culposa, na medida em que os seus serviços não actuaram com a diligência média exigível, tendo violado normas legais e regras de prudência e experiência comum que impunham comportamento diverso; 8) Os «danos patrimoniais e morais» mostram-se provados, sendo que estes últimos pela sua gravidade, carácter continuado e relevância merecem a tutela do Direito; 9) Por fim, verifica-se um «nexo de causalidade» entre estes danos e as operações de desaterro, na medida em que estas contribuíram significativamente para o aluimento.

    Termina pedindo que seja mantida a sentença recorrida.

  2. O Ministério Público pronunciou-se pelo provimento do recurso, e «revogação da sentença recorrida no tocante à condenação do ML», pois entende que este deverá ser absolvido do pedido. Mas, se assim não for entendido, sublinha que deverão ser tidos em consideração na condenação do réu ML os montantes que por ele já foram, voluntariamente, proporcionados aos autores – [artigo 146º, nº1, do CPTA].

  3. Colhidos que foram os «vistos» legais, importa apreciar e decidir o recurso.

    1. De Facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1) Na ……….., na Freguesia de ….

      [F….], concelho de Loulé, existe um prédio composto, a parte urbana para habitação, por rés-do-chão com armazém, casa de banho e logradouro, e primeiro andar com quatro divisões, cozinha, duas casas de banho, despensa, corredor e terraços, com a área coberta de 182 m2, e a parte rústica por terreno de pastagem e cultura com cinco alfarrobeiras e cinco amendoeiras, com a área de 4.830 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº3761, e inscrito na matriz, respectivamente, sob os artigos 3687º e 4907º [alínea a) dos Factos Assentes (FA)]; 2) O direito de propriedade do referido prédio, por usucapião, acha-se registado a favor dos autores pela inscrição nº03761, cota G-1, Ap. 551170698, da Conservatória...

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