Acórdão nº 01048/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução27 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    A………………., S.A.

    , interpõe recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCA/Sul], em 26.02.2015, que concedeu provimento ao recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE OURÉM [MO] e revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria [TAF/L], de 10.07.2008, que tinha julgado improcedente a acção administrativa comum [AAC] por este último interposta contra a ora recorrente, na qualidade de ré, e contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA [MF] e o MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES [MOPTC], estes, na qualidade de contra-interessados.

    Culmina as suas alegações de revista com as conclusões seguintes: 1- A admissão do presente recurso de revista é claramente necessária para melhor aplicação do direito; 2- Isto porque nesta AAC, como em outras possíveis acções que venham a ser interpostas com o mesmo fundamento, estamos perante a questão de saber se os troços de estrada objecto de «autos de transferência», celebrados entre a então JAE e as autarquias locais na vigência do PRN/85, nomeadamente se o troço da EN356 entre o Km 40,818 e Km 59,338, foram eficaz e validamente transferidos do domínio público rodoviário do Estado para o domínio público municipal; 3- Tal questão tem uma relevância jurídica fundamental incontornável, pois reveste de elevada complexidade jurídica, uma vez que para uma correta apreciação da matéria dos presentes autos é necessário proceder à aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, tais como os diferentes planos rodoviários nacionais e respectivos anexos, o Estatuto das Estradas Nacionais, o regime do domínio público do Estado e dos municípios, o regime das mutações dominiais, devendo para tal serem analisadas e conjugadas as disposições desses diversos diplomas legais que se sucederam no tempo; 4- A relevância social da questão é, porventura, ainda maior, pois além de contender com a segurança e certeza jurídicas, tem evidente virtualidade de vir a repetir-se frequentemente nos tribunais administrativos, tantas vezes quantos os autos de transferência celebrados ao abrigo do PRN/85, atento a que as decisões sobre parte da rede têm incidência sobre a gestão da totalidade dessa rede, concretamente sobre os 3.700 km de rede transferida sob a vigência do PRN/85; 5- A questão é também claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que existe grande possibilidade de esta se vir a repetir em casos futuros, estando em causa uma matéria importante como a das mutações dominiais rodoviárias, matéria essa tratada de forma pouco consistente pelas instâncias, e para a qual importa garantir a uniformização do direito; 6- O acórdão recorrido incorre, ainda, em erro judiciário ostensivo e incontroverso, por violação flagrante da lei aplicável; 7- Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, nos termos do artigo 150º do CPTA; 8- Quanto ao mérito do recurso, ao considerar que a simples menção da EN356 no anexo III ao DL nº380/85, de 26.09, é suficiente para a classificação como estrada nacional da totalidade do seu traçado, sem atender ao troço a que se refere e que as normas habilitantes de actuação da Administração para proceder a mutações dominiais do domínio público rodoviário do Estado para o domínio público municipal, na vigência do PRN/85, se esgotavam com aquele diploma legal, o acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação da lei, verificando-se, desta forma, a violação da lei substantiva; 9- O PRN, como instrumento sectorial de gestão do território com incidência territorial que visa a execução da política de infra-estruturas rodoviárias no domínio dos transportes terrestres, define a classificação e as características da rede rodoviária nacional, estando definidas, nos seus anexos, as estradas que integram essa rede com a respectiva designação, bem como indicados os seus pontos extremos e intermédios; 10- Cada PRN prevê, de forma expressa, que somente são classificadas como estradas da rede rodoviária nacional as que constam da relação/mapa anexo ao diploma que procede à sua aprovação [ver artigos 2º, nº3, e 3º, nº4, do DL nº380/85, de 26.09], pelo que por comparação entre os anexos aos planos rodoviários [de 1945, de 1985 e de 2000], chega-se à conclusão que as estradas que integram a rede nacional constituem um numerus clausus: são aquelas que se encontram identificadas nos anexos ao PRN, e somente aquelas, com exclusão de todas as outras que fazem parte da rede desclassificada, e, portanto, de uma das 308 redes municipais de estradas; 11- O PRN/85 desclassifica como nacional o troço da EN356 entre Martingança e Batalha, bem como o troço da EN356 entre Ourém e Alvaiázere, uma vez que estes já não constam dos pontos extremos e intermédios da EN356 mencionados no Anexo III, ficando esta apenas definida entre Batalha e Ourém, ou seja, entre os quilómetros 13,000 e 40,800; 12- O troço em causa nestes autos desenvolve-se a nascente de Ourém, entre o Km 40,818 e o Km 59,338, pelo que o mesmo não faz parte da rede rodoviária nacional; 13- A desclassificação de estradas nacionais em consequência do PRN/85 resulta da entrada em vigor do DL 380/85, de 26.09, na medida em que as suas disposições são bastantes, pois este prevê expressamente que a rede nacional é somente composta pelas estradas constantes dos seus anexos [artigos 2º, nº3, e 3º, nº4] não sendo necessária a publicação do diploma regulamentar da rede municipal previsto no nº1 do artigo 13º desse diploma legal para o efeito - vide nesse sentido o acórdão do STJ nº080817, de 08.01.1991; 14- A simples menção no auto de transferência à EN356 não implica que o troço compreendido entre o Km 40,818 e o Km 59,338 se situa na então classificada EN356 pelo PRN/85, porquanto a designação de uma estrada classificada em anteriores planos rodoviários nacionais mantém-se aquando da sua transferência, por razões óbvias de identificação dos lanços de que se está a falar; 15- Qualquer mutação dominial rodoviária do domínio público do Estado para o domínio público das autarquias, implica a prévia desclassificação como estrada nacional do troço de estrada que se pretende transferir, sendo que a respectiva entrega somente poderá ser efectuada se for conferida, à Administração, norma legal para o efeito; 16- Tal norma, como decidido pelo Tribunal a quo, não existe no PRN/85 com uma formulação semelhante à que o legislador consagrou no PRN/2000. Importa é apurar qual o alcance da opção do legislador. Para a questão da transferência de domínio, não é de considerar tal circunstância, na medida em que substantivamente a desclassificação operou ope legis e que a regulamentação cuja publicação se previa no artigo 13º do PRN/85, e que nunca ocorreu, se ocuparia de aspectos novos, designadamente relativas à gestão das estradas desclassificadas, como refere o STJ no aresto acima transcrito; 17- Tal norma ficou, no entanto, consagrada no Estatuto das Estradas Nacionais [Lei nº2037, de 19.08.1949], concretamente no seu artigo 166º, pelo que, ainda que o auto de transferência de 15.03.1993 não a mencione expressamente, esta confere a este último base legal legitimadora e suficientemente densificada que determina a mutação dominial do domínio público rodoviário do Estado para o domínio público autárquico do Município de Ourém do troço da EN356, entre o Km 40,818 e o Km 59,338; 18- Sem conceder, e nos termos conjugados dos artigos 4º e 128º, §2, ambos do EEN, a exploração/gestão de determinada estrada pode ser entregue a uma autarquia local, mantendo o Estado, no entanto, a titularidade da mesma, razão por que presumindo-se esclarecida e válida a vontade das partes aquando da assinatura de um contrato, não podemos deixar de concluir que ao assinar o auto de transferência em 15.03.1993, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourém declara receber o troço de estrada objecto do «auto de transferência» nos termos nele descritos, aceitando consequentemente a sua gestão/exploração, e ficando, logo, responsável pela respectiva conservação e manutenção; 19- O facto de no PRN/2000, o troço em causa nos autos ter passado a integrar a tipologia de estradas regionais, sob a designação de ER356, em nada vem alterar ou pôr em causa a transferência dominial para o domínio público municipal do Município de Ourém feita através do «auto de transferência» de 15.03.1993; 20- Pois as estradas regionais são uma inovação introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo PRN/2000, aprovado pelo DL 222/98, de 17.07, tendo o legislador previsto que as estradas regionais se mantivessem sob responsabilidade da Administração Central; 21- Porém, a EN356 não se podia manter nessa situação uma vez que era, à data da entrada em vigor do PRN/2000, uma estrada municipal, já transferida para o MO, pelo que, e mutatis mutandis, as estradas municipais que estivessem sob a responsabilidade da administração local autárquica também devem manter-se assim até estarem criadas as condições para se alterar tal situação; 22- Esta solução é efectivamente a única possível, sob pena de se verificarem vazios de poder e se instalar o caos, com prejuízo para o exercício do direito de circular com segurança; 23- Encontra-se especialmente previsto que as estradas classificadas para integração nas redes municipais ficam sob a tutela da A……………, SA, até a recepção pelas respectivas autarquias, pelo que, as estradas que deixem de ser municipais não podem deixar de ficar sob a responsabilidade das autarquias até serem efectivamente recebidas por outras entidades; 24- Por outro lado, o procedimento por meio do qual a estrada passa da responsabilidade de uma entidade para outra tem previsão expressa na lei actualmente vigente, nunca se podendo transferir a respectiva jurisdição ipso jure atenta a complexa teia de interesses juridicamente protegidos, de direitos e obrigações que se materializam numa estrada e nas áreas...

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