Acórdão nº 0822/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução26 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do TAF de Aveiro, de 13/04/2015, que, considerando que “as liquidações impugnadas encontram-se desprovidas do acto administrativo tributário que lhe subjaz, pelo que, padecem as mesmas de falta de uma formalidade essencial, geradora da anulabilidade das mesmas”, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, Lda., identificada nos autos, contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativos a 2002, anulando as liquidações sindicadas.

  1. Formulou as seguintes conclusões das suas alegações: 1) É entendimento do Meritíssimo Juiz a quo que as liquidações impugnadas padecem de preterição de uma formalidade essencial, geradora da anulabilidade das mesmas.

    2) Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir. (Art. 5.º nº 1 do CPC) 3) Às partes cabe definir o objecto do litígio através da dedução das suas pretensões, e no presente caso a impugnante baseia a sua pretensão entre outros na existência de um vício de falta de fundamentação legalmente exigível.

    4) O Tribunal tem que respeitar o pedido da tutela jurídica que lhe foi feito e a alegação dos fundamentos em que ele se baseia.

    5) A questão que a impugnante pretendia ver conhecida nos presentes autos era a falta de fundamentação legalmente exigida, não a preterição de uma formalidade legal.

    6) Salvo o devido respeito pela douta sentença recorrida, o Meritíssimo “Juiz a quo” altera a causa de pedir ao decidir que houve a preterição de uma formalidade legal.

    7) Matéria que foi objecto de decisão na douta sentença mas com a qual igualmente não nos conformamos.

    8) Não é permitido ao Tribunal alterar a causa de pedir que a impugnante invoca como base da sua pretensão de modo a decidir a questão posta ao veredicto judicial, com fundamento numa causa que aquela não pôs à sua consideração e decisão. (Art. 608º nº 2 do CPC) 9) A Fazenda Pública não põe em causa que no presente caso as liquidações foram efetuadas antes do relatório final de inspeção. Porém, põe em causa que o Tribunal a quo, não tenha feito aplicação do princípio do aproveitamento do ato.

    10) O procedimento administrativo de liquidação tributária é composto por uma série de atos concatenados dirigidos à concreta determinação do montante do imposto a pagar e culmina com o ato da liquidação da taxa à matéria tributável.

    11) Mas, como é óbvio, não é pelo teor da notificação da liquidação feita ao contribuinte que se deve determinar o método que foi utilizado pela AT na correção do lucro tributável. Decisivo para esse efeito será, isso sim, o teor da fundamentação externada pela AT.

    12) Ora in casu se é certo que as liquidações foram efetuadas e notificadas no período entre o primeiro relatório definitivo e o segundo, não é menos certo que no 2º relatório efetuado mantém-se os valores iniciais constantes do projecto de relatório e do 1º relatório definitivo, com fundamento em que a ora recorrida deduziu indevidamente o IVA constante das faturas emitidas por B…………, Lda. e C…………, Lda., por se tratarem de faturas falsas.

    13) Assim relevante para averiguar os fundamentos da correção efetuada é o relatório de inspeção e não a notificação das liquidações que contém a mera aplicação da taxa à matéria coletável.

    14) O facto de não ter existido uma notificação da liquidação em data posterior à da notificação do 2º relatório definitivo constitui a preterição de uma formalidade legal que não tem como efeito invalidar o ato, pois de acordo com o princípio do aproveitamento do ato entende-se que não se justifica a anulação, pois apura-se que se a notificação tivesse sido realizada o conteúdo da mesma seria exatamente igual à que foi efetuada antes da notificação do 2.º relatório de inspeção, já que o 2º relatório manteve os valores iniciais.

    15) E sendo assim já conhecido do sujeito passivo os fundamentos das correções à matéria coletável, e os valores e sabendo que a notificação da liquidação em falta que seria efetuada seria uma repetição da que já tinha sido efetuada e notificada ao contribuinte antes do 2.º relatório de inspeção, é bom de ver que o resultado alcançado só poderia ser o mesmo.

    16) No caso dos autos, resulta da decisão com toda a clareza que se a obrigação legal de efetuar as liquidações depois da notificação do 2º relatório de inspeção tivesse sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.

    17) Ora partindo de tal pressuposto, é de aplicar o princípio geral do aproveitamento do ato administrativo.

    18) O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a aplicar frequentemente o princípio vulgarmente designado como o princípio do aproveitamento do ato administrativo, segundo o qual não se justifica a anulação do ato, mesmo que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, se o ato que haja de proferir não possa ter outro conteúdo senão aquele que lhe foi dado ou não possa ser menos lesivo do que o ato cuja anulação se pretende, conforme acórdãos invocados no corpo destas alegações.

    19) A douta sentença sob recurso, violou os artigos 5º nº 1 e 608º nº 2 do CPC, 54.º n.º 1 e alínea b) da LGT e 44.º n.º 1 alínea b) do CPPT.

    TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de LEI E JUSTIÇA 3. A recorrida veio contra-alegar, concluindo nos termos que se seguem: I — Nota prévia sobre a sentença recorrida 1ª CONCLUSÃO A Recorrida acompanha integralmente os muito bem elaborados e rigorosos fundamentos de facto e de Direito, que apontam e sustentam a legal e justa sentença recorrida pela RFP, para o STA — Secção de Contencioso Tributário.

    II — Sobre as alegações apresentadas pela RFP nas suas conclusões de “1” a “8”, relativas a um alegado desrespeito do pedido de tutela jurídica e alteração da causa de pedir da Impugnante/Recorrida.

    1. CONCLUSÃO Contrariamente ao que a Recorrente concluiu, a sentença proferida o Tribunal respeitou integralmente o pedido de tutela jurídica que lhe foi feito, assim como não alterou a causa de pedir da Impugnante/Recorrida, tal como se pode ver e se concluiu da forma como terminou a impugnação judicial que deduziu.

    2. CONCLUSÃO Já que a Impugnante/Recorrida considerou que na data em que as liquidações foram efectuadas, as mesmas não tinham ainda qualquer fundamentação estabilizada ou concluída, pelo que: a) Padeciam de falta de fundamentação; b) Falta de fundamentação essa que configurava um vício de forma; c) Falta de fundamentação essa que configurava ainda a preterição da formalidade legal e essencial de fundamentação, pelo facto da fundamentação dessas liquidações serem as conclusões do relatório de inspecção então em curso, do qual a sua versão final ainda não estava elaborada, aprovada e notificada à empresa inspeccionada, só o tendo sido posteriormente.

    3. CONCLUSÃO Aliás como muito bem se apreendeu na sentença recorrida, na qual, logo do seu início e em síntese, a fls. 1, se referiu...

      A………… … Alega em síntese verificar-se: ……………………….

      d) Vício de forma com a falta de fundamentação das liquidações impugnadas, por o Relatório de Inspecção ter sido elaborado posteriormente às liquidações que procura fundamentar;” 5ª CONCLUSÃO Daí que, na aplicação do Direito aos factos dados como provados na sentença recorrida, tal como muito bem nela se referiu, a final de fls. 13, por força do disposto no n° 3 do art. 5º do CPC, aplicável ex-vi da alínea e) do artigo 2° do CPPT, não estando o juiz julgador sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação aplicação das regras de direito.

      No exercício deste poder/dever do juiz, julgou bem e justamente, na aplicação do Direito aos factos carreados para os autos pela Impugnante/Recorrida, que foram dados como provados, concretamente a sequência de factos: de que as liquidações impugnadas, efectuadas em 24/06/2006, se iriam fundamentar num relatório de inspecção externa, que só ficou concluído e aprovado em 30/06/2006, posteriormente notificado à Impugnante/Recorrida, em 03/07/2006.

      Quando decidiu, como se transcreve da sentença recorrida pela RFP, no penúltimo parágrafo de fls. 18 … “Pelo exposto, entendemos que as liquidações impugnadas encontram-se desprovidas do acto administrativo que lhes subjaz, pelo que, padecem as mesmas de falta de uma formalidade essencial, geradora da anulabilidade das mesmas.” 6ª CONCLUSÃO Decisão esta, na qual se subsume perfeitamente a causa de pedir da Impugnante/Recorrida, sem necessidade até de se fazer qualquer apelo à liberdade de julgamento na aplicação do Direito, facultada pelo legislador no disposto no n° 3 do art. 5º do CPC, aplicável ex-vi da alínea e) do artigo 2° do CPPT.

      Pelo que se assim se demonstra e prova, de que contrariamente ao que a Recorrente concluiu, a sentença proferida respeitou integralmente o pedido de tutela jurídica que lhe foi feito, assim como não alterou a causa de pedir da Impugnante/Recorrida.

      II — Sobre as alegações apresentadas pela RFP nas suas conclusões de “9” a “19”, relativas a uma alegada violação da sentença recorrida do “ princípio do aproveitamento do ato”.

      7ª CONCLUSÃO António Braz Teixeira, no seu livro “Princípios de Direito Fiscal” (Almedina – Edição de 1979, pág. 229.), numa definição sufragada pela generalidade da Doutrina e Jurisprudência sobre o conceito de acto tributário, deu a seguinte noção: “Acto tributário é o acto administrativo definitivo e executório de aplicação das normas fiscais a um caso concreto e o qual se forma através de uma série ordenada de actos ou formalidades que a lei prevê e impõe, i.é, através de um processo.

      Noção esta que aparentemente a Recorrente acompanha, quando cita e transcreve a similar noção que consta do acórdão do TCAN, de 20/12/2007, Proc. 00936/04, citando ainda a referência de que... “não é pelo teor da notificação feita ao contribuinte que se deve determinar qual o método que foi utilizado pela AT na correcção do lucro...

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