Acórdão nº 0276/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução11 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2214/09.9BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (de fls. 354 a 372) que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A…………” (doravante Recorrida ou Impugnante), na sequência do indeferimento de pedido de revisão oficiosa, anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), por retenção na fonte, efectuada quando da colocação à disposição da Impugnante dos dividendos distribuídos pela sociedade, sua participada, “B…………, S.A.” (a seguir “B…………”), condenando a Fazenda Pública à restituição desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): «I- Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a retenção na fonte, à taxa liberatória de 25% sobre os dividendos distribuídos pela sociedade B............ à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, haveria uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes.

II- Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede.

III- Relativamente à causa decidendi, a Administração Tributária aquilatou que a douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.

IV- O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art. 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.

V- Na verdade, o Estado-Membro da entidade distribuidora dos dividendos, cumpriu com todos os preceitos legislativos, pelo que não se vislumbra o mesmo possa violar o direito comunitário.

VI- Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B............, efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.

VII- Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.

VIII- Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos arts. 12.º, 46.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais».

1.3 A Recorrida contra-alegou, formulando conclusões do seguinte teor: «A. Andou bem o douto Tribunal a quo ao proferir a decisão, ora em recurso, manifestando uma correcta valoração da matéria de facto e de direito com interesse para a decisão, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida e, por conseguinte, anulando a liquidação impugnada, no montante de € 246.426,22 referente à retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos pelo B............ em 08/11/2004, e, em consequência, condenando a Fazenda Pública no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

  1. Com efeito, não pode a presente acção deixar de proceder por provada, pois, no presente caso, à Fazenda Pública não assiste qualquer razão ao alegar: (i) a falta de comparabilidade entre a situação da sociedade beneficiária de dividendos quando é residente e quando não é residente; (ii) a inexistência de efeito directo da Directiva; e (iii) a inexistência de efeito directo do artigo 56.º do TCE.

  2. Perante o teor da motivação apresentada pela Fazenda Pública em face das quais esta extraiu as suas conclusões, cumpre antes de mais referir que, conforme é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é precisamente pelas conclusões que a Recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT).

  3. Assim sendo, foca-se a questão em discussão nos presentes autos e objecto do presente Recurso unicamente na discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa em violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrada nos artigos 56.º e 58.º do TCE (actualmente artigos 53.º e 65.º do TFUE), encontrando-se, por conseguinte, o objecto do presente recurso concretamente identificado no ponto II nas Conclusões apresentadas pela Fazenda Pública: “(...) o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede”.

  4. No que respeita à questão da comparabilidade entre a situação de uma entidade residente e de uma entidade não residente, existe hoje sobre a matéria extensa jurisprudência, assente e pacífica, quer do Tribunal de Justiça, quer dos Tribunais nacionais, sendo evidente que se trata de situações comparáveis e que o regime na legislação português apresenta um tratamento discriminatório de residentes e não residentes, conforme se enunciou e ficou demonstrado na presente acção.

  5. A obrigação de proceder à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos por entidades não residentes decorria do n.º 1, c) do artigo n.º 88.º, e n.º 2, c) do artigo n.º 80.º do CIRC, nas redacções em vigor à data dos factos, bem como do n.º 3 do artigo n.º 14.º do CIRC, a contrario, estando também idêntica obrigação prevista para entidades residentes em território nacional mas relativamente às quais se estabelecia a dispensa deste dever, bem como a não tributação dos dividendos recebidos nos termos dos artigos 90.º n.º 1 c) e 46.º n.º 1 (nas redacções em vigor à data).

  6. A análise comparativa dos referidos regimes conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiavam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes.

  7. Sendo uma sociedade residente para efeitos fiscais na Holanda, a Recorrida foi sujeita a retenção na fonte em Portugal relativamente aos dividendos que lhe foram distribuídos pelo B............, facto que padece de ilegalidade por violação do direito europeu, nomeadamente, do princípio da livre circulação de capitais.

    I. Porquanto, caso fosse a Recorrida residente para efeitos fiscais em Portugal, os lucros distribuídos pelo B............ seriam deduzidos da base tributável para efeitos de determinação do lucro tributável da beneficiária e estariam dispensados de retenção na fonte.

  8. Ou seja, não incidiria qualquer tributação ao nível da beneficiária sobre os dividendos recebidos, ao contrário do que sucede no caso da Recorrida em resultado apenas da sua residência noutro país da EU que não Portugal, o que configura uma verdadeira discriminação proibida pelo artigo 58.º n.º 3 do TCE, restritiva da liberdade de circulação de capitais estabelecida pelo artigo 56.º TCE (ora, artigo 63.º do TFUE), e do investimento de sociedades não residentes em Portugal.

  9. A referida discriminação do tratamento não é resolvida nem pelo direito interno nem por via convencional, conforme reconheceu o TJUE nos Acórdãos Secilpar (Processo C-199/10) e Amorim Energia BY (Processo C-38/11).

    L. Na realidade, a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito na Holanda pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos pagos pelo B............, porquanto esses dividendos se encontravam isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption Holandês.

  10. Desta forma, a Recorrida foi obrigada a efectuar um esforço fiscal maior – correspondente à retenção efectuada – do que uma sociedade nas mesmas condições (i.e., mesmo nível de participação, pelo mesmo período) residente em território nacional.

  11. Esta diferença de tratamento consubstancia uma restrição da liberdade de circulação de capitais, porquanto reduz o retomo económico que uma sociedade não residente obtém de uma participação social numa sociedade Portuguesa, em comparação com a detenção, em iguais condições, por parte de uma sociedade residente em Portugal, criando um obstáculo ao investimento em Portugal por parte de residentes de outros Estados Membros, maxime, uma restrição à livre circulação de capitais.

  12. Ora, a violação invocada tem, não só, correspondência legal – o actual art. 63.º do TFUE – como apoio na jurisprudência vasta e unânime do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais, que...

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