Acórdão nº 0992/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DO C
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO O Ministério da Administração Interna/SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras inconformado com a decisão proferida em 30 de Junho de 2016, no TCAS, [que confirmou a sentença proferida pelo TAC de Lisboa, designadamente na parte em que esta o condenou em custas, no âmbito da presente acção intentada com vista à anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 17/09/2015 que recusou a autorização de residência ao autor/ora recorrido por protecção subsidiária e a condenação do mesmo a conceder tal autorização], interpôs o presente recurso.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: «1ª - Os processos de impugnação judicial de recusa de admissibilidade do pedido de proteção internacional configuram, nos termos da legislação aplicável, processos gratuitos, conforme estatuído no artº 84º da Lei nº 27/2008 de 30/6; 2ª – O douto Acórdão de que ora se recorre assim não entende, considerando que “O artigo 25º, nº 1 do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, revogou o artº 84º da Lei nº 27/2008, de 30/06, no segmento em que este prevê a gratuitidade, na fase judicial, dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão”; 3ª - O ora recorrente, em total discordância, pugna na senda dos acórdãos proferidos pelo TCA Sul (2º Juízo - 1ª Secção) no âmbito dos recursos jurisdicionais interpostos nos Procs. nºs 11267/14, 11786/15, 11962/15, 12520/15, 12828/15; 13062/16; 13154/16 e 13275/16 e, igualmente, pelo STA, no âmbito dos recursos n.º 63/15 (Proc. nº 11440 do TCA Sul) e nº 1331/14 (Proc. 10821/14 do TCA Sul), os quais aplicam, sem reservas, o referido preceito legal. - “Sem custas – art. 84º da Lei nº 27/2008, de 30.06”, entendimento que, aliás, tem sido seguido transversalmente pelos tribunais administrativos de primeira instância; 4ª – O artº 84º estabelece expressamente que “Os processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão são gratuitos e têm carácter urgente, quer na fase administrativa quer na judicial”; 5ª - Ao contrário do douto acórdão recorrido, o recorrente não reconduz o conceito de “gratuitidade” ao de apoio judiciário (para daí retirar uma conformidade ou identidade que, objectivamente, inexiste), pugnando que os mesmos não se confundem nem se assimilam, precisamente em atenção à natureza do direito de asilo e aos valores que lhe subjazem, ou melhor: “ a dimensão constitucional objectiva, enquanto meio de protecção dos valores constitucionais da «democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana» (cf. J.J Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada; 3ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 211); 6ª – Nos termos do artº 9º do Código Civil, quando o legislador optou pela expressão “gratuito” queria significar literal e teleologicamente isso mesmo, até por contraponto a outra legislação aplicável aos cidadãos estrangeiros, a qual usa formulação distinta, prevendo que “ o cidadão estrangeiro goza, a pedido, de protecção jurídica” (cf. artº 150º nº 3 da Lei nº 23/2007); 7ª – É evidente que a Lei nº 27/2008 postulou no artº 84º uma isenção objectiva de custas, tendo optado por um regime mais favorável do que o previsto nas Directivas nºs 2004/83/CE e 2005/85/CE do Conselho, alicerçado precisamente na dupla protecção constitucional supra, a qual não denega, naturalmente, o regime do apoio judiciário, com o qual não se confunde ou se reconduz, tal como o douto acórdão recorrido parece inferir; 8ª - Acresce que, no caso, a adopção de uma solução mais favorável exprime uma legítima prerrogativa do legislador nacional, sem que dela se nos afigure resultar qualquer desconformidade com o regime das directivas por esta via transpostas para a ordem jurídica interna; 9ª - Ademais, a Lei 27/2008, que regula o direito de asilo, assume, dada a natureza da matéria, carácter especial, como demonstra, aliás, o nº 2 do seu artº 22º ao estabelecer que “À impugnação jurisdicional referida no número anterior são aplicáveis a tramitação e os prazos previstos no artigo 110º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, configurando assim as acções relativas ao asilo em moldes idênticos aos da Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, de natureza urgente, norma da qual urge retirar consequências; 10ª – Em conformidade, haverá de apelar ao nº 2 do artº 4º do Regulamento de Custas Processuais, que prevê um regime de isenção objectiva ditada pela especialidade da matéria de determinadas acções, estabelecendo na alínea b) que “Ficam também isentos os processos administrativos urgentes relativos ao pré-contencioso eleitoral quando se trate de eleições para órgãos de soberania e órgãos do poder regional ou local e à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” (sublinhado nosso), norma ignorada pelo douto acórdão ora recorrido; 11ª – De referir que o Regulamento de Custas Processuais, ao concentrar todas as regras sobre isenção de custas num único diploma, não procede a uma regulamentação “cega” do regime de isenções, nem o faz apenas depender do critério de insuficiência económica, na perspectiva do direito constitucionalmente consagrado de acesso à justiça e aos tribunais; 12ª - Por outro lado, é inequívoco que o Regulamento de Custas Processuais se apresenta como uma lei de carácter geral que visa a “uniformização e simplificação do sistema de custas processuais”, sendo inegável que, por outro lado, o artº 84º da Lei 27/2008 constitui uma norma especial, entendimento sufragado quer pelo TCA Sul quer pelo STA (cf. nº 3 destas conclusões); 13ª – Donde decorre que se deva aplicar a “ norma “ ensinada pelo Professor Doutor João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, que prescreve que “(…) a lei especial prevalece sobre a lei geral (critério da especialidade: lex specialis derogat legi generali), ainda que esta seja posterior, excepto (…) se outra for a intenção inequívoca do legislador “ (sublinhado nosso), em total consonância com o artº 7º nº 3 do Código Civil; 14ª – Nesta sede, o ora recorrente tem mesmo fundadas dúvidas se o Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, que...

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