Acórdão nº 106/06.2TBFCR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Data15 Dezembro 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTºS 1251º, 1252º, Nº 2, 1287º E 1288º DO C. CIV.

Sumário: I – Estatui o artº 1287º do C. Civ. que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação – é o que se designa por usucapião, prescrição positiva ou aquisitiva.

II – A usucapião tem sempre na sua génese uma situação possessória, que pode derivar de constituição ex novo ou de posse anterior.

III – Posse delimitada como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – artº 1251º C. Civ..

IV – A usucapião produz uma aquisição originária que opera com efeitos rectroactivos, reportados ao início da posse respectiva – artº 1288º do C.Civ. -, mas que, relativamente ao direito possuído, não pode verificar-se nos detentores ou possuidores precários, excepto achando-se invertido o título de posse, caso em que o prazo para usucapir só corre desde a inversão do título – artº 1290º C. Civ..

V – A vontade concreta do detentor só releva caso tenha invertido o título de posse.

VI – A inversão do título de posse (a interversio possessionis) supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio (não basta que a detenção se prolongue para além do termo do título que lhe servia de base; necessário se torna que o detentor expresse directamente junto da pessoa em nome de quem possuía a sua intenção de actuar como titular do direito).

VII – Na ausência de exteriorização de uma vontade categórica de possuir em nome próprio, revelada por actos positivos de oposição ao proprietário, sobrepondo-se à aparência representada pelo arrendamento, é vedado adquirir por usucapião.

VIII – Em caso de dúvida, a posse presume-se em quem exerce o poder de facto – artº 1252º, nº 2, C. Civ. -, isto é, presume-se o exercício do animus naquele que detém o corpus, presunção a que subjaz a dificuldade de provar o dito animus.

Decisão Texto Integral: Acórdão Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório 1.

A...

e esposa, B...

, residentes em ...., intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, convolada para a forma de processo ordinário por força da admissão da reconvenção, contra C...

, solteiro, residente ...., D....

e esposa, residentes ...., E....

e esposa, residentes ..., F....

e esposa, residentes ..., G...

, divorciado, residente ...., H...

e esposa, residentes ...., I.....

, divorciada, residente ......, J....

e marido, residentes ...., L....

, solteira, maior, residente ...., e M....

e esposa, residentes ...., filhos de N....

e de O....

.

Alegaram os autores que o primeiro réu comprou aos demais quarenta e nove prédios, dois dos quais, conhecidos como P....

e Q...

, pertença dos demandantes desde 1976. Desde então, ininterruptamente e à vista de todos, sem oposição, os amanham, cônscios de que não lesam direitos alheios. Para além disso, o réu comprador, quando negociou com os restantes demandados a compra daqueles prédios, era conhecedor de que aqueles dois prédios pertenciam aos autores.

Concluíram pedindo: 1.1. A declaração do seu direito de propriedade sobre os prédios rústicos, terra de lameiro e pastagem, sito em P..., com a área de 37 174 m2, inscrito na matriz da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o nº..., e terra de trigo, sito em Q..., com a área de 19 814 m2, inscrito na matriz da freguesia de ......sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de...com o nº .....

1.2. A condenação dos réus a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam o seu exercício do direito de propriedade plena sobre os referidos prédios.

1.3. A anulação das inscrições registais a favor de C... e consequente averbamento a favor dos autores.

1.4. A condenação do réu C... por litigância de má fé.

2. Contestaram os réus (só por lapso a sentença refere que apenas o réu adquirente deduziu oposição), alegando que jamais os autores adquiriram a propriedade dos prédios em causa ou se comportaram como tal, ao passo que o registo alcançado pelo réu C... se alicerça em escritura de compra e venda. Acrescentaram que foram outros os prédios adquiridos pelos autores aos pais dos demandados. Os prédios em causa, que integravam o acervo hereditário dos seus avós, na data da partilha, estavam dados de arrendamento aos autores, por contrato que foi denunciado em 1975/1976. Ficaram, então, convictos que os autores abandonaram o cultivo dos prédios, já que muito esporadicamente se deslocavam a Vilar de Torpim, mas nunca tiveram conhecimento de que os autores se arrogassem seus donos. A não utilização dos prédios pelo primeiro réu, em função da conduta dos autores, tem-lhe causado prejuízos.

Deduziram reconvenção, formulando os seguintes pedidos: 2.1. O reconhecimento do direito de propriedade do primeiro réu sobre aqueles imóveis.

2.2. A condenação dos reconvindos a reconhecê-lo e a entregar-lhe os prédios livres de quaisquer bens, abstendo-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou turbem o exercício desse direito.

2.3. A condenação dos reconvindos a pagar ao primeiro réu a quantia de 2 040,00 euros, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, e 2 040,00 euros anuais, ou proporcional, desde a data de entrada em juízo da reconvenção até entrega efectiva dos prédios.

2.4. A condenação solidária dos reconvindos a pagar, a título de danos morais, ao primeiro réu a quantia de 5 000,00 euros e a cada um dos demais a quantia de 500,00 euros.

2.5. E a condenação dos reconvindos como litigantes de má fé.

3. Os autores apresentaram a resposta à contestação, mantendo a postura assumida na petição inicial...

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