Acórdão nº 0922/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | CARLOS CARVALHO |
Data da Resolução | 20 de Outubro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
RELATÓRIO 1.1.
“A.............”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Supremo Tribunal Administrativo [doravante «STA»] contra a “ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA” [doravante «AR»] e o “GOVERNO DA REPÚBLICA PORTUGUESA” a presente ação administrativa especial na qual, nos termos e pelos fundamentos insertos a fls. 02 a 56 dos autos, peticiona a «declaração de nulidade por violação de direitos fundamentais, do ato administrativo de aprovação do art. 168.º da Lei n.º 82-B/2014 de 31 de dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 e criou a Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica».
1.2.
Este Supremo, por acórdão datado de 25.02.2016 [cfr. fls. 438 e segs.
], manteve o despacho da Exma. Conselheira Relatora de 25.11.2015 que havia julgado incompetente em razão da matéria o STA e absolvido da instância os RR. indeferindo a reclamação apresentada.
1.3.
Notificada do referido acórdão e com ele não se conformando veio a A. interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal apresentando alegações [cfr. fls. 461 e segs.
] com o quadro conclusivo que se reproduz: “… 1ª. O presente recurso é admissível, verificando-se o preceituado no artigo 25.º do ETAF; 2ª. Como demonstrado na p.i., o artigo 168.º da LOE 2015 é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, do rendimento real ou capacidade contributiva, da proporcionalidade e da necessidade, da certeza e segurança jurídicas, e também do direito à propriedade privada. É, por outro lado, também ilegal, por violar o princípio orçamental de não consignação de receitas, merecendo, por essa mesma razão, a declaração de ilegalidade com valor reforçado.
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A CEIF é, no que por ora concerne, um ato administrativo, uma lei-medida, cujo elemento primário (inovador) e secundário (aplicador de direito) convergem num só diploma, e tem como destinatários um conjunto de sujeitos passivos determinados e concretos, i.e. todas as empresas legalmente autorizadas ao comércio de fármacos para uso humano em Portugal que não subscreveram o Acordo entre o Governo e a A............ para o exercício de 2015.
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Ora, a interpretação de que é indiferente o tipo de norma administrativa contida numa lei que seja impugnada (que seja uma lei-medida ou não), considerando-a sempre visada pela norma do artigo 4.º do ETAF por forma a autoexcluir a competência administrativa, extravasa largamente a ratio legis daquele preceito, e constitui um instrumento de bloqueio da sindicabilidade de normas emanadas numa LOE.
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O acórdão recorrido interpretou indubitavelmente a norma da alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF no sentido de que todos os atos sob forma legislativa (independentemente de serem ou não leis-medida) se encontram excluídos da jurisdição administrativa, violando assim o princípio da constitucionalidade legal, a proibição de atos restritivos de direitos, liberdades e garantias não constantes de leis gerais e abstratas, violando o princípio da tutela jurisdicional efetiva e do acesso ao direito, conforme previsto nos n.º 3 do artigo 3.º, n.º 3 do artigo 18.º, 20.º, 202.º e n.º 4 do artigo 268.º, todos da CRP; 7.ª O acórdão da conferência incorre assim no vício de omissão de pronúncia, que lhe importa a nulidade prevista no artigo 640.º do CPC e constitui fundamento do presente recurso …”.
1.4.
Devidamente notificados os RR., aqui recorridos, vieram produzir contra-alegações formulando o seguinte quadro conclusivo: - R. «Governo da República Portuguesa» [cfr. fls. 431 e segs.
]: “… 1. O artigo 168.º da Lei do Orçamento de Estado para 2015 não é um ato administrativo; 2. A referida disposição legal, no cumprimento do princípio da legalidade estabelecida nos artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP, criou e regulou um novo imposto, denominado Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica; 3. Na medida em que estamos perante uma norma materialmente legislativa que revela e concretiza uma opção política inovadora, inexiste, pois, em tal norma, qualquer ato administrativo de aplicação de um direito pré-existente; 4. Nem a circunstância de o regime estabelecido no artigo 168.º da Lei do Orçamento de Estado para 2015 atingir ou ter como destinatários concretos sujeitos transforma a referida disposição legal em ato administrativo; 5. É, pois, indiscutível que o artigo 168.º da Lei do Orçamento de Estado para 2015 se integra na função política-legislativa e nunca na função administrativa; 6. Pelo exposto, nem o despacho liminar anteriormente reclamado, nem o acórdão ora recorrido merecem qualquer censura ao julgar o Supremo Tribunal Administrativo materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado pela Recorrente, atendendo ao disposto no artigo 4.º n.º 3 alínea a) do ETAF; 7. Ao contrário do que é defendido pela ora Recorrente, a eventual natureza de lei-medida atribuída ao artigo 168.º da Lei do Orçamento de Estado para 2015 não suscita qualquer juízo de inconstitucionalidade em relação ao artigo 4.º n.º 3 alínea a) do ETAF, por não admitir a impugnabilidade de tal norma na jurisdição administrativa; 8. Como recentemente decidiu o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 113/2015, de 11/2/2015, Processo n.º 885/14), a exclusão da competência dos tribunais administrativos para a apreciação de leis-medida ou de leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, não impede a apreciação da legalidade e da constitucionalidade de tais leis, nomeadamente, através da apreciação dos concretos atos de aplicação de tais normas; 9. Não há, pois, qualquer restrição ao direito fundamental de acesso à tutela jurisdicional efetiva, uma vez que a Autora e ora Recorrente possui à sua disposição meios específicos para o fazer …”; - R. «AR» [cfr. fls. 443 e segs.
]: “… 1) O artigo 168.º da LOE 2015 não contêm um qualquer ato administrativo praticado sob a forma legislativa desde logo porque não se destina a produzir efeitos jurídicos, diretamente, numa determinada situação individual e concreta, mas sim, genericamente, em todas as situações, não pré-individualizadas, que nele se subsumam, sendo precisamente nisto que reside a caraterística da generalidade e da abstração própria das normas jurídicas; 2) Certo é também que para além de ter caráter normativo não foi o artigo 168.º da LOE 2015 emitido no exercício da função administrativa do Governo e da Assembleia da República - caso em que a sua ilegalidade ou inconstitucionalidade podia efetivamente ser impugnada nos tribunais administrativos [artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do ETAF e 72.º, n.º 1, do CPTA] - mas no exercício da atividade legislativa cometida à Assembleia da República [artigo 161.º, alínea g), da CRP]; 3) A solução interpretativa subjacente à declaração de incompetência absoluta do Supremo Tribunal Administrativo para apreciar os pedidos formulados na presente ação encontra arrimo na jurisprudência e doutrina administrativas mencionadas no acórdão recorrido e nos acórdãos n.ºs 113/2015 e 114/2015, ambos de 11 de fevereiro de 2015, nos quais o Tribunal Constitucional se pronunciou pela conformidade constitucional da norma do artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do ETAF quando interpretada com o sentido que foi também o adotado pelo acórdão recorrido; 4) Em face das conclusões formuladas pela Recorrente não se vê razão para divergir dessa jurisprudência e doutrina, tanto mais que não foram aduzidos argumentos novos que persuadam quanto à verificação de erro no julgamento dessa matéria.
5) É, pois, de concluir que bem andou a Secção Administrativa ao indeferir a reclamação apresentada contra o despacho, de 25 de novembro de 2015, proferido pela Conselheira Relatora, que, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea d), do ETAF e 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º e 577.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, julgou o Supremo Tribunal Administrativo incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado na presente ação e absolveu os Réus (Assembleia da República e Governo) da instância.
6) A Recorrente pode questionar a correção da decisão que declarou a incompetência (o que fez embora sem aduzir argumentos que persuadam quanto à verificação de erro no julgamento dessa matéria) e nunca a consequência (não conhecimento do mérito da causa) que, lógica e imperativamente, decorre da referida decisão.
7) Improcede, portanto, o vício de omissão de pronúncia imputado ao acórdão recorrido …”.
1.5.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
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