Acórdão nº 0600/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

1 – RELATÓRIO A Representante da Fazenda Pública inconformada com o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no âmbito do processo nº 343/08.5 BEPRT de 20 de Dezembro de 2013, vem recorrer para o Pleno da secção do Supremo Tribunal Administrativo, por o mesmo estar em oposição com o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26 de Abril de 2012 referente ao processo nº 964/06.0BEPRT.

Admitido o recurso por despacho do relator a fls. 3515 e seguintes, foi determinado o prosseguimento do mesmo por oposição de julgados, tendo sido ordenado a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos do artigo 282.º, nº3 do CPPT, aplicável por força do disposto no nº 5 do artigo 284.º do mesmo diploma legal.

A recorrente, Fazenda Pública apresentou alegação tendente a demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: «A. A Recorrente não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo à margem identificado, interpôs o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo por o mesmo estar em oposição com o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.04.2012, referente ao processo 964/06.OBEPRT.

  1. O acto recorrido consubstancia-se no douto acórdão de 20.12.2013, do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 343/08.5BEPRT, que revogou a sentença recorrida na parte que julgou improcedente a impugnação judicial no tocante às correcções da matéria tributável por desconsideração das facturas emitidas por A………………., Ld.ª, B………………, Ld.ª, C……………, D……………, E……….., Ldª, F………., G………….., Ldª, H………….. Ldª e I………………., Ldª e que julgou nesta parte procedente a impugnação judicial e mandou anular as liquidações impugnadas [na medida em que resultaram daquelas correcções].

  2. O Acórdão invocado para fundamento da oposição, foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte em 26.04.2012 no Processo n.º 964/06.OBEPRT.

  3. Estão integralmente verificados os pressupostos constantes do art.° 284.° do CPPT e do art.° 152.° do CPTA, relativos à verificação da oposição entre Acórdãos: i. identidade substancial da questão de facto, ii. mesma questão fundamental de direito, iii. existência de duas decisões expressas e contraditórias.

  4. Tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento se debruçaram sobre o ónus que impende sobre a Autoridade Tributária e sujeito passivo, ou seja, sobre as regras do ónus da prova do art.° 74º da LGT, considerando-se que compete à Autoridade Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação e que, feita esta prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

  5. A similitude dos elementos de facto e das questões de direito nos dois arestos é acusada pela identidade do utilizador das facturas e de (quase todos) os emitentes das facturas falsas.

  6. O acórdão recorrido, face aos mesmos elementos de facto relevantes e à mesma questão fundamental de direito, decidiu em sentido contrário ao acórdão fundamento, porquanto entendeu que apesar de ser certo que os indícios referentes aos emitentes das facturas vão no sentido da falsidade das mesmas (de que aqueles sujeitos não foram quem forneceu a mercadoria) contudo não são suficientemente fortes, por si só, para permitir que se desconsiderem os custos contabilizados suportados nas facturas e que para ser legítima essa presunção seria necessário que a AT tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude.

  7. Enquanto o aresto fundamento entendeu que os “factos-índice” numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à Administração Tributária desconsiderar os custos que têm as facturas em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessa factura são simuladas.” I. e que “não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “ factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados.

    A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” — cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o já citado acórdão de 18/11/10, proferido no processo 00144/02. TFPRT 12.

  8. Entendendo ainda que: “Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm» necessariamente que ar de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.” K. Considerando as duas decisões opostas, entende a Fazenda Pública que a razão terá de estar com a primeira tese e, portanto, com o Acórdão Fundamento e, por conseguinte, o Acórdão Recorrido andou mal e violou o artigo 74° da LGT e n.º 3 do art. 23° do CIVA (na numeração e redação à data dos factos em causa). Com efeito, a Fazenda Pública não pode concordar com o desenho decisório do acórdão recorrido, sendo que, apenas impende sobre a AT a prova da existência de factos que valorados à luz das regras da experiência comum, permitam ajuizar que não se esteja perante transacções reais, prova essa que poderá ser recolhida apenas na esfera dos alegados fornecedores, não tendo de fazer a prova dos requisitos da simulação tal como se encontra consagrado no direito civil (mormente no artigo 240.° do CC).

    L. Entende a Fazenda Pública que o acórdão recorrido pretende sustentar uma transposição cega do regime jurídico da simulação para o plano fiscal e, mais concretamente, para o campo da facturação falsa.

  9. A figura da simulação, tal como se encontra recortada no plano civil, não tem pleno cabimento quando se trata de abordar a questão das facturas simuladas, pois a previsão do legislador civil não pretenderia abranger a factualidade que se verifica no plano tributário.

  10. O conceito e o regime jurídico da simulação, tal como se encontram consagrados, designadamente, no artigo 240.º do Código Civil não foram pensados para aqueles casos em que operadores económicos pretendem reduzir ou mesmo evitar o pagamento de imposto suportado em documentos que não representam transacções reais, ou através do mecanismo da dedução do IVA, furtar-se a entregar este imposto ao Estado ou a peticionar reembolsos indevidos.

  11. Quanto ao ónus da prova e ao seu cumprimento pela AT, andou bem o acórdão recorrido ao considerar que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à de contabilização do custo.

  12. No entanto, e divergindo do entendimento propugnado no acórdão fundamento [e pela Fazenda Pública] defende o acórdão recorrido que cabe à AT reunir indicadores objectivos da existência de acordo simulatório entre os intervenientes na operação económica, indícios esses que devem ser recolhidos quer na esfera do emitente das facturas falsas, diga-se a talhe de foice que para o acórdão recorrido é seguro que os indícios referentes aos emitentes das facturas vão no sentido da falsidade das facturas: de aqueles sujeitos não foram os fornecedores da mercadoria - quer na utilizadora das ditas facturas falsas, de forma a provar a participação destes no esquema fraudulento, entendimento que, com o devido respeito, não poderá vingar.

  13. Na perspectiva do acórdão recorrido a AT tinha de efectuar uma prova directa da simulação, não bastando a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis na esfera dos emitentes para concluir que as facturas em causa são falsas, logo que não poderão documentar os custos fiscais.

  14. Não é imperioso que a AT efectue uma prova directa da simulação, bastando-se com a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis de que não existiu qualquer transmissão (de bens) do fornecedor identificado nas facturas para aquele que utiliza o documento na sua contabilidade. A AT não tem que invocar factos que indiquem a existência de acordo simulatório entre os intervenientes na operação – emitente e utilizador – e muito menos entre todos os intervenientes que possam existir naquela operação (real fornecedor, interposto e utilizador).

  15. Não pode, pois, a Fazenda Pública manifestar concordância com o acórdão sob recurso quando, partindo da regra — do ónus da prova do art.° 74° da LGT — que compete à AT fazer prova de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, acaba por considerar que a AT teria de invocar factos que indicassem a participação do utilizador das facturas no esquema simulatório, o que parte, como já se disse e agora se reafirma, da errada consideração de que o regime jurídico da simulação civil é integralmente transponível, sem atender a qualquer especificidade, para o campo fiscal.

  16. Não se contesta que é à AT que compete reunir os tais “indicadores objectivos” da existência do acordo simulatório: o que se contesta é que a AT tenha de provar directamente, ou seja, por demonstração recolhida [também] na esfera do utilizador, a existência de um acordo simulatório, não se mostrando suficientes e fortes os indícios respeitantes aos emitentes das facturas.

  17. Competiria à AT reunir indicadores objectivos da operação simulada entre os emitentes das facturas (J………….. Ldª, A…………… Ldª, B…………… Ldª, L…………. Ldª e D…………), e o seu utilizador (M……………….., Ldª) o que, como resulta proficientemente do relatório (ponto C. dos factos provados pela sentença de 1ª instância), foi por aquela realizado.

    V. Veja-se o que se diz no acórdão fundamento, argumentação que a Fazenda Pública acompanha: “Se, por hipótese...

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