Acórdão nº 01411/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 274/06.3BEFUN 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A…………., Lda.” (doravante Impugnante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou improcedente a impugnação judicial por aquela sociedade deduzida contra a liquidação de direitos aduaneiros de importação apurada no processo de cobrança a posteriori por a Administração tributária (AT) ter considerado existirem irregularidades ao regime específico de abastecimento denominado “POSEIMA” (O Conselho das Comunidades Europeias adoptou, pela Decisão n.º 91/315/CE, em 26 de Junho de 1991, um programa de acções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade dos Açores e da Madeira, denominado Poseima, que se integra na política da Comunidade a favor das regiões ultraperiféricas. Entre outras medidas, o POSEIMA instituiu um Regime Específico de Abastecimento (REA) de determinados produtos agrícolas essenciais para o consumo humano e a transformação nas regiões ultraperiféricas. O REA consiste na não aplicação de qualquer direito à importação directa para a Madeira e para os Açores dos produtos por ele abrangidos, quando originários de países terceiros, ou na concessão de uma ajuda, no caso do abastecimento ser feito a partir dos países da Comunidade.

), decorrentes da incorporação do açúcar importado em produtos reexpedidos para o Continente.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou a respectiva motivação, que rematou com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): «1. Consta da sentença que o M.P. emitiu parecer a suportar o entendimento da F.P. e a pugnar pela improcedência da impugnação. Esse parecer e a sua fundamentação são completamente desconhecidos da Impugnante, pois nunca lhe foram notificados, impedindo-a assim de se pronunciar sobre os mesmos.

  1. Essa omissão constitui violação do princípio do contraditório, bem como do princípio da igualdade processual das partes, bem como do direito a um processo justo e equitativo. Princípios com assento constitucional que, no caso, protegem direitos fundamentais da Impugnante, e cuja violação é geradora de nulidade processual desde a sua verificação.

  2. A sentença recorrida em violação n.º 1 do artigo 123.º do CPPT, não fixou as questões que ao tribunal competia solucionar e, em violação do n.º 2 do mesmo artigo, não discriminou a matéria provada da não provada, nem fundamentou a sua decisão, o que tudo constitui nulidade processual com influência na decisão da causa.

  3. A sentença recorrida é nula por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

  4. A sentença é, ainda, nula por omissão de pronúncia, já que deixou de pronunciar-se sobre questões alegadas pela Impugnante, imprescindíveis à boa decisão da causa.

  5. A recuperação do Benefício Poseima Abastecimento (isenção de direitos ou ajuda), em caso de incumprimento por parte do operador/registado dos compromissos assumidos nos termos do Artigo 9.º do Regulamento N.º 20/2002, descritos na respectiva alínea c) (Artigo 9.º al. c) do Regulamento N.º 793/2006), recai sobre o próprio operador titular de um dos certificados que lhe permitem aceder àquele beneficio, nos termos do N.º 1 do Artigo 26.º do mesmo Regulamento (Artigo 20.º N.º 1 al. a) do Regulamento (CE) N.º 793/2006 da Comissão), o qual expressamente dispõe que as autoridades competentes «recuperarão do titular do...

    » 7. A recuperação do Benefício Poseima Abastecimento (isenção de direitos ou ajuda) prevista no Parágrafo 2.º do N.º 2 do Artigo 17.º do Regulamento N.º 20/2002 (Parágrafo 3.º N.º 6 do Artigo 16.º do Regulamento N.º 793/2006) recai sobre o exportador ou expedidor, quer seja ou não operador, ou transformador registado, que, através de falsas declarações, ou através da prática de outra irregularidade ou fraude, obtenha a necessária autorização das autoridades competentes para a exportação ou expedição ou proceda às mesmas sem essa autorização. Aquela previsão legal estipula que a recuperação é do «benefício concedido a título do Regime Específico de Abastecimento», sem qualquer referência ao titular dos certificados, contrariamente ao estipulado no Artigo 26.º.

  6. O compromisso assumido pelo operador nos termos do Artigo 9.º N.º 2 alínea c) Parágrafo V é única e exclusivamente aplicável quando o escoamento dos produtos agrícolas se efectua na Região. Se há expedição ou exportação para fora da RAM desses produtos não há «utilizador final» para efeitos de Poseima, mas sim obrigação de devolução do benefício por parte do transformador ou do expedidor, excepto se essa expedição ou exportação for abrangida pelo N.º 1 do Artigo 17.º do Regulamento 20/2002.

  7. Se a Impugnante, não tivesse repercutido o benefício no transformador, como repercutiu, ou tivesse sido a expedidora das mercadorias, quando temporalmente isso era proibido, ou após ser permitido, sem autorização das entidades competentes e sem reembolso do benefício, é óbvio que seria a infractora e, então, nesse caso, nada teria a opor às conclusões dos relatórios de inspecção. Mas não é essa a situação, conforme já largamente exposto! 10. Podem ser consideradas situações especiais para efeitos do Artigo 239.º do Código Aduaneiro Comunitário e princípios de Direito Comunitário (que levariam ao afastamento da obrigação da Impugnante pagar a importância em causa que lhe foi exigida, mesmo que fosse considerada responsável pelo seu pagamento, o que não se aceita), as situações que excedam o risco profissional e comercial normal que incumbe ao operador.

  8. No caso concreto, essas situações são, pelo menos, as seguintes: a) Violações do regime legal aplicável à mercadoria praticadas por um outro operador económico, a quem a mercadoria havia sido vendida com repercussão do Benefício POSEIMA.

    1. Ausência de negligência e não omissão ou prática de qualquer acto censurável por parte da Impugnante, que desconhecia o destino que a «B……..

      , SA» dava à mercadoria, tendo sempre actuado de boa-fé.

    2. Existência de entendimentos opostos sobre quem recai a responsabilidade de reembolso dos direitos entre a DGAIEC e o Governo Regional da RAM, gestor do regime, sendo que a Impugnante cumpriu com as informações que lhe eram prestadas pelos serviços dependentes destas duas entidades.

    3. Violação do regime legal aplicável à mercadoria (que fundamenta a liquidação dos direitos e a devolução da ajuda Poseima) por um outro operador económico, que era o seu proprietário e detentor aquando das respectivas infracções.

    4. Prática pelo expedidor da mercadoria, na expedição, de infracções de natureza contra-ordenacional ou mesmo criminal face ao direito nacional.

    5. Incumprimento grave e reiterado por parte da Alfândega do Funchal, no que se refere ao controle da aplicação das normas comunitárias e nacionais, que prevêem e regulam o Regime Específico de Abastecimento POSEIMA.

    6. O devedor dos direitos aduaneiros, de que a mercadoria beneficiou na importação, neste caso de expedição da mesma para fora da Região Autónoma da Madeira, é o expedidor da mercadoria e não a Impugnante.

    7. O benefício (isenção de direitos) de que a mercadoria beneficiou foi repercutido pela Impugnante para o transformador que depois viria a reexpedir a mercadoria.

    8. Enriquecimento ilegítimo por parte do expedidor e infractor, que, após ter beneficiado da repercussão do benefício, que incidiu sobre a mercadoria na importação, faz concorrência desleal a outros operadores no mercado único.

    9. A exigência do pagamento dos direitos aduaneiros à Impugnante é, nas circunstâncias concretas, gravemente ofensiva dos princípios do Direito Comunitário, da justiça, equidade, proporcionalidade, segurança e certeza jurídicas.

  9. A sentença recorrida, ao decidir com os fundamentos nela referidos, fez errada interpretação e aplicação do direito.

  10. Estão em causa nos presentes autos, essencialmente, a aplicação de normas de direito comunitário, sobre as quais o Tribunal de Justiça, ao que se saiba, até agora não se pronunciou e cuja pronúncia, atentas as posições em confronto, poderá ser necessária ou útil se esse Venerando Tribunal assim o entender.

    Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente com as devidas consequências legais».

    1.3 A Fazenda Pública contra-alegou, tendo formulado conclusões do seguinte teor: «1. Só se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, é que serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública, o que não sucedeu nos presentes autos, pois o Ministério Público apenas aderiu aos fundamentos apresentados pela Fazenda Pública.

  11. A sentença sintetizou a pretensão da Recorrente e respectivos fundamentos, fixou as questões que ao Tribunal cumpria solucionar, discriminou a matéria provada da não provada, especificando os fundamentos de facto e de direito, respeitando as disposições legais em vigor.

  12. Só há omissão de pronúncia quando o Tribunal não se pronuncie sobre as questões que lhe foram postas, o que não sucede na douta sentença.

  13. Do Regulamento (CE) n.ºs 1453/2001 do Conselho de 28 de Junho e suas alterações e do Regulamento (CE) n.º 20/2002 da Comissão de 28 de Dezembro e respectivas alterações resulta que os produtos abrangidos pelo regime POSEIMA não podem ser reexportados para países terceiros nem reexpedidos para o resto da comunidade, salvo as excepções neles consagradas (n.º 5 do Art. 3.º do Regulamento n.º 1453/2001 e n.º 2 do Art. 17.º do Regulamento n.º 20/2002).

  14. A aplicação do POSEIMA pressupõe que a vantagem económica resultante da isenção de direitos de importação tenha repercussão efectiva até ao utilizador final [n.º 4 do Art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 1453/2001 e subalínea v)...

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