Acórdão nº 0738/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Data09 Novembro 2016
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……………, S.A., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença de parcial improcedência da impugnação judicial deduzida contra acto de liquidação adicional de IRC/2005 e que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogando a sentença na parte em que julgara parcialmente procedente essa impugnação.

1.1.

Terminou as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo: 1.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição considera a Recorrente verificar- se violação de lei substantiva na interpretação conferida ao artigo 46.º, n.º 10, do Código do IRC (com correspondência parcial no atual artigo 51.º, n.º 10, do Código do IRC), cumprindo dilucidar o seguinte: 1) Se a aplicação do disposto no artigo 46.º, n.º 10, do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, que permite restringir a aplicação do regime de eliminação de dupla tributação económica, depende da abertura do procedimento próprio de aplicação de normas anti-abuso previsto no artigo 63.º do CPPT, na redação anterior à conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 31 de dezembro; e 2) Se o requisito de “tributação efetiva”, cujo preenchimento possibilita a eliminação da dupla tributação económica, deve ser interpretado no sentido de exigir-se a sujeição a imposto de rendimento na esfera da sociedade distribuidora do rendimento, e não em qualquer fase anterior da cadeia, exigindo-se igualmente uma tributação integral de todas as componentes dos rendimentos distribuídos, numa ótica de divisibilidade dos lucros distribuídos, e saber se a norma com tal interpretação é conforme à Diretiva mães-filhas; 2.ª Entende a Recorrente que a primeira questão está intimamente ligada com a segunda, porquanto a dilucidação sobre a aplicabilidade ou não do procedimento anti-abuso também radica em questões de conformidade com o Direito Comunitário; 3.ª No caso vertente estão verificados os pressupostos de que depende a admissibilidade do presente recurso de revista, uma vez que as supra enunciadas questões assumem quer relevância jurídica quer social, sendo a admissão da revista necessária para uma melhor aplicação do direito (cf., entre outros, o acórdão de 29.06.2011, proferido no âmbito do processo n.º 0569/11); 4.ª Com efeito, no que concerne à primeira questão em equação a revista impõe-se para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica fundamental; 5.ª O acórdão recorrido, concordando com a Representante da Fazenda Pública, considerou que o disposto no artigo 46.º, n.º 10, do Código do IRC é de aplicação automática e, por isso, o procedimento anti-abuso não tem lugar; 6.ª Contudo, aquele juízo do Tribunal a quo é juridicamente insustentável, porquanto desconforme com o Direito Comunitário, visto que aquela norma anti-abuso carece de ser compatibilizada com a Diretiva 90/435/CEE, e como tem entendido TJUE as normas anti-abuso em Direito Comunitário não podem ser de aplicação automática; 7.ª Não ignora a Recorrente que no recentíssimo Acórdão desse Venerando Tribunal, de 6.05.2015, proferido no processo n.º 0770/14, foi negada a revista quanto à questão de preterição do regime previsto no artigo 63.º do CPPT, no entanto, também nesse mesmo Acórdão se julgou que a questão da compatibilidade com o direito europeu justifica a admissão de revista por ser questão de importância jurídica fundamental; 8.ª Diferentemente da norma anti-abuso do regime de subcapitalização, entretanto revogada, ali em causa, a norma-antiabuso aqui em apreço é restritiva do regime transposto de Direito Comunitário pelo que a aplicabilidade ou não do procedimento do artigo 63.º do CPPT deve ser analisada como critério de adequação da própria norma anti-abuso; 9.ª Acresce que, se é verdade que o n.º 10 do artigo 46.º do Código do IRC, na redação à data, foi entretanto revogado, também é seguro que persiste ainda uma norma anti-abuso, de teor semelhante, no regime de eliminação de dupla tributação constante do atual artigo 51.º do Código do IRC, mantendo-se, pois, a relevância de saber se o Direito Comunitário consente (ou não) a sua aplicação automática; 10.ª Considera a Recorrente que a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo na questão em apreço se afigura objetivamente útil para harmonização do disposto no artigo 46.º, n.º 10, do Código do IRC com o Direito Comunitário e com o princípio constitucional da proporcionalidade; 11.ª E apesar da alteração legislativa operada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, ao artigo 63.º, n.º 1, do CPPT, que passou a prever que o procedimento próprio aí disciplinado apenas se aplica à cláusula geral anti-abuso, artigo 38.º da LGT, o que é certo, é que, são inúmeros os litígios administrativos e judiciais em que se discute a anterior redação daquela norma; 12.ª Além de que futuramente se continuará a discutir a compatibilidade do procedimento de aplicação de uma cláusula específica ou da própria cláusula geral anti-abuso em matéria de eliminação de dupla tributação económica, com a Diretiva (UE) 2015/121, que prevê uma norma mínima comum contra práticas abusivas (de transposição obrigatória até ao final de 2015), sendo também por isso evidente a virtualidade de expansão da controvérsia; 13.ª No que concerne à segunda questão em equação, também esta assume amplo interesse objetivo e prático que justifica a admissão da presente revista, colocando-se tal questão interpretativa numa abundância de situações e ao longo dos tempos; 14.ª Não obstante a concreta redação do n.º 10 do artigo 46.º do Código do IRC apenas ter vigorado nos anos de 2005 e 2006, o conceito de “tributação efetiva” manteve-se - tal qual até 2014 - e continua a ser requisito essencial da plena aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica; 15.ª Tendo em consideração, por um lado, o estádio de desenvolvimento em que se encontra atualmente o comércio internacional e a consequente multiplicidade de organizações plurisocietária e, por outro lado, a circunstância de o regime de eliminação da dupla tributação económica ser um mecanismo estruturante do IRC, que se aplica a um sem número de sujeitos passivos, resulta, pois, evidente que a questão de Direito configura um tipo e que a sua relevância extravasa seguramente o caso concreto, o que evidencia a relevância social de importância fundamental (cf., em sentido semelhante, o Acórdão do STA de 21.11.2014, proferido no processo n.º 141/14-30); 16.ª Acresce que o vazio até recentemente deixado pelo legislador no que concerne ao preenchimento do conceito de “tributação efetiva” origina incertezas e complexidade superior ao comum, o que, torna objetivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo; 17.ª Para além de sucessivas alterações legislativas, também o abundante caudal de doutrina, inclusive doutrina da própria administração tributária (cf. as Circulares n.º 22/90 e n.º 4/91 e a atualmente vigente Circular n.º 24/2011, de 11.11.2011, na sequência do extenso parecer do Centro de Estudos Fiscais n.º 26/2011, sancionado por Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), expõe, de forma clara, a superior complexidade da questão exegética, e comprova a utilidade necessidade de intervenção desse Venerando Tribunal, tanto mais que a decisão recorrida veio contrariar a interpretação unânime perfilhada por toda a doutrina mencionada, inclusive a constante da Circular da Direção de Serviços do IRC; 18.ª Acresce que, por estar em causa uma questão de Direito Comunitário, essa dilucidação poderá até ter que ser feita pelo TJUE, sendo que esse Venerando Tribunal tem vindo a admitir a revista para eventual reenvio de questão prejudicial ao TJUE (cf. acórdão de 30.05.2012, proferido no processo n.º 0415/12); 19.ª Com efeito, atendendo a que o então artigo 46.º do Código do IRC transpõe o regime previsto na Diretiva n.º 90/435/CEE, e que, apesar de o conceito de “tributação efetiva” não estar previsto na Diretiva, a sua adoção resulta, na realidade, de uma faculdade conferida pela Diretiva aos Estado-membros em aplicar “(...) disposições nacionais ou convencionais necessárias para evitar fraudes e abusos” (cf. artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva), que é aplicável tanto às situações domésticas como às transfronteiriças (assim foi até 2014), o disposto nesta norma não pode deixar de ser...

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