Acórdão nº 0238/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução07 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. A…………, SA - actualmente representada pelo «Administrador da Insolvência» …………. [ver folha 465 destes autos] - interpõe «recurso de revista» do acórdão que foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN] em 07.10.2016, e que concedeu provimento ao «recurso de apelação» interposto pelo MUNICÍPIO DO PORTO, revogou a sentença de 1ª instância, e julgou «improcedente a acção administrativa comum» em que demandara este último.

    Conclui assim as suas alegações: 1- O acordo celebrado entre as partes, a 09.12.2003, configura um contrato administrativo com objecto passível de acto administrativo; 2- Para os contratos com objecto passível de acto administrativo, o pregresso CPA [artigo 185º, nº3, alínea a)] estabeleceu o regime de invalidade próprio dos actos administrativos; 3- O citado «acordo» [contrato administrativo] não tem objecto legalmente impossível, porquanto o efeito que dele deriva não é juridicamente impossível, mas apenas proibido pela ordem jurídica; 4- Não sendo de objecto legalmente impossível, mas apenas proibido por lei, a violação do contrato administrativo não gera nulidade, mas apenas anulabilidade, de acordo com a regra geral ínsita no artigo 133º do pregresso CPA; 5- O citado artigo 133º nº1 do pregresso CPA estabelece que são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade; 6- No caso dos autos, se as obrigações contratualizadas pelas partes sob as cláusulas 5ª e 6ª do «acordo» dito na alínea s1) do probatório [aprovação do projecto de loteamento, a isenção de quaisquer taxas de compensação e, bem assim, a aplicação das taxas previstas no RGTL] fossem garantidas e/ou concedidas através de um acto administrativo, o mesmo acto seria anulável, pois os vícios de violação de lei [incompetência/ilegitimidade e, bem assim, a violação dos princípios da especialidade do fim, da indisponibilidade dos poderes urbanísticos, da legalidade e da tipicidade dos planos] daí decorrentes, a verificarem-se, seriam cominados com a forma mais ligeira de invalidade, a anulabilidade; 7- No caso em apreço deve entender-se que o teor das cláusulas 5ª e 6ª do contrato visado nos autos deve ser interpretado, não no sentido do Vereador do Pelouro de Urbanismo em questão ter, ou não, competência para obrigar e/ou dispor sobre matéria relativa a taxas e emolumentos, o que, já vimos que não tem, mas antes no sentido de recair sobre este a obrigação de encetar todas as diligências necessárias para que as matérias acordadas fossem objecto de cumprimento por parte da entidade pública em questão, nomeadamente, através de agendamento para reunião ou para sessão dos respectivos órgãos executivos e deliberativos, dependendo das matérias em apreço; 8- Ora, sendo esta a interpretação correctiva a dar às cláusulas contratuais em análise, os elementos postos à disposição deste tribunal não permitem, em momento algum, descortinar tal actuação ou mesmo um propósito de intenção por parte do Vereador em questão ou mesmo por parte de qualquer seu dirigente e/ou funcionário da entidade pública visada nos autos, pelo que, na perspectiva em apreço, dever-se-á concluir, sem margem para dúvidas, no sentido propugnado pela autora da existência de incumprimento [por parte do Município do Porto] do disposto nas cláusulas 5ª e 6ª do «acordo»; 9- A questão, segundo o acórdão sob recurso, consubstancia-se no facto de «…não poder ter lugar a vinculação de uma pessoa colectiva pública à não adopção, por um lado, e à adopção, por outro lado, de actos administrativos desconformes com os regulamentos municipais, senão com a violação grave de vários princípios e normas jurídicas; 10- A questão resume-se à putativa violação - pelo «acto administrativo» em que o objecto do «contrato administrativo» em apreciação nos autos é passível de se converter - do «Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais», e, em caso de efectiva violação e à sanção aplicável ao caso; 11- O que está em causa no recurso é saber se, tendo o Município praticado acto administrativo que consubstanciasse o prescrito nas cláusulas 5ª e 6ª do «acordo», este acto seria nulo ou anulável; 12- Ora, parece-nos inquestionável que esse acto administrativo seria anulável, de acordo com a regra geral do artigo 133º do pregresso CPA, como bem fundamentou a sentença da 1ª instância; 13- É inegável que não há lei expressa que comine o acto administrativo em que o objecto do contrato administrativo é passível de se converter com a sanção da nulidade. Tanto assim é que o agora recorrido não a invocou. Isto porque; 14- O acto administrativo que seria praticado na sequência do «acordo» celebrado entre as partes não estaria inquinado com um vício anormal ou especialmente grave; 15- A aplicação de um «regulamento tributário» que, no momento, já não está em vigor, seria antes problema de aplicação da lei no tempo, e a errada aplicação não constitui em si mesmo um vício anormal ou especialmente grave; 16- Esse acto administrativo não constitui violação do princípio da igualdade, tendo em conta que, no caso em apreço, não estamos perante um acto administrativo a se, mas antes perante um contrato administrativo em que, naturalmente, existem prestações recíprocas, tendo a prestação do Município como finalidade o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela recorrente; 17- A violação do princípio da legalidade não seria, no caso em apreço, sancionada com a regra excepcional da nulidade, como sustenta a douta sentença de 1ª instância, para mais tendo em conta que ao acto subjaz um contrato administrativo com prestações recíprocas equilibradas; 18- As normas das alíneas a) e c) do artigo 95º do DL nº169/99, de 18.09, são normas excepcionais, porque constituem desvios à «regra da anulabilidade» dos actos administrativos, e, como tal, são insusceptíveis de aplicação analógica [artigo 11º do CC]; 19- Ainda que a aplicação analógica fosse admissível, o que só por mera hipótese de raciocínio admitimos, o ora recorrido não se esforçou para fundamentar em que medida no caso omisso - o caso dos autos - procedem as razões justificativos dos casos previstos na lei; 20- Os casos previstos nas alíneas a) e c) do dito artigo 95º não têm qualquer verosimilhança com o caso dos autos; 21- O caso dos autos configura compromisso de aplicação da lei tributária que exista à data do «acordo» celebrado entre as partes, em contrapartida, repetimos, da renúncia ao exercício de um direito adquirido no domínio da gestão urbanística; 22- A aplicação da lei tributária já revogada na data do facto tributário, assim como a indevida aplicação, por erro de interpretação/aplicação, de norma tributária em vigor - factos que ocorrem frequentemente no âmbito da administração central, regional e local - não geram a nulidade do respectivo acto administrativo, mas sim a anulabilidade, a não ser que norma expressa estabeleça aquela sanção da nulidade, o que no caso não se verifica; 23-A liquidação das taxas pela «A………, SA» não pode ser vista ou interpretada como um acto ou acordo [sequer tácito] de remissão, por parte da referida sociedade, do que, nos termos do acordo celebrado, considerava [e considera] ser-lhe devido pelo Município; 24- Aliás, o acórdão recorrido [que é, nesta parte, nulo, nos termos da alínea b), do nº1, do artigo 615º, e nº1 do artigo 666º, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1º do CPTA, pois não especifica o fundamento de direito pelo qual conclui que a obrigação do Município, a ter existido, se extinguiu por remissão] limita-se a aderir à tese de remissão, defendida, também sem fundamentação de direito, pelo Município do Porto; 25- A remissão demanda a existência de contrato entre o credor e devedor, e a ser configurável a existência de remissão neste caso, chegaríamos à conclusão - absurda - de que a «A………., SA» fez uma doação ao Município do Porto da importância de 1.149.505,89€, pois não se vislumbra, porque efectivamente não existiu, qualquer contrapartida por uma extinção da dívida que tenha sido recebida pela «, SA»; 26- O acórdão recorrido, para além de violar o disposto no nº1 do artigo 133º do anterior CPA - aprovado pelo DL nº442/91, de 15.11, e alterado pelo DL nº6/96, de 31.01 - ao considerar nulo o contrato celebrado entre o Município do Porto e a «A……………, SA», viola, ainda, alguns dos princípios gerais da actividade administrativa, como seja o princípio da boa-fé, donde dimana o da protecção da confiança e segurança jurídicas.

    Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a condenação do Município do Porto a pagar-lhe a quantia de 1.149.505,89€ acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

    1. O MUNICÍPIO DO PORTO contra-alegou, concluindo assim: A. O acórdão proferido pelo tribunal a quo e ora colocado em crise pela recorrente é justo, bem fundamentado e inatacável, demonstrando aplicação exemplar das normas jurídicas em vigor aos factos dados como provados; B. No requerimento de interposição de recurso, é dito que a «A………., SA», foi declarada insolvente, estando a correr termos a fase de liquidação da massa insolvente; C. A partir do momento em que a sociedade é declarada «insolvente» passa a ser representada pelo Administrador da Insolvência, que é nomeado nessa mesma sentença; D. Os mandatos e as procurações caducam com a sentença de declaração de insolvência, como se extrai limpidamente do disposto nos artigos 110º, nº1, e 112º, nº1, do CIRE, e as suas consequências e efeitos estão previstos nos números seguintes dos referidos artigos; E. Compulsados os autos, não se vislumbra participação do «Administrador da Insolvência» no processo, ignorando-se se tem conhecimento desta acção, sendo certo que não outorgou nova procuração forense nem ratificou a existente; F. Pelo exposto, deverá o Administrador da Insolvência ser notificado acerca da questão acima suscitada, sob pena de o recurso não poder...

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