Acórdão nº 2207/04.2TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Data15 Dezembro 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA Legislação Nacional: ARTºS 247º, 251º, 289º, Nº 1, 799º, Nº 1, E 913º DO C. CIV..

Sumário: I – A venda de coisa defeituosa pressupõe que a coisa vendida enferme de vícios ou careça de qualidades enunciadas no artº 913º do CC, quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra adstrito.

II – Constituem defeito não só os vícios físicos ou materiais – deficiências de fabrico ou de construção, deficiências internas – como também a falta de qualidades, quer as que foram asseveredas, explicita ou implicitamente pelo vendedor, quer as necessárias à realização do fim a que o bem em causa se destina.

III – Consubstancia uma situação de cumprimento defeituoso a venda de um veículo automóvel em que o vendedor assegurou ter 136.000 kms e a classificação de bom em todos os “intens” considerados – motor, caixa de velocidades, direcção, embraiagem e travões -, mas relativamente ao qual o comprador veio posteriormente a constatar que tinha 270.000 kms percorridos e não desenvolvia em termos de arranque e velocidade.

IV – A informação da quilometragem efectivamente percorrida por um veículo usado, objecto de venda, consubstancia uma informação que, para a generalidade das pessoas, se apresenta como determinante na decisão de comprarem ou não.

V – Comprovados esses defeitos, cabe ao vendedor ilidir a presunção de culpa que o onera, nos termos do artº 799º, nº 1, do C. Civ..

VI – Na situação apurada ocorre o chamado erro-vício, reportado ao objecto do negócio, ou seja, erro referente às qualidades pressupostas pelo comprador (na decisão de comprar) relativamente ao objecto vendido, erro esse que conduz à anulação do contrato, nos termos dos artºs 247º e 251º do C. Civ..

VII – Nos casos de anulabilidade resultante de erro do comprador, mediante o qual este adquire a coisa por preço superior ao do valor desta, a medida da restituição (recíproca) – artº 289º, nº 1, C.Civ. -, em caso em que já não é possível a restituição da coisa em espécie, não se fará simplesmente em função do preço, mas sim em medida correspondente ao valor da coisa, considerada a realidade do elemento em que erroneamente se baseou o comprador ao tomar a decisão de contratar.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório: A) - 1) - A...

e mulher B....

, residentes em....., intentaram, em 19/08/2004, no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, contra “C...

”, com sede ...., acção declarativa, com processo ordinário, alegando, em síntese, que: - Adquiriram à Ré, em 18/2/2004, a viatura D....

, de Dezembro de 2001, pelo preço de € 33.000, sendo parte do mesmo correspondente a retoma recebida pela Ré da viatura E...

, de Janeiro de 2001, a qual foi valorizada em € 16.000; - Na data da sua aquisição, a viatura Mercedes tinha marcados no quadrante 67.033 km, tendo a Ré garantido que os quilómetros eram “reais”, ou seja, que correspondiam aos efectivamente feitos, assim como a respectiva ficha de inspecção apresentava a quilometragem de 61.891 km em 22 de Agosto de 2003; - Desde a data de recepção, a viatura evidenciou vários sinais de desgaste anormal, do que foi dado conhecimento à Ré que reportou a respectiva reparação para a primeira assistência/revisão à viatura nas suas oficinas, com excepção dos travões; - Vindo a ser substituídos, em 8/3/2004, nas oficinas da Ré, os discos de travagem da frente, foi-lhes prestada a informação de que os discos que ali se encontravam não eram de origem, mas sim da concorrência; - Não lhes foram fornecidos pela Ré os documentos da viatura bem como as chaves duplas, apesar de terem sido solicitados; - Solicitaram junto de outro concessionário da marca Mercedes - Benz informações sobre o historial da viatura, vindo a obter a informação de que esta teria efectuado, em Dezembro de 2002, uma revisão em concessionário da Mercedes na Alemanha, tendo sido registados, nessa data, 126.000 km, do que deram conhecimento à Ré que veio a confirmá-la através da pesquisa que efectuou na presença dos Autores à respectiva base de dados da marca; - Vieram a ter conhecimento, em 10/08/2004, que a referida viatura havia circulado como táxi; - A Ré não procedeu de boa fé na conclusão do negócio já que sabia a proveniência do veículo e todo o seu historial, tendo vendido coisa defeituosa, que bem conhecia, sendo que eles, AA., caso conhecessem a viciação da quilometragem da viatura na ocasião em que a adquiriram, não fariam o contrato em causa, nem entregariam para pagamento a quantia efectivamente paga, nem a viatura E... já referida; - A actuação da Ré provocou-lhes prejuízos patrimoniais que correspondem ao montante total pago (€ 33.000), acrescido de todas as despesas suportadas com a viatura, nomeadamente com seguros - € 837,09 -, com o contrato de mútuo e acréscimo de juros, imposto de selo, despesas sobre o capital mutuado, penalização pela rescisão antecipada do contrato de mútuo e de outras não passíveis de simples cálculo aritmético, a liquidar em execução de sentença, assim como lhes causou incómodos e perturbações no seu quotidiano pessoal, profissional e familiar, além de danos na imagem profissional de cada um dos Autores, os quais computaram em montante global não inferior a € 16.000.

Concluindo, formularam o pedido nos seguintes termos: «Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência ser declarada anulada a compra e venda da viatura D..., nos termos e com os efeitos dos artigos 913° e ss., 908° e 909°, 247° e 252°, 253° e 254°, tudo conjugado com as disposições dos artigos 227°, n° 1 e 762°, n.° 2 do Código Civil e ser a Ré condenada a: A)Restituir aos AA. a quantia de € 33.000,00 (trinta e três mil euros), acrescido de todas as despesas suportadas pelos AA. até à presente data com a viatura, nomeadamente com seguros - € 837,09 -, com o contrato de mútuo e acréscimo de juros, imposto de selo, despesas sobre o capital mutuado, penalização pela rescisão antecipada do referido contrato de mútuo e de outras que não são passíveis de simples cálculo aritmético à presente data e que deverão ser remetidas para liquidação em execução de sentença, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da celebração do negócio em 18-02-2004 até ao seu efectivo e integral pagamento; B) Pagar aos AA. quantia não inferior a € 16.000,00 (dezasseis mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação da Ré para contestar até efectivo e integral pagamento; C)Nas custas, procuradoria condigna e demais despesas, OU EM ALTERNATIVA: D) Entregar aos AA. uma viatura nova, da mesma marca, de iguais características e com os mesmos extras de equipamento e a receber daqueles a de D...; E) Pagar aos AA. quantia não inferior a € 16.000,00 (dezasseis mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação da Ré para contestar até efectivo e integral pagamento; F) Nas custas, procuradoria condigna e demais despesas.».

2) - Contestando, além de excepcionar o abuso do direito relativamente ao pedido formulado em alternativa pelos Autores, a Ré defendeu-se por impugnação, sustentando, em síntese: - Que o contrato firmado entre as partes diz respeito à venda de uma viatura usada e que o negócio foi precedido de várias conversas com o Autor marido que teve oportunidade de experimentar a viatura prolongadamente, por várias vezes, nunca tendo sido decisivo, nas negociações havidas, a quilometragem da viatura mas sim as condições em que a mesma estava ao nível da chapa, pintura e motor; - Que a viatura usada havia sido adquirida à firma “F...

”, que a importou da Alemanha e que, após a sua recepção, foi submetida pela Autora a um completo diagnóstico que determinou a substituição de vários componentes; - Que, sendo ela, ora Ré, completamente alheia a qualquer viciação do conta-quilómetros, se bastou com a informação constante do documento aduaneiro pois a consulta ao histórico só acontece, como excepção, quando algo de suspeito ou dúvida razoável esteja presente, o que não foi o caso.

Concluindo pela improcedência da acção, deduziu a Ré, ainda, o incidente de intervenção principal provocada da firma “ F...” a quem havia adquirido a viatura.

3) - Indeferido que foi o deduzido chamamento da mencionada firma, veio tal decisão a ser confirmada por esta Relação, em 09/11/2005, no âmbito de recurso de Agravo interposto pela Ré.

4) - Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Por despacho de fls. 184 e ss., foi decidido aditar uma alínea à matéria de facto assente e alterar a redacção da constante na alínea f).

  1. - 1) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida sentença (em 09/12/2008), decidindo, na parcial procedência da acção, «…declarar a anulabilidade do contrato de compra e venda do veículo de D..., condenando-se a Ré a restituir aos Autores a quantia de 17.000 € (dezassete mil euros) bem como o veículo de E... ou, caso a mesma não seja possível, o montante de 16.000 € (dezasseis mil euros), devendo os Autores restituir à Ré o veículo de D... ou, caso a mesma não seja possível, o montante de 33.000 € (trinta e três mil...

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